Com vitória arrasadora na Câmara, candidato do PMDB é adversário da democratização da mídia, da proibição de financiamento de campanha por empresas privadas e outras medidas progressistas
Para entender o alcance da votação de hoje na Câmara de Deputados, convém compreender as propostas do candidato vitorioso, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Ao derrotar Arlindo Chinaglia por 267 votos a 136, Eduardo Cunha cravou a vitória em primeiro turno e deu um golpe duro na agenda de medidas progressistas que o país debateu nos últimos anos.
Cunha teve uma vitória arrasadora. Com cinco votos a mais, teria obtido o dobro do apoio obtido pelo petista Chinaglia.
Se o comando da campanha do PT chegou a imaginar uma eleição emparelhada, o resultado mostra uma situação muito mais adversa e difícil. A incapacidade de chegar a um segundo turno mostra o vigor do espírito anti-governo no Congresso.
A reeleição de Renan Calheiros, por uma margem igualmente folgada (49 a 31) sobre Luiz Henrique (PMDB-SC), na disputa pela presidência do Senado, não pode ser desprezada. Mostra que a Casa continua um local de refúgio para o Planalto proteger seus interesses. A votação na Câmara, porém, aponta para um governo de mãos atadas.
Do ponto de vista do cidadão, a vitória de Cunha tira espaço para mudanças essenciais para o país. O novo presidente é adversário absoluto do ponto principal da reforma política, que consiste em proibir financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas privadas. A democratização dos meios de comunicação, que já era um assunto difícil, tornou-se um debate ainda mais complicado, quem sabe inviável. Cunha também é contra qualquer mudança nessa área. Ao fazer menção a Deus e à Sua Vontade durante o discurso em que apresentou sua candidatura, o novo presidente confirmou que irá cultivar a simpatia de correntes evangélicas, que se tornaram a ponta de lança do conservadorismo — no plano do comportamento — no Congresso, a começar pela proteção aos direitos dos homossexuais e a legalização do aborto.
Cunha já assumiu, publicamente, o compromisso de aprovar projeto que dá caráter mandatário às emendas parlamentares — a mais conhecida janela para deputados terem acesso a verbas do Orçamento e irrigar suas bases eleitorais com recursos públicos, de controle difícil e mesmo impossível.
Se foi uma vitória incontestável pelos votos obtidos, a vitória de Eduardo Cunha pode colocar a Câmara numa trilha conservadora com poucos antecedentes em sua história. Mesmo no regime militar, quando a imprensa estava sob censura e os generais não hesitavam em cassar mandatos de parlamentares mais combativos, a Câmara demonstrou uma postura progressista.
Votou contra a cassação do deputado Marcio Moreira Alves. Em 1984 deu maioria de votos para a emenda das Diretas-Já, que só não foram aprovadas porque era preciso atingir o quorum de dois terços. Mas em 1988 fez uma Constituição com vários pontos progressistas, que instituiu o mais prolongado regime de liberdades públicas de nossa história. Em 2005, quando Severino Cavalcanti derrotou o petista Luiz Eduardo Greenhalgh e tornou-se presidente da Câmara, os deputados deixaram claro que queriam atingir o governo — mas não estavam organizados em torno de uma plataforma conservadora, como a de Eduardo Cunha.
No meio da tarde, quando estava claro que Arlindo Chinaglia dificilmente chegaria a votação imaginada nos dias anteriores, um parlamentar fazia uma confissão numa rodinha de colegas: “Eu não gostei de nada daquilo que a Marta Suplicy disse ao romper com o governo. Mas sou obrigado a concordar com uