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POR FERNANDO BRITO · 05/06/2016
Na sua delicada tristeza, o amigo Marceu Vieira pergunta, cheio de dedos, se não quero compartilhar uma crônica que publicou na madrugada deste domingo. Bobagem, sempre quero, porque sei que se trata sempre de bom texto e de sentimentos ainda melhores.
Fui ler e doeu, porque é na pele de velhos amigos que se encarna o drama de uma geração que amou o jornalismo. E que faz força para achar virtudes no amor amargo que a vida tornou esta aventura, onde se ia, em geral, por acaso ou amor ao mundo.
Deu de doer, também, aos que sobramos do outro lado, a dor de sabermos que, preservando a honestidade no que escrevemos, acabamos não podendo parar para olhar o mundo como gostaríamos e nem mesmo ponderar com a serenidade que as coisas sempre nos devem merecer.
É que o quadro político do Brasil, já algum tempo, assemelha-se ao episódio da infeliz menina brutalizada neste caso do estupro no Rio de Janeiro. Como criticá-la por qualquer coisa, diante de tamanha estupidez, de tamanha violação? Soa odioso e é odioso, porque se trata de comportamento humano e o que lhe fizeram é desumano, é monstruoso.
Também com a democracia brasileira cometeu-se um estupro coletivo e seus agentes estão por aí, aos berros, dizendo que “ela deu motivos para isso”.
Mas volto e reproduzo o texto do Marceu, que é um pouco o de todos nós que, depois de décadas, olhamos, nas bancas e na internet, a mulher amada torta, disforme, má e cheia de falsidades, tornada uma bruxa de maus feitiços e ainda assim amada, porque muitos não hão de entender que é por amor que lhe apontamos o dedo às feridas.
Também o faço por causa do personagem – ou dos personagens, porque ao lado do Aziz Filho, é preciso colocar o Fernando Molica, vítima igual da decadência de O Dia. Aos dois, “enfrentei” do “outro lado do balcão” como assessor de imprensa de Brizola: teimosos, inconvenientes, chatos e honestos, como devem ser os repórteres.
Sobraram estes espaços eletrônicos, que são imensos, mas massacrantes. Talvez demais para quem já devia estar fugindo de lutas desiguais.
Se até ao impávido Muhammed Ali o tempo nocauteia, que dirá a uns magrelos vindos do subúrbio, à beira dos 60?
Porque isso aqui é coisa para doido, que acorda às cinco, mesmo nas manhãs frias e chuvosas de um domingo, às chibatadas de si mesmo, para escrever sobre coisas tristes e malvadas que fazem com seu país e com seu povo.
E os que nos amam, coitados, dizem para que não sejamos loucos, que isso é meio de vida, não meio de morte.
É nada e nem podemos contar pra eles a verdade: que é por isso que vivemos.
Marceu Vieira
Li em algum lugar que quarta-feira, 1° de junho, foi o Dia da Imprensa. Em 30 anos de jornalismo, confesso que nunca dei muita bola pra esta data, escolhida por ser a da fundação do primeiro jornal brasileiro de circulação diária.
Não é o mais antigo nas bancas. Esse é o “Diário de Pernambuco”, fundado em 1825 e aí até hoje, que bom.
O “Diário do Rio de Janeiro”, o primeiro, começou a circular em 1° de junho de 1821. Criado por Zeferino Vítor Meireles, funcionário da Imprensa Régia, era uma concessão do príncipe regente. Apesar disso, consta que manteve linha editorial favorável à independência política do Brasil até desaparecer, em 1878.
Desde que pisei pela primeira vez numa redação de jornal, poucas vezes me lembrei do Dia da Imprensa, embora sempre houvesse quem me recordasse dele. Em geral, assessorias de comunicação, que enviavam brindes miúdos ou mensagens de “parabéns”.
Ou mesmo um parente ou um amigo, depois de ouvir uma nota lida no rádio.
Desta vez, o Dia da Imprensa passou, e eu nem soube. Talvez por estar ausente do jornalismo diário. Talvez por estar fora do alcance das pequenas bajulações e dos seus interesses embutidos.
Mas suspeito, com algum desapontamento, que a razão do esquecimento tenha sido outra. Talvez tenha sido o momento ruim da nossa imprensa.
Por tudo que tem publicado, ou deixado de publicar, o jornalismo brasileiro não reúne, ultimamente, muitas razões pra festas.
