terça-feira, 18 de setembro de 2012

Vazamento da dosimetria de Barbosa revela rigor nas punições

Se persiste alguma dúvida do rigor com que o relator da ação penal 470, ministro Joaquim Barbosa, pretende condenar os réus do “mensalão”, o vazamento das penas definidas por ele para os condenados por lavagem de dinheiro é suficiente para liquidá-la. A dosimetria de Barbosa, postada por engano no site do STF, revela que, se dependesse apenas dele, até a funcionária “mequetrefe” Geiza Dias, inocentada pela maioria dos ministros da corte, cumpriria mais que o dobro da pena mínima.


Brasília - Se persiste alguma dúvida do rigor com que o relator da ação penal 470, ministro Joaquim Barbosa, pretende condenar os réus do “mensalão”, o vazamento das penas definidas por ele para os condenados por lavagem de dinheiro é suficiente para liquidá-la. A dosimetria de Barbosa, postada por engano no site do Supremo Tribunal Federal (STF), na última sexta (15), revela que, se dependesse apenas dele, até a funcionária “mequetrefe” Geiza Dias, inocentada pela maioria dos ministros da corte, cumpriria mais que o dobro da pena mínima.

A legislação vigente à época em que os crimes foram praticados previa penas de três a 12 anos para lavagem, que poderiam ser aumentadas de um a dois terços, em condições específicas, como a prevista no tipo penal do crime continuado. Com base neste agravante, Barbosa fixou a pena de Geiza em seis anos e 11 meses de prisão, pela sua participação em 46 operações de lavagem. O ministro previa também o pagamento de 38 dias/multa, no valor de um trinta avos do salário-mínimo por dia (cerca de R$ 787), já que ela não possui nenhum bem.

Geiza era a funcionária da agência de publicidade SMP&B, que repassava ao Banco Rural, por e-mail, a relação de sacadores das quantias remetidas pelo chamado “valerioduto”, o esquema montado pelos sócios das agências de publicidade e dirigentes do Banco Rural para dissimular a origem e destinação do dinheiro movimentado. Em 2003, no ápice do funcionamento do esquema, seu salário era de R$ 1,5 mil. As investigações não identificaram que ela tenha recebido quaisquer valores ou vantagens decorrentes da sua participação. Tão pouco comprovaram que tivesse ciência da origem ilícita do montante movimentado. Foi inocentada por sete votos a três.

No caso do empresário Marcos Valério, apontado como o operador do esquema, Barbosa majorou a pena para 12 anos e sete meses de prisão em regime fechado, além de arbitrar 340 dias/multa, com o valor diário de dez salários mínimos, ou cerca de R$ 2,1 milhões, considerado compatível com o patrimônio de R$ 8 milhões, declarado por ele à Receita. Segundo o voto vazado na internet, constam contra o réu pelo menos onze ações penais, duas delas já com sentença condenatória em primeira instância. “Por esta razão, considero que Marcos Valério ostenta maus antecedentes”, justificou Barbosa. Além disso, o relator aponta que o empresário liderava o chamado núcleo publicitário.

Já os sócios de Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, e o advogado das agências deles, Rogério Tolentino, teriam que cumprir dez anos em regime fechado, além de pagar 250 dias/multas, no mesmo valor da de Valério (algo em torno de R$ 1,5 milhão). Pesa contra Hollerbach o fato dele já ter sido condenado em uma ação de primeira instância, responder outras três e possuir bens que somam R$ 1,4 milhão. Já Paz foi condenado em duas, responde as mesmas outras três e possui patrimônio declarado de R$ 1,5 milhão. Tolentino responde a três ações penais, já foi condenado em uma e seu patrimônio é de R$ 2 milhões.

A mesma pena foi aplicada aos ex-dirigentes do Banco Rural, Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, mas com valores diferenciados para as multas diárias, em função do patrimônio de cada um. No caso de Kátia, o valor diário da multa foi arbitrado em 15 salários mínimos, já que ela possui bens estimados em R$ 35 milhões. A multa atribuída à Salgado foi de dez salários mínimos por dia e seu patrimônio declarado é de R$ 1,8 milhões. No caso de Samarane, com patrimônio de R$ 1 milhão, a multa diária também foi de dez salários mínimos.

O voto, que parece inacabado, não esclarece se Samarane já foi condenado ou responde outras ações. Já contra Kátia e Salgado pesaram os maus antecedentes, independentemente do volume de ações em que são réus: sete e 23, respectivamente.

A diretora financeira da SMP&B, Simone Vasconcelos, pegará sete anos e sete meses em regime semi-aberto, e pagará 180 dias/multa, no valor de cinco salários mínimos por dia, caso Barbosa mantenha a dosimetria. Segundo ele, favorece a ré o fato de que ela atuou sob ordem dos seus superiores, além de que ela não possui antecedentes criminais. Sua multa é mais amena em função do seu patrimônio declarado, de R$ 750 mil.

“São penas muito duras, muito altas. Mas, pelo menos, não se pode dizer que o ministro Joaquim Barbosa não está sendo coerente. Ele realmente veio com o objetivo de condenar a todos”, afirmou o advogado Hermes Guerreiro, que defende Ramon Hollerbach. “As penas de Barbosa são mais altas que as do ex-ministro Cezar Peluso, um juiz de carreira. Barbosa jogou todas no alto enquanto Peluso fixou no mínimo, na maioria dos casos”, comparou o advogado Marcelo Leonardo, que defende Marcos Valério.

Pelas regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) especificamente para o julgamento do “mensalão”, a chamada dosimetria da pena só será feita no final de todo o processo, após os ministros definirem se os 37 réus são culpados ou inocentes. Entretanto, como o ministro Cezar Peluso se aposentou em 3/9, apresentou antecipadamente as penas dos réus que havia julgado, na primeira etapa do julgamento, que abordou a origem do dinheiro movimentado.

Agora, o vazamento do voto de Barbosa joga mais luz sobre o processo, que vem angustiando as partes envolvidas. “Este julgamento fatiado é desumano porque os réus sofrem mais a cada dia. Não se sabe nem a pena de cada um já condenado. É uma situação anormal e que atrapalha não o julgamento, mas a Justiça como um todo”, acrescentou Guerreiro.

Os advogados deixaram claro que não questionarão o vazamento, já justificado pelo relator. “Foi um erro visível da assessoria do ministro. Tinha pena prevista até para a Geiza Dias, que foi inocentada”, justificou Leonardo. “Não acho que foi proposital. Foi um erro mesmo. Aliás, é mais uma das muitas atipicidades deste julgamento”, acrescentou Guerreiro. 

Carta Maior

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