15/09/2012 2 COMENTÁRIOS
O Cafezinho teve acesso à íntegra do depoimento de Wanderley
Guilherme dos Santos a Carta Capital, onde foram contudo publicados
apenas alguns trechos.
Destaco os seguintes trechos:
Imagine o que não diriam os editorialistas diante da seguinte
proposição: Fernando Henrique Cardoso locupletou-se durante a
presidência precisamente porque não existem provas de que o fez. É o que
se pretende fazer em relação a Dirceu: uma interpretação ad hominem,
isto é, só vale para casos singulares. Fazer da ausência de provas uma
"prova" de que houve crime é a evidência de que se trata de julgamento
de exceção, vingativo.
(...) o objetivo partidário de permanecer no poder foi satanizado
pelo procurador, pelo relator, pelo preconceito que sai pelos poros de
vários dos juízes e pelo prefácio de oratória proferido por Celso de
Mello antes de votar o primeiro pacote de julgamentos. Em discurso
abstrato, sem nomes, mas cheio de adjetivos degradantes sobre
autoridades públicas que cometem ilícitos – o que, de fato, me lembrou o
IPM a que respondi, e era o clima da época, em que coronéis e tenentes,
impunes, esbravejavam contra várias coisas das quais eu não podia ser
acusado, pois não havia provas, chegando ao cômico (mas não ri na hora)
de me acusarem, além de subersivo, de ser suspeito; acredite, fui
acusado de ser suspeito e isso era crime! – o ministro decano estava na
verdade manifestando desprezo a priori pela atividade política e pelo PT
como partido político. (...)
O Tribunal não é de exceção, mas o julgamento sim
Por Wanderley Guilherme dos Santos
Íntegra exclusiva publicada no Cafezinho
Íntegra exclusiva publicada no Cafezinho
Não sei se José Dirceu é inocente ou se, como outros, cometeu algum
crime à sombra do ilícito caixa 2. Os autos devem esclarecer isso. Há
algo que não depende dos autos, todavia: será um julgamento de exceção
se condenado por não haver provas contra ele.
Alguns magistrados do Supremo estão prontos a contorcionismos
chineses para escapar à evidência de que a legislação eleitoral é causa
eficiente do caixa 2 e que este proporciona a oportunidade para diversos
crimes que nada têm a ver com tal ilícito.
Comentários antecipando votos condenatórios com base em provas nos
autos preparam o caminho para condenações sem provas. A premissa de que
chefes de quadrilha não deixam rastros – interpretação peculiar da tese
do domínio do fato – pode ser defensável, mas requer comprovação sem
sombra de dúvida e, até, agora, nenhuma condenação se apoiou em tal tese
ou na versão mais amena de que quanto mais elevado nas hierarquias de
poder, maior a possibilidade de que criminosos eliminem os indícios. As
condenações por corrupção passiva de João Paulo Cunha e de Henrique
Pizzolato são exemplos de que os discursos são para outros.
João Paulo Cunha foi condenado com fundamento na prova de que os
recibos que explicariam os 50 mil recebidos por sua mulher foram
forjados. Enquanto as falas do procurador e do ministro revisor só
apontavam indícios a que atribuíam hiperbólica significação, a ministra
Rosa Weber revelou que os recibos possuíam numeração seriada, embora
supostamente preenchidos em datas afastadas no tempo. Com isso, a ida da
mulher de João Paulo Cunha ao banco para retirar o dinheiro em espécie
deixou de ser um comportamento esdrúxulo, sem dúvida, mas não criminoso,
e muito menos da conta de ministros do Supremo, para se tornar um
indício poderoso da ilegalidade do recebimento. Até porque os
comentários dos juízes eram contraditórios: para Carmem Lucia fazendo
sua mulher descontar o cheque à luz do dia era manifestação solar de
arrogância de poder de João Paulo, indicativo seguro de que se sentia
impune; para Rosa Weber, disfarce, dissimulação, sombra; para César
Peluso, garantia de que chegaria em casa e não seria apropriado por
outrem (esse comentário é interessante em outro contexto). Comentários
diversos e contraditórios, mas o fundamento do voto foi o mesmo: a
seriação dos recibos falsos. Ora, o presidente da Câmara é terceiro na
linha de sucessão do poder executivo e os próprios magistrados exaltaram
sua posição para melhor revelar como o crime merecia ainda mais forte
repulsa. Não obstante, apesar desta posição hierárquica elevada, joão
paulo deixou rastros toscos, elementares. Não foi porque, dada sua
posição elevada, João Paulo não deixou pistas e foi condenado assim
mesmo. Rosa Weber e todos os que o condenaram o fizeram com base nas
provas toscas que deixou. A tese abstrata de Rosa Weber e do procurador é
contrária aos fatos aqui.
O mesmo em relação a Henrique Pizzolato. Ele foi condenado porque não
apresentou a pessoa que, segundo sua explicação, seria o destinatário
final do pacote cujo conteúdo alegava desconhecer. Alegação tosca e rude
que, não sendo provada, prova o seu oposto, isto é, que ficou com o
dinheiro indevido. Membro do corpo mais elevado da administração do
Banco do Brasil, deixou, não obstante, rastros que permitiram aos juízes
do Supremo o condenarem. Ele deixou rastros e foi condenado por eles,
não porque tenha faltado provas. Outro exemplo em que o discurso
abstrato sobre o domínio do fato nada tem com o voto real, sendo apenas
preparatório para o momento em que não houver mesmo prova alguma e os
juízes condenarem assim mesmo, configurando um julgamento de exceção.
João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato não foram condenados em virtude
de pertencerem a algum esquema diabólico efetivamente comprovado, como
querem o procurador e o ministro relator, mas justamente porque não
conseguiram comprovar que os ilícitos que cometeram resultaram da
participação no ilícito caixa 2. Eram corrupção passiva mesmo. Assim
como o ilícito de Marcos Valério, que no contrato com a Visanet cometeu
apropriação indébita, via corrupção ativa, e Pizzolato corrupção
passiva, via adiantamento de pagamentos. Do mesmo modo, Marcos Valério
não foi condenado por se mostrar um elo de mirabolantes enredos, mas por
se apropriar indevidamente dos bônus de contrato de publicidade do BB,
que não tem conexão com caixa 2, embora propiciado por este. ESSES FORAM
OS FUNDAMENTOS DE ROTINA PENAL NO PRIMEIRO BLOCO DA AÇÃO PENAL 470,
DESCONECTADOS DAS ESPECULAÇÕES SOBRE AS LIGAÇÕES ENTRE NIVEL DE
AUTORIDADE PÚBLICA E AUSÊNCIA PROVAS. AO CONTRÁRIO, TODAS AS AUTORIDADES
PÚBLICAS CONDENADAS NO PRIMEIRO PACOTE DEIXARAM PROVAS SUFICIENTES E,
ALGUMAS, BASTANTE TOSCAS, QUE NENHUM MELIANTE MEDIANAMENTE EXPERIMENTADO
DEIXARIA DE EVITAR.
A INTERPRETAÇÃO do domínio do fato é a espinha dorsal para a
condenação sem provas. Para tanto, o procurador insinuou e o relator
apresenta repetidamente, em paralelo aos autos, um enredo perverso que
ligaria todos os ilícitos, como se todos fossem uma mesma coisa, cujo
Autor sem assinatura seria José Dirceu. A idéia é tornar aceitável a
interpetação segundo a qual "quanto mais elevada for a posição do
criminoso nas hierarquias sociais, mais fácil a ocultação de provas",
hipótese heurística defensável (embora não existam pesquisas que
comprovem indubitavelmente que se trata de uma verdade, mesmo que apenas
probabilística). Equivale a "não havendo provas, é forte indício de que
há o mando de uma autoridade". Além de ser contrária aos fatos na Ação
Penal 470, a tese hipotética aceitável não se transforma na segunda
senão por subterfúgio. Da proposição verdadeira de que todos os ímpares
são números não se segue que todos os números são ímpares. Essa
tentativa, se bem sucedida, é que fará deste um julgamento de exceção,
ou seja, nunca mais se repetirá. Imagine o que não diriam os
editorialistas diante da seguinte proposição: Fernando Henrique Cardoso
locupletou-se durante a presidência precisamente porque não existem
provas de que o fez. É o que se pretende fazer em relação a Dirceu: uma
interpretação ad hominem, isto é, só vale para casos singulares. Fazer
da ausência de provas uma "prova" de que houve crime é a evidência de
que se trata de julgamento de exceção, vingativo.
A grande imprensa clama unanimemente por isso, mas não penso que os
juízes estejam necessariamente se submetendo a ela. Acho, sim, que,
neste caso, alguns juízes raciocinam como a grande imprensa. Por isso
não se sentem pressionados, exceto o Lewandowski, claro. Eles sentem com
absoluta convicção que o projeto do PT, Lula e Dirceu são um mal.
Representou a quebra do monopólio do voto de classe média como fiel da
balança eleitoral, a seduzir pés rapados que se elegem e os elegem. E se
não há provas desse mal, é porque são diabólicos e não deixam rastro.
Vai ser preciso condenar sem provas porque, no fundo, acham que estão
certos.
Os ilícitos para os quais existem provas não podem ser somente
conseqüência do caixa 2, do qual a justiça eleitoral é causa eficiente,
ou da banal corrupção, por hábito ou oportunidade. Precisam estar dentro
de um enredo maléfico, que parece impossível demonstrar. Isso, é claro,
se o julgamento for até o fim do mesmo jeito. Se provarem que Dirceu
afanou algum, é uma coisa, daí a "provar" um esquema perverso em que
todos tinham consciência e cumplicidade no objetivo final, obscuramente
definido como "permanecer no poder", vai grande distância.
O objetivo partidário de permanecer no poder foi satanizado pelo
procurador, pelo relator, pelo preconceito que sai pelos poros de vários
dos juízes e pelo prefácio de oratória proferido por Celso de Mello
antes de votar o primeiro pacote de julgamentos. Em discurso abstrato,
sem nomes, mas cheio de adjetivos degradantes sobre autoridades públicas
que cometem ilícitos – o que, de fato, me lembrou o IPM a que respondi,
e era o clima da época, em que coronéis e tenentes, impunes,
esbravejavam contra várias coisas das quais eu não podia ser acusado,
pois não havia provas, chegando ao cômico (mas não ri na hora) de me
acusarem, além de subersivo, de ser suspeito; acredite, fui acusado de
ser suspeito e isso era crime! – o ministro decano estava na verdade
manifestando desprezo a priori pela atividade política e pelo PT como
partido político.
É fácil demonstrar que sem partidos políticos e parlamentos livres,
nenhuma outra instituição é seguramente livre. Quando os partidos são
fechados, a imprensa é censurada e o judiciário se acoelha. Tal acontece
em todas as ditaduras e assim aconteceu no Brasil, durante o Estado
Novo e durante a ditadura militar. Os advogados de presos e torturados
políticos – Nilo Batista, Modesto da Silveira e a Rosa Maria Cardoso da
Cunha, e que está na comissão da verdade, o falecido Heleno Fragoso,
entre vários outros – sabem muito bem o que foi o rebaixamento
silencioso do judiciário nesse último período. Quem garante a liberdade
das demais instituições democráticas é um sistema partidário livre, não o
contrário.
Blog do Luis Nassif
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