sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Cunha e Mendes vão restaurar a “moralidade” da política. Com dinheiro das empresas?

6 de fevereiro de 2015 | 10:01 Autor: Fernando Brito



Quem duvidar, olhe os fatos.

O “pedido de vistas” feito por Gilmar Mendes, que há 10 meses trava a decisão já tomada por maioria no Supremo Tribunal Federal, representou o mesmo que “segurar a bola”, até que entrasse em campo alguém capaz de, pela via política, reverter aquilo que já era uma convicção jurídica: não é legítimo o financiamento de campanhas eleitorais por empresas.

Como “não foi possível” que fosse Aécio, o encarregado é Eduardo Cunha, a vestal que irá capitanear a “moralização da política”, pela “honestíssima” contribuição das empresas às campanhas de candidatos a cargos eletivos, de vereador a Presidente.

É o recado, límpido, do editorial de hoje de O Globo.

Ora, é virtualmente impossível separar, nas contribuições partidárias, aquilo que é doado por civismo, por amizade ou admiração ou por favorecimentos em negócios com o poder público.

Mesmo ao dinheiro dado sem pressão, chantagem ou propina pessoal, o que garante que, desejando acusar-se, não seja “prova” de favorecimento político?

O financiamento privado é, por si só, imoral.

Não é apenas na hipótese de que uma empreiteira ou prestadora de serviços doe à pessoa ou ao partido da pessoa que facilitou seus negócios com o poder público.

Nem mesmo a proibição, já existente, de que beneficiários de concessões do poder público doem a candidatos é eficaz, porque os concessionários são donos ou sócios de outras empresas que não o são e que, assim, não têm impedimentos em doar.

É assim que é feita a política e são feitas as eleições no país e, até agora, com a cobertura legal, graças ao “travamento” da decisão judicial que Gilmar Mendes mantém em sua gaveta.

Não há honestidade quando se é hipócrita.

Porque a hipocrisia é, aliás, o primeiro sinal da desonestidade.

Gilmar seguirá retendo o processo até que Cunha execute a missão de dar legalidade às contribuições empresariais que o Supremo julgou, pela legislação de hoje, incompetíveis com o espírito da lei e, portanto, cabível a sua proibição.

Os senhores deputados, prenhes de moralidade, não terão de derrubar a proibição judicial a que suas campanhas e partidos recebam dinheiro de empresas, porque a proibição judicial será protelada, engavetada, congelada até que se aprove a “reforma” que deixa, neste campo, tudo como está, com um retoque ou outro.

E o dinheiro dado pelas empreiteiras ao PT seja prova inequívoca do crime, enquanto o doado ao PSDB, ao DEM, ao PSB e a quase todos os outros partidos é, claro, puro patriotismo e apreço à democracia.

Faltam, infelizmente, homens públicos ao Brasil capazes de dizer isso.

E sobra, em nossa imprensa, a capacidade de escondê-lo e fazer os estultos dizerem: “ah, é um absurdo dar dinheiro público para os políticos fazerem campanha”, como se as empresas estivessem dando, na sua generalidade, o suado dinheirinho ganho apenas em negócios privados.

Por isso, há tanto ódio contra a ideia de uma constituinte exclusiva para tratar da reforma política. É preciso fazê-la só com o Congresso de políticos profissionais, eleitos por essas regras escusas e com todo o interesse em que elas continuem valendo.

Perdemos a chance de fazer isso quando éramos fortes. Embora a decência não nos desobrigue de fazer a resistência possível – e até a impossível – a isso, é preciso ter claro que agora já não somos lança, apenas precário e roto escudo.

Só poderemos ser mais que isso se retomarmos nossa própria face e, em lugar de gaguejar, falar ao povo brasileiro.

Algo que parece ter sido esquecido, nos dias amedrontados de hoje.
 
 
 
Tijolaço

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