quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O Tema da Eleição - Marcos Coimbra

Em todo ano eleitoral, mais cedo ou mais tarde, a imprensa repete uma velha pauta: editores, repórteres e colunistas põem-se a procurar “o tema” da eleição.

Parece que acreditam que é possível identificar um único assunto, uma só preocupação, que os eleitores do país inteiro - ou uma proporção majoritária deles - compartilhariam. Como se houvesse alguma coisa, minimamente relevante, que os mais de 135 milhões de brasileiros em condições de votar possuíssem em comum.

Fora as generalidades mais triviais (amam o Brasil, desejam a felicidade, querem o melhor para seus filhos, e coisas do gênero), são muito diferentes. Trabalham em coisas diferentes e ganham quantidades de dinheiro completamente diferentes. Moram em lugares diferentes, de favelas paupérrimas a bairros de alto luxo. Muitos são jovens, outros idosos, e têm necessidades diferentes.

Diferem em outro aspecto fundamental. Além das segmentações socioeconômicas que existem na sociedade brasileira, nosso eleitorado está, crescentemente, dividido em termos políticos.

É verdade que não é grande a parcela com declarada e firme identidade partidária. Mas está longe de ser inexpressiva a proporção dos que se dizem simpatizantes de algum partido, dentre os quais se destaca o PT (que tem, sozinho, mais que o dobro da soma dos demais).

À medida que o tempo passa, essa simpatia tende a deixar de ser algo tênue ou puramente atitudinal. Ao longo dos anos, o eleitor começa a traduzi-la em comportamentos eleitorais concretos, renovando seu voto em sucessivas eleições. Com isso, seus vínculos com o partido - ou determinada liderança - se estreitam e consolidam.

Surgem, assim, eleitores petistas, peessedebistas, peemedebistas e por aí vai. Talvez não estejam inscritos em um cadastro qualquer (como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a maioria do eleitorado tem uma identidade partidária “oficial”), mas isso não os torna menos entusiasmados na defesa de “seu” partido - e de “seus” candidatos -, ou menos previsíveis em suas escolhas.

Faz algum sentido imaginar que uma idosa pobre do interior, admiradora de Lula e do PT, e um jovem rico metropolitano, antipetista e admirador do PSDB, tomam suas decisões eleitorais da mesma maneira, em função de um mesmo “tema”, de uma só agenda?

A pergunta é ainda menos razoável em ano de eleições municipais. Nelas, achar que existe algo semelhante a esse hipotético “tema” apenas mostra desconhecimento a respeito de nossos eleitores.

É possível que, em condições excepcionais, existam eleições tão dominadas por um assunto que as diferenças objetivas e políticas do eleitorado se tornem secundárias. Se o país está frente a uma ameaça externa, se atravessa uma crise econômica, “o tema” da eleição é óbvio.

Isso aconteceu conosco na saída da ditadura e da hiperinflação. E deve ter sido então que nossa imprensa adquiriu o hábito de buscar “o tema” das eleições, mesmo quando ele não existe.

Em uma eleição municipal, como a que faremos este ano, é até difícil imaginar qual poderia ser. São milhares de candidatos a prefeito e vereador, em quase 5,6 mil cidades, que vivem realidades completamente diferentes. Os eleitores os escolhem levando em conta inúmeros aspectos - embora sempre acreditem que votam nos mais qualificados (dentre os que conhecem).

Faz parte da normalidade democrática e do amadurecimento político que a eleição municipal seja municipal, a estadual seja estadual, e que a nacional seja nacional. Poucas pessoas, hoje em dia, se confundem com isso.

A imensa maioria dos eleitores não define seu voto local em função de questões nacionais, e nem entenderia se alguém perguntasse que “recado” pretende mandar para Brasília ou a capital de seu estado. Para o cidadão normal, seria absurdo votar em um candidato a prefeito (ou a vereador) sabidamente inferior a outro, apenas para enviar uma esdrúxula mensagem - que ninguém, aliás, decifraria.

Pode dar mais trabalho, mas, ao invés de tentar encontrar “o tema” da eleição de outubro, os analistas fariam melhor se tentassem identificar os muitos temas que serão discutidos nas cidades brasileiras.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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