Do O Escrevinhador
Na praça Clóvis/Minha carteira foi batida/Tinha vinte e cinco cruzeiros/E o teu retrato…
Vinte e cinco/Eu, francamente, achei barato/Pra me livrarem/Do meu atraso de vida
(Paulo Vanzolini, “Praça Clóvis”)
Vinte e cinco/Eu, francamente, achei barato/Pra me livrarem/Do meu atraso de vida
(Paulo Vanzolini, “Praça Clóvis”)
por Rodrigo Vianna
Um advogado amigo costuma dizer: “no Rio, a Globo joga em casa”.
Hoje, tivemos mais uma prova. Ano passado, fui condenado em
primeira instância, num processo movido pelo diretor de Jornalismo da
Globo, Ali Kamel. Importante dizer: a juíza na primeira instância não me
permitiu apresentar testemunhas, laudos, coisa nenhuma. Acolheu na
íntegra a argumentação do diretor da Globo – sem que eu tivesse sequer a chance de estar à frente da meritíssima para esclarecer minhas posições.
Recorremos ao Tribunal de Justiça, também no Rio. Antes de discutir o mérito da ação,pedimos
que o TJ analisasse um “agravo retido” (espécie de recurso prévio) que
obrigasse a primeira instância a ouvir as testemunhas de defesa e os
especialistas de duas universidadesque gostaríamos de ver consultados na ação.
O Tribunal, em decisão proferida nessa terça-feira (15/01), ignorou quase integralmente nossa argumentação. Negou
o agravo e, no mérito, deu provimento apenas parcial à nossa apelação –
reduzindo o valor da indenização que a meritíssima de primeira
instância fixara em absurdos 50 mil reais. Ato contínuo, certos blogs da
direita midiática começaram a dar repercussão à decisão. Claro! São
todos fidelíssimos aos patrões e ao diretor da Globo, na luta que estes
travam contra outros jornalistas.
Sobre esse processo, gostaria de esclarecer alguns pontos. Primeiro, cabe recurso e vamos recorrer!
Segundo, está claro que Ali Kamel usa a Justiça para se
vingar de todos aqueles que criticam o papel por ele exercido à frente
da maior emissora de TV do país. Kamel foi derrotado duas vezes nas
urnas: perdeu em 2006 (quando a Globo alinhou-se ao delegado
Bruno na véspera do primeiro turno, num episódio muito bem narrado pela
CartaCapital, naquela época) e perdeu em 2010 (quando o
episódio da “bolinha de papel” foi desmascarado pelos blogs e redes
sociais). Contra as quotas, contra o Bolsa-Família, contra os avanços
dos anos Lula: Kamel é um dos ideólogos da direita derrotada. Por isso
mesmo, era chamado na Globo de “Ratzinger”.
Em 2010, Ali Kamel virou alvo de críticas fortes (mas nem por isso
injustas) na internet. Deveria estar preparado pra isso. Dirige o
jornalismo de uma emissora acostumada a usar seu poder para influir em
eleições. Passadas as eleições de 2010, Kamel muniu-se de uma
espécie de “furor processório”. Iniciou ações judiciais contra esse
escrevinhador, e também contra Azenha (VioMundo), Marco Aurélio
(Doladodelá), CloacaNews, Nassif, PH Amorim… Todas praticamente
simultâneas. Estava claro que Kamel pretendia mandar um recado:
“utilizarei minhas armas para o contra-ataque; não farei o debate
público, de conteúdo, partirei para a revanche judicial”.
Advogados costumam dizer que em casos assim “o
processo já é a pena”. Ou seja: o processante tem apoio da maior
emissora do país, conta com advogados bem pagos e uma estrutura
gigantesca. O processado (ou os processados) são jornalistas e
blogueiros “sujos”, sem eira nem beira. O objetivo é sufocar-nos
(financeiramente) com os processos.
Está enganado o senhor Ali Kamel. Aqui desse lado há gente que não se intimida tão facilmente.
Não tenho contra Kamel nada pessoal. Conversei com ele sempre de
forma civilizada quando trabalhei na Globo. Troquei com ele alguns
emails cordiais – como costumo fazer com todos colegas ou chefes. Kamel
utilizou um desses e-mails pessoais na ação judicial, como se quisesse
afirmar: “ele gostava de mim quando estava na Globo, deixou de gostar
quando saiu da Globo.”
