terça-feira, 4 de setembro de 2012

Nem choro nem vela…


 

Por Delfim Neto

Não podia ser mais significativa, emblemática, na expressão moderninha de hoje, a manchete principal da página de finanças de nosso maior jornal econômico. Lembrava ao mercado que na última semana de agosto faz um ano que o Banco Central iniciou o processo de redução da taxa básica de juros (de 12,5% em 2011 para 8% desde a segunda semana de julho de 2012), sem que acontecesse a terrível catástrofe prenunciada pelos autonomeados gurus dos mercados financeiros. O título no alto da página era, singelamente, “Selic cai há um ano, sem reação” (!).
Pois bem, esta que considero a ação mais importante (e corajosa) de política econômica no governo da presidenta Dilma Rousseff foi vista pela crítica como uma “decisão precipitada”, capaz de “colocar em risco toda a credibilidade conquistada a duras penas nos últimos anos”. É o caso de perguntar: a “duras penas” de quem, cara-pálida?
Completado um ano do que diziam a propósito da “fatídica reunião do Copom”, em 31 de agosto de 2011, as “forças do mercado” parecem ter se rendido ao fato de que o nosso Banco Central enxergou, antecipadamente, a deterioração das condições econômicas globais com o aprofundamento do processo de recessão na Europa e a retração geral nas economias mais avançadas.
Na quarta-feira 29 o Conselho de Política Monetária do Banco Central aprovou, por unanimidade de votos, mais um corte de 0,5 ponto porcentual e fixou a Selic em 7,5% ao ano. Indica que continuamos convergindo lentamente para uma taxa de juro real parecida com a do resto do mundo. O que é fundamental para a retomada do processo de desenvolvimento do País.
Ainda no mês de agosto o governo tomou decisões que espero produzam efeitos importantes e também nos permitam comemorar, quem sabe daqui a um ano: trata-se da recuperação do planejamento integrado da estrutura de transportes em nosso país com a proposta de criação da Empresa de Planejamento e Logística, a EPL, que precisa ser aprovada rapidamente.
Lembra um instrumento que funcionou com grande eficiência a partir dos anos 1960, o Geipot, responsável pela construção da moderna infraestrutura de transportes terrestres por onde circula boa parte da produção brasileira.
O Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes coordenava o planejamento dos projetos em todo o território nacional, dando-lhes o approach logístico capaz de integrar os sistemas rodoviário, ferroviário e portuário, e, indo além, com os projetos de geração de energia e a interiorização de sua distribuição.
Quem viveu aquele período, até quase 1990, principalmente aqueles que trabalharam na construção civil, sabe que foram momentos em que a infraestrutura recebeu os maiores investimentos e contribuíram para a mais rápida integração territorial do continente Brasil.
É interessante lembrar que, nas três décadas seguintes a 1954, quando se construíram os grandes eixos rodoviários em direção ao interior e os mais importantes projetos hidrelétricos, o PIB brasileiro cresceu a taxas anuais de 7,5% a 8%: tudo a ver com o suporte dado pela integração logística e o efetivo investimento dos governos, quando a carga tributária era de 24% e a União investia o correspondente a 4%.
É evidente que os investimentos da União, dos estados e municípios “puxavam” os investimentos privados e mantinham aceso o espírito animal dos empresários. Hoje, a carga tributária é de 35% e o investimento público não chega a 2% do PIB. E ainda marcha sem nenhum apoio em planejamento logístico como este que o governo procura restabelecer agora.
Não é apelar para a “grandiloquência” lembrar a dimensão continental do Brasil. Nós já aceitamos durante sé­culos a definição de que o nosso território era na verdade um grande arquipélago, sem ligação entre as ilhas, mas hoje podemos reconhecer que somos um continente razoavelmente integrado, conhecedor de seus caminhos. Em condições semelhantes conheço apenas os Estados Unidos, cujo território é um permanente canteiro de obras (com esporádicas interrupções, graças à tolerância com práticas obscenas no mercado financeiro).
A presidenta Dilma acertou duplamente ao propor a criação de uma empresa para fazer renascer o planejamento logístico e ao indicar desde logo para conduzi-la um técnico da competência do doutor Bernardo Figueiredo, profissional probo de altíssima qualidade.

Carta Capital

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