No andar de cima das redações, a preocupação é com a alegada queda dos lucros. Fala-se no mercado que o faturamento do negócio jornal e revista despencou 11,6% entre 2013 e 2014. Foi quando a informação gratuita lida nos celulares teria começado a dizimar com mais intensidade o hábito da leitura de notícias no papel.
Sobretudo, entre os mais jovens – e a formação de novos leitores segue seu curso pelas redes sociais, onde tudo se sabe, onde tudo se diz, onde sobre qualquer coisa se opina.
É no andar de baixo das redações, no entanto, que as preocupações parecem doer mais fundo. A maneira como são veiculadas as informações sobre esta crise imensa que engole o Brasil constrange uma enorme parcela dos jornalistas.
Digo de coração, porque é a minha percepção. Pode estar errada, mas é a minha percepção.
A esta crise, digamos, “qualitativa”, soma-se uma outra, “quantitativa”, que também castiga a imprensa. Nos últimos oito anos, se a memória não falha, onze jornais sucumbiram no país ao avanço da internet.
Deixaram de circular “Tribuna da Imprensa”, “Gazeta Mercantil”, “Jornal do Brasil”, “Jornal da Tarde”, “O Estado do Paraná”, “O Sul”, “Diário do Povo”, “Diário do Comércio”, “Jornal da Paraíba”, “Brasil Econômico” e “Jornal do Commercio” – os três últimos, ainda há pouco, neste 2016.
Nas últimas semanas, “O Dia”, do Rio, controlado pelo grupo português Ejesa, demitiu uma leva de profissionais de muita competência. Um deles, Aziz Filho, seu diretor de redação.
Aziz fez no “O Dia” um bom trabalho. Saiu aplaudido da redação ao se despedir dos colegas. Uma cena rara. Já testemunhei algumas despedidas. A minha própria, entre elas. Sei que é.
Eu já devia ter escrito aqui sobre o Aziz, com quem tive a sorte de trabalhar no velho JB e também no “O Dia”, em outro tempo. Porque, falando dele, falo de muitos jornalistas. De mim também.
Neste momento de tantos questionamentos ao comportamento da imprensa no Brasil, feitos inclusive por gente lá de fora, suponho que a razão dos aplausos recebidos pelo Aziz, em sua despedida, tenha sido seu empenho por manter o equilíbrio editorial do “O Dia” nestes dias difíceis.
A grande imprensa passa por um tempo grave. É o que penso. Com serenidade, é o que penso.
Um amigo não jornalista me perguntou por que não encontrou no “O Globo”, principal jornal do Rio, qualquer linha sobre a presença de Dilma na cidade, quinta-feira passada, 2 de junho, no ato “Marcha das Mulheres em Defesa da Democracia”.
Eu respondi:
– Não sei.
Mas, no fundo, eu sei, sim. Uma massa enorme de gente tem deixado de consumir jornais de papel, e não é não apenas por causa da internet. Faz isso também porque não encontra neles as notícias que gostaria de ler.
Ou as encontra com abordagens que a aborrece.
No mesmo dia da “Marcha das Mulheres”, por exemplo, a principal notícia sobre a presidente foi o suposto pagamento de seu cabeleireiro com dinheiro sujo. Dilma negou, disse ter provas e prometeu processar quem veiculou a denúncia.
Notícias contra Dilma têm mais privilégios na grande mídia do que seus contrapontos. Não é preciso gostar dela pra se perceber isso.
Os reais motivos do pedido de impedimento da presidente – as tais “pedaladas fiscais” – só tiveram destaque na grande mídia nos momentos finais da consumação do seu afastamento. Até ali, só se destacava a corrupção apurada pela Operação Lava-Jato, como se esta fosse a razão legal do frenesi pelo impeachment.
E Dilma não é acusada de qualquer gesto ilícito nas papeladas do juiz Sérgio Moro. O nome do seu cabeleireiro ou o estilo do seu penteado, pelo que se sabe, não estão no processo.
Algo está errado quando uma presidente afastada vem ao Rio no auge da crise, participa de uma manifestação com milhares de mulheres nas ruas do Centro de uma das capitais mais celebradas do mundo, e nenhuma linha sai no principal jornal desta cidade.
Esta autocrítica será feita um dia. Tenho certeza. Será sim.
As faculdades de Comunicação ensinam que o jornalismo é feito de fatos. Opiniões, salvo exceção, cabem em artigos e editoriais.
Os adjetivos, se mal empregados, assim eu aprendi, são os piores inimigos da notícia.
E o mais grave dos adjetivos, acredito, é o não dito, mas que o silêncio, na sua contundência, revela.
Tijolaço
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