Ora, a questão não é pessoal. Tinha por Kamel respeito, até que comprovei de perto algumas atitudes estranhas (vetos a matérias), culminando
com a atuação dele na cobertura do caso dos “aloprados” na eleição de
2006. Na época, eu trabalhava na Globo. Saí da emissora por causa disso.
E passei a não mais respeitar Ali Kamel profissionalmente. O discurso
que ele fazia na Redação antes de 2006 (“todos podem ser ouvidos, há espaço para crítica”) era falso.
Quem criticou ou dissentiu foi colocado na “geladeira” e “expurgado”.
Isso está claro. Azenha, Marco Aurelio Mello, Carlos Dornelles
e Franklin Martins estão aí para mostrar…
De resto, a utilização de e-mails (estritamente pessoais) numa ação
não é ilegal. Mas mostra o grau apurado de ética de quem os utiliza como
ferramenta da luta política e judicial.
No meu caso, a acusação é de ter “espalhado” pela internet
que ele seria um “ator pornográfico”. Quem lê os textos que escrevi
neste blog sobre a infeliz homonímia (um ator pornô nos anos 80, aparentemente, usava o mesmo nome que ele – Ali Kamel) logo percebe: em nenhum momento disse que Ali Kamel (o jornalista) seria o Ali Kamel (ator pornográfico).Não afirmei que eram a mesma pessoa nem neguei que o fossem. Não sabia, e isso pouco importava. Apenas
usei a coincidência como mote para a crítica, em textos claramente
opinativos: pornográfico, sim, é o jornalismo que Ali Kamel pratica
tantas vezes à frente da Globo. Foi essa a afirmação que fiz em seguidos textos. Muitas vezes, de forma bem-humorada.
Na apelação ao Tribunal, mostramos como seria importante a juíza de
primeira instância ter consultado especialistas em Comunicação
(indicamos ao menos dois) para entender a diferença entre opinião e
informação. E para entender a centralidade do uso do humor na crítica
política.
Mostramos em nossa defesa, ainda, como o impoluto
comentarista (e ex-cineasta) Arnaldo Jabor utilizou-se de mote parecido
no título de um livro que fez publicar: “Pornopolítica”. Se há uma
“pornopolítica”, por que não posso falar em “jornalismo pornográfico”?
Só a Globo e seus comentaristas podem recorrer a metáforas? Parece
que sim. Especialmente no Rio de Janeiro. No Rio, a Globo joga em casa.
Vamos recorrer aos tribunais de Brasília. Não que eu tenha
grandes esperanças de ver magistrados na capital federal a enfrentar o
diretor de Jornalismo da Globo. Mas vou utilizar as armas que tenho.
Mais que isso: se Kamel pensava em calar ou intimidar seus críticos, vai se dar mal. Esse processo vai ajudar a mobilizar aqueles que lutam contra os monopólios de mídia no Brasil. Vai
ajudar a escancarar a hipocrisia daqueles que na ANJ e na SIP pedem
“ampla liberdade de crítica”, daqueles que usam Institutos Milleniuns
para exigir “que não se criem travas ao humor como ferramenta de
crítica”, mas que fazem tudo ao contrario quando são eles os objetos da
crítica e do humor.
Kamel pode até ganhar no Rio. Pode ganhar no STJ, STF, CNJ, SIP, ANJ,
sei lá onde mais. Mas perderá na história. Aliás, já perdeu. Na testa
dele está o carimbo (justo ou injusto? o público pode julgar…) de
“manipulador de eleições”. Manipulador frustrado, diga-se. Porque segue a
perder. No Brasil, na Venezuela, na Argentina…
A Justiça quer que eu pague 20 mil, 30 mil ou 50 mil pro Ali Kamel?
Acho absurda a condenação. Mas se for obrigado, eu pago até com certo
gosto. Levo lá no Jardim Botânico o cheque pra ele. Ou entrego no
apartamento onde ele vive, de frente pro mar na zona sul – palco, vez ou
outra, de brigas com os vizinhos que também acabam na Justiça.
Essa condenação, que ainda lutarei para reverter, lembra-me a belíssima letra de Paulo Vanzolini – com a qual abri esse texto…
Tudo bem, Kamel, se você e a Justiça fizerem questão, eu
pago! Só que seguirei a fazer - aqui – o contraponto ao jornalismo que
você dirige.
Tudo bem, Kamel, se você e a Justiça fizerem questão, esgotados todos os recursos, eu pago!
Eu pago. Vê-lo derrotado frente à história: não tem preço.
Blog do Luis Nassif
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