QUA, 01/06/2016 - 07:33
Por Marcos de Aguiar Villas-Bôas
Alguns desafios da pré-candidatura de Ciro Gomes
Ciro Gomes, ao lado de Fernando Haddad, é um dos melhores nomes para assumir a presidência do país nas próximas eleições. Ciro tem mais experiência e imaginação institucional. Haddad é mais sereno e tem em seu favor a atual boa gestão na maior cidade do país. Em comum, ambos são sérios, parecem honestos, têm bom conhecimento acadêmico, visões ponderadas e vivência prática na política.
Se quiser ter chances de chegar ao menos ao segundo turno, Ciro precisa, contudo, melhorar o discurso e a postura. Apesar de posicionamentos políticos e econômicos complexos e moderados, ele ainda tem ajustes a fazer no temperamento e no seu ego.
Ciro nasceu em Pindamonhangaba, interior de São Paulo, terra de sua mãe, mas cresceu em Sobral, cidade do seu pai no interior do Ceará com 201.756 habitantes em 2015, onde estudou a maior parte da sua infância em escola pública. Na juventude de Ciro, a cidade era infinitamente menor, tendo a família Gomes contribuído para o seu desenvolvimento.
Há uma controvérsia sobre Ciro ser um típico coronel e oligarca nordestino, mas, apesar de a sua família ter estado envolvida com a política desde o século XIX, ela esteve por muito tempo (1944-1977) longe do poder no século XX2.
O seu pai era um Defensor Público, aquele advogado pago pelo Estado para defender pessoas sem condições financeiras, e não um rico proprietário de terras ou um político de carreira. Ele foi prefeito de Sobral apenas de 1977 a 1983 e colaborou para que Ciro fosse eleito pela primeira vez deputado estadual no ano de 1982.
Ciro se reelegeu pelo PMDB em 1986 e apoiou Tasso Jereissati para governador do Ceará, ficando contra os velhos oligarcas cearenses. Mais tarde, os dois ingressaram no recém-criado PSDB, que inicialmente era um partido de centro-esquerda.
Cid Gomes, seu irmão, foi eleito com 64% dos votos para prefeito de Sobral em 1997, reeleito com 68% dos votos em 2001 e teve uma das gestões mais bem sucedidas da história do Brasil na educação. A partir de 20003, detectou-se que 48% da população do município não era sequer alfabetizada e suas mudanças na gestão provocaram uma guinada na qualidade do ensino.
O município cearense revelou em 2015 uma quase extinção do analfabetismo e um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 7,8, o melhor de toda a Região Nordeste, o sexto do país inteiro, apresentando uma verdadeira revolução ocorrida a partir de 2001, como mostram os gráficos.45
Apesar dos mais de trinta anos de vida política, Ciro não tem acusações de corrupção contra si. Nunca foi alvo de qualquer inquérito, apesar de ter sido deputado estadual; prefeito de Fortaleza/CE; o primeiro governador (Ceará) da história do PSDB (eleito em 1990), o mais votado do país na época e o mais bem aprovado em sucessivas pesquisas; Ministro da Fazenda com apenas 37 anos, tendo deixado o cargo por conta do início do governo de Fernando Henrique Cardoso em 1o de janeiro de 1995; Ministro da Integração Nacional; e o deputado federal também mais votado do país nas eleições de 2006.
Até alguns dias atrás, Ciro era diretor da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), uma das maiores empresas do Brasil, o que lhe permitiu, dentre outras coisas, desenvolver sua capacidade administrativa e conhecer melhor a visão do empresário como um agente participante, e não como mero observador.
Todos os referidos cargos lhe transformam, talvez, no político mais completo do país, uma vez que passou por todos os entes da federação, sendo que, no âmbito estadual e federal, teve tanto cargos de liderança no Executivo, como foi membro do Legislativo.
Ciro se formou em Direito pela Universidade Federal do Ceará, foi professor de Direito Tributário e passou um ano e meio pesquisando na Harvard Law School orientado por Roberto Mangabeira Unger. Ele deixa claro nas aparições e textos que tem sólido conhecimento político, jurídico e econômico, o que, de logo, lhe diferencia da ampla maioria dos políticos do país, que, às vezes, não conseguem transitar muito bem por apenas um dos ramos, quanto mais pelos três.
Ciro também tem como vantagem um discurso centralizado pendendo para a esquerda, de modo que, apesar dos posicionamentos firmes, está longe de ser um radical nas escalas política e econômica.
Ciro Gomes revela, portanto, inúmeros atributos que lhe diferenciam positivamente dos demais políticos brasileiros, mas, como é natural, há também pontos de atenção que precisam ser lembrados e aperfeiçoados pelo pré-candidato.
O discurso atual de Ciro - que, como é de se imaginar, revela o cerne do seu projeto de governo - é repetitivo. Tudo bem que o Brasil enfrenta uma enorme crise política e econômica, mas, considerando que ele já se encontra em plena campanha informal, deveria abordar mais temas e possibilitar que a sociedade o conheça melhor.
Por não participar de eleições para presidente desde 2002, ao contrário de Marina, e por ter começado a usar mais as redes sociais há pouco tempo, ao contrário de Bolsonaro e dos demais pré-candidatos, tudo indica que Ciro ainda tem muito a crescer nas pesquisas, mas isso depende também de alguns ajustes que lhe permitam conquistar uma parcela maior do eleitorado.
Ciro poderá ter dificuldade de encontrar eleitores dentro do atual debate político extremamente polarizado. Com ideias mais centralizadas, ele pode não atrair nem a esquerda, nem a direita, de modo que precisa ser muito inteligente e conciliador para mostrar a cada lado que a sua parte aderente ao lado oposto vale a pena, que está pautada em dados técnicos, em teorias avançadas, e não apenas em ideologia barata, como é comum no Brasil.
Para isso, Ciro tem feito um bom papel de explicar à esquerda que muitas medidas tomadas sob o clamor do “social” prejudicam o próprio social. Um Estado deficitário não consegue, por exemplo, investir em infraestrutura, nem cumprir com os programas sociais assumidos.
Precisa explicar também que medidas de transferência de renda e afins são paliativos para um projeto maior de empoderamento das pessoas. A esquerda brasileira ainda tem uma visão extremamente assistencialista, muito causada pelos desmandos da classe dominante, que a leva a pensar que todo tipo de proteção aos menos favorecidos é justificável, independentemente de todos os seus efeitos colaterais.
Do outro lado, Ciro precisa explicar à direita que, em médio a longo prazo, o discurso neoliberal, que, como ele diz, “é ideologia de quinta categoria e não tem suporte científico”, traz prejuízos à sociedade como um todo, inclusive aos mais ricos.
Para compreender isso, é muito interessante explicar a sociedade como um sistema que precisa funcionar coeso, bem organizado. Sistemas são conjuntos de elementos com certa organização, que não precisa ser central, nem muito menos perfeita ou racional. Sem um movimento de ascensão conjunto da maior parte das pessoas das diferentes classes, o sistema sofre fraturas que o prejudicam no seu todo.
Isso explica porque um país com uma das maiores desigualdades do mundo, como o Brasil, sofre problemas frequentes de falta de demanda agregada e desemprego, o que se volta contra os mais ricos, pois faltam consumidores para comprar os seus bens e serviços e, sem muita produção, com menos empregos, cresce a falta de educação, a violência etc.
Se Ciro não convencer a direita de que é capaz de desenhar um novo Estado muito mais eficiente, perderá não somente os votos dos radicais de direita – que já não são dele, mas de Bolsonaro – como também os votos daqueles que inicialmente optariam pelo PSDB, porém não confiam mais no partido depois da completa desmoralização dos seus principais nomes, todo envolvidos em algum ou alguns esquemas de corrupção.
Ciro precisa também mostrar à esquerda o seu lado humanista. Temas como direitos de minorias são raros no seu discurso, o que talvez mantenha coerência com a sua postura bruta. Ele dificilmente será eleito se continuar convencido de que não mudará mais nessa idade e de que terá chances mesmo se continuar xingando em eventos e sendo grosseiro com debatedores e críticos.
Mesmo aqueles que querem apoiá-lo, em sua ampla maioria, concordam que não querem ver essa postura num presidente. Um líder corajoso e enérgico é até de bom grado, mas um irônico e agressivo não. O aspecto positivo é que há tempo para isso ser reformulado, pois faltam ainda mais de dois anos até o início formal da campanha.
Ciro Gomes precisa ser, enfim, convencido “pelos seus”, como ele diz, de que necessita de uma reformulação íntima, que alinhe os seus anseios de ajudar o povo a uma postura de estadista enérgico, porém sereno; preparado, porém respeitoso no debate; duro, porém nobre no discurso. Enfim, é preciso se transformar num ser paradoxal, equilibrado.
Não basta brincar sobre fatos como o de que se fala sobre ele precisar ser more presidential. Ele precisa realmente sê-lo. Não se sugere aqui a construção de uma falsa imagem, de um personagem para as eleições, mas de, realmente, promover uma reforma íntima que o transforme no estadista que queremos e precisamos para o Brasil.
Nesse caso, Ciro poderia utilizar, em alguma medida, o exemplo de Bernie Sanders, que é, como ele, extremamente sincero, mas mantém uma educação e respeito pelos adversários que atrai a todos, inclusive aqueles inclinados a votar nos adversários.
Manter a serenidade e o respeito, num país latino apaixonado como o Brasil, em meio a debates políticos duros e polarizados é um elemento que poderá fazer a diferença positivamente para um candidato.
Para que haja essa reformulação íntima, Ciro precisa passar por um processo de espiritualização, que o faça ascender do ponto de vista temperamental e relacional. Independentemente das suas crenças, ele precisa se aprofundar nelas e procurar encontrar o seu “eu” espiritual para desenvolvê-lo.
Como gosta de estudar, poderia ler obras da doutrina espírita, que é bastante filosófica e se coaduna com praticamente todas as religiões. Yoga e meditação podem ser companheiros interessantes nesse processo de busca de serenidade e autocontrole.
A doutrina espírita, assim como diversas religiões, ensina que devemos buscar uma ascensão moral e intelectual conjugadas. Muitas vezes, uma aparece sem a outra. No caso de Ciro, houve uma boa ascensão intelectual, mas, no lado moral, apesar de ser alguém inclinado à caridade, que quer o bem do seu povo e está disposto a lutar para isso, peca em outros aspectos centrais da doutrina espírita, como a humildade e a serenidade.
Apesar de ser um indivíduo aparentemente sem luxos, Ciro precisa saber lidar com um país com ampla maioria não estudada e com uma elite que pode até ter estudado, mas é culturalmente pouco evoluída, atuando como um paciente educador, um líder sereno, que entende os problemas do seu povo e que tem os caminhos para resolvê-lo.
Se continuar passando às vezes a imagem de alguém arrogante e de que quer impor as suas ideias, Ciro dificilmente será eleito. Se o for, caso não escute os demais, será um presidente ruim.
Ciro tem posições boas, como a defesa da redução da taxa de juros, mas a sua proposta de diminuição imediata de 2% pode não ser a melhor. A questão da redução da taxa de juros não é apenas existir ou não demanda agregada elevada, mas a expectativa de aumento de capital para consumo que ela gera nos produtores, que podem vir a elevar os preços.
Talvez uma redução gradual fosse mais interessante, porém Ciro gosta de posições arrojadas. Se presidente, precisará de excelentes conselheiros, como qualquer líder de sucesso, todavia, antes de tudo, terá que ser capaz de ouvi-los e de ponderar sobre as suas próprias certezas.
Se continuar passando a imagem de que pode ter as saídas para os problemas econômicos, mas que deixa em segundo plano as medidas afirmativas das minorias, dificilmente será eleito. Se o for, caso não tome específicas medidas para empoderar as minorias, será um presidente ruim.
Não se afirma, de modo algum, que Ciro Gomes é um indivíduo arrogante ou que não lhe interessa tratar de minorias, mas essa é a imagem que uma parcela da sociedade tem apreendido a partir de algumas das suas aparições na mídia.
No Brasil, Ciro deveria aprender, em alguma medida, com Fernando Haddad, que não tem a mesma experiência dele, mas se sai muito bem em ambientes completamente hostis. São ao menos dois os casos de entrevistas concedidas por Haddad na Rádio Jovem Pan, notoriamente conservadora, nas quais ele deu um baile de dados e conhecimento em anfitriões deseducados e de pouco conhecimento, como Marco Antônio Villa, Raquel Sheherazade e Carioca.
Seria curiosa e interessante uma entrevista de Ciro Gomes concedida, por exemplo, a Marco Antônio Villa, mas, ao mesmo tempo, pode-se ter medo do seu resultado.
Se Haddad, que fez brilhante mandato à frente da Prefeitura de São Paulo, conseguir ultrapassar as barreiras do antipetismo e da ignorância, sendo reeleito prefeito, poderá ser um nome muito forte para a presidência nas próximas eleições. Sua participação ao lado de Ciro nos debates elevaria muito o nível da política brasileira e, qualquer que fosse o resultado das eleições, só isso já seria muito positivo para a sociedade.
Mais interessante ainda, para aqueles entusiasmados com esses dois políticos, seria se o PT fizesse também uma reforma íntima e Haddad se tornasse vice na chapa de Ciro, de modo que o partido não lançaria candidato próprio nas eleições.
Com a nova tropa de choque do PDT, que ingressou no partido por conta de Ciro Gomes, como Roberto Mangabeira Unger, Gabriel Chalita e Cid Gomes, juntamente com o PC do B, de Flávio Dino, que deveria ser ministro num eventual governo, os progressistas brasileiros poderiam ter alguma esperança de ver à frente do país um grupo preparado, diferenciado, com projeto avançado de desenvolvimento nacional, ciente da importância do empreendedorismo e muito preocupado com o social.
Marcos Villas-Bôas é doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, mestre em Direito pela UFBA, Advogado, atualmente faz pesquisas independentes na Harvard University e no MIT - Massachusetts Institute of Technology.
Jornal GGN
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