Aos poucos, talvez lentamente demais, alguns setores conservadores da
sociedade começam a se dar conta do perigo maior que ronda a jovem
democracia brasileira. Qual seja, a judicialização autoritária
substituindo os poderes legitimamente eleitos pela população. Esse
artigo escrito pela senadora Kátia Abreu (PSD-TO) vai no ponto central
da questão (a lamentar que seja alguém do seio conservador e não alguém
da esquerda a redigir um texto como esse...). A burocracia sem votos tem
que ser barrada e submetida ao poder político legítimo, eleito pelo
povo brasileiro! Todo apoio ao Congresso Nacional!
Da Folha
Kátia Abreu
A Procuradora-Geral da República em exercício aproveitou sua
interinidade para propor ao Supremo Tribunal Federal três Adins (Ações
Diretas de Inconstitucionalidade) contra 23 dispositivos do novo Código
Florestal, pedindo, aliás, suspensão de sua vigência enquanto estiver
pendente o julgamento.
Talvez seja a primeira vez que um diploma legal sofre uma arguição de
constitucionalidade em tal extensão. Se reconhecida a condição alegada,
cairá por terra todo um código debatido e votado livremente nas duas
Casas do Congresso, após dez anos de discussão no lugar institucional
próprio e, enfim, sancionado com alguns vetos pelo Poder Executivo. E
com ele cairá também, de forma irremediável, o modo democrático de
funcionamento do Estado brasileiro. É disso que se trata.
A votação do Código Florestal foi um episódio especial e raro na vida
do Parlamento brasileiro e no modo como se fazem as leis. O processo
lento permitiu que todas as visões da matéria fossem amplamente
defendidas, com total transparência. Ao final, os legisladores sabiam
exatamente o que estavam votando. Entre todas as visões em disputa,
algumas prevaleceram e outras foram rejeitadas.
Tudo foi feito sob a luz da imprensa livre. Venceu o ambientalismo
republicano, que produziu a legislação ambiental mais restritiva e
protetora da natureza de que se tem notícia em todo o mundo.
Instituições de preservação, como a reserva legal e a proteção das
margens dos cursos d'água, que só existem no Brasil, foram
sacramentadas. Tudo às expensas do proprietário: benefícios sociais e
custos privados!
A sociedade democrática pressupõe pluralidade de visões de mundo e de
valores. Os conflitos resultantes dessa pluralidade não se resolvem
pela imposição autocrática nem pelos meios da burocracia do Estado. Têm
de ser resolvidos exclusivamente no espaço da política ou estaremos
vivendo em regime autoritário.
Apenas os agentes eleitos pelo povo soberano podem dar a última
palavra nessa matéria. Só a eles o povo delegou, por meio de eleições
livres, esse poder.
No Brasil, estamos vivendo uma situação perigosa. Como já advertiu
publicamente o desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima,
"personagens não eleitas intentam governar os destinos da comunidade". E
disse ainda: "O Poder Judiciário não pode servir de trampolim para o
exercício arbitrário e ilegítimo do poder político por quem não foi
eleito". Concordo com todas as letras. Estamos sob o risco de uma
judicialização totalitária.
Em relação a todos os dispositivos arguidos, havia claramente duas
posições opostas no Congresso. Uma visão foi amplamente vencedora, em
virtude dos votos de quem tinha autoridade legítima e exclusiva para
fazê-lo.
A arguição da procuradora adota, sem nenhum disfarce, todos os pontos
de vista vencidos, querendo mudar, por meio de instituições não
eleitas, o resultado do jogo democrático. Torna vencido o vencedor e
vencedor o vencido.
A prevalecer essa distorção, estará abolido o modo de funcionamento
democrático do Estado brasileiro. O Congresso não será mais necessário.
Nem o controle do Executivo, por meio do poder de veto. Tudo será
resolvido por instituições que não estão sob os limites do controle
social e democrático.
Não se trata aqui, portanto, de uma mera discussão de tecnicidades
jurídicas sobre a lei ambiental. Trata-se de definir onde se decidem, no
Brasil, as visões de mundo e de valores: se no campo político e
democrático do Parlamento, com a participação da sociedade, ou nos
palácios da burocracia judicial.
Ao assumir integralmente pontos de vista políticos manifestados e
derrotados numa votação parlamentar, sob a desculpa de contrariar
vaguezas da Constituição, a procuradora da República nos arremessou a um
questionamento: a vida social, de agora em diante, não deverá mais ser
regulada nos espaços democráticos?
A sociedade brasileira precisa despertar para esse grande abismo que se abre diante de nós.
Blog do Luis Nassif
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