Por Delfim Neto
Não podia ser mais significativa, emblemática, na expressão
moderninha de hoje, a manchete principal da página de finanças de nosso
maior jornal econômico. Lembrava ao mercado que na última semana de
agosto faz um ano que o Banco Central iniciou o processo de redução da
taxa básica de juros (de 12,5% em 2011 para 8% desde a segunda semana de
julho de 2012), sem que acontecesse a terrível catástrofe prenunciada
pelos autonomeados gurus dos mercados financeiros. O título no alto da
página era, singelamente, “Selic cai há um ano, sem reação” (!).
Pois bem, esta que considero a ação mais importante (e corajosa) de
política econômica no governo da presidenta Dilma Rousseff foi vista
pela crítica como uma “decisão precipitada”, capaz de “colocar em risco
toda a credibilidade conquistada a duras penas nos últimos anos”. É o
caso de perguntar: a “duras penas” de quem, cara-pálida?
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Completado um ano do que diziam a propósito da “fatídica reunião do
Copom”, em 31 de agosto de 2011, as “forças do mercado” parecem ter se
rendido ao fato de que o nosso Banco Central enxergou, antecipadamente, a
deterioração das condições econômicas globais com o aprofundamento do
processo de recessão na Europa e a retração geral nas economias mais
avançadas.
Na quarta-feira 29 o Conselho de Política Monetária do Banco Central
aprovou, por unanimidade de votos, mais um corte de 0,5 ponto porcentual
e fixou a Selic em 7,5% ao ano. Indica que continuamos convergindo
lentamente para uma taxa de juro real parecida com a do resto do mundo. O
que é fundamental para a retomada do processo de desenvolvimento do
País.
Ainda no mês de agosto o governo tomou decisões que
espero produzam efeitos importantes e também nos permitam comemorar,
quem sabe daqui a um ano: trata-se da recuperação do planejamento
integrado da estrutura de transportes em nosso país com a proposta de
criação da Empresa de Planejamento e Logística, a EPL, que precisa ser
aprovada rapidamente.
Lembra um instrumento que funcionou com grande eficiência a partir
dos anos 1960, o Geipot, responsável pela construção da moderna
infraestrutura de transportes terrestres por onde circula boa parte da
produção brasileira.
O Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes coordenava
o planejamento dos projetos em todo o território nacional, dando-lhes o
approach logístico capaz de integrar os sistemas rodoviário,
ferroviário e portuário, e, indo além, com os projetos de geração de
energia e a interiorização de sua distribuição.
Quem viveu aquele período, até quase 1990, principalmente aqueles que
trabalharam na construção civil, sabe que foram momentos em que a
infraestrutura recebeu os maiores investimentos e contribuíram para a
mais rápida integração territorial do continente Brasil.
É interessante lembrar que, nas três décadas
seguintes a 1954, quando se construíram os grandes eixos rodoviários em
direção ao interior e os mais importantes projetos hidrelétricos, o PIB
brasileiro cresceu a taxas anuais de 7,5% a 8%: tudo a ver com o suporte
dado pela integração logística e o efetivo investimento dos governos,
quando a carga tributária era de 24% e a União investia o correspondente
a 4%.
É evidente que os investimentos da União, dos estados e municípios
“puxavam” os investimentos privados e mantinham aceso o espírito animal
dos empresários. Hoje, a carga tributária é de 35% e o investimento
público não chega a 2% do PIB. E ainda marcha sem nenhum apoio em
planejamento logístico como este que o governo procura restabelecer
agora.
Não é apelar para a “grandiloquência” lembrar a dimensão continental
do Brasil. Nós já aceitamos durante séculos a definição de que o nosso
território era na verdade um grande arquipélago, sem ligação entre as
ilhas, mas hoje podemos reconhecer que somos um continente razoavelmente
integrado, conhecedor de seus caminhos. Em condições semelhantes
conheço apenas os Estados Unidos, cujo território é um permanente
canteiro de obras (com esporádicas interrupções, graças à tolerância com
práticas obscenas no mercado financeiro).
A presidenta Dilma acertou duplamente ao propor a criação de uma
empresa para fazer renascer o planejamento logístico e ao indicar desde
logo para conduzi-la um técnico da competência do doutor Bernardo
Figueiredo, profissional probo de altíssima qualidade.
Carta Capital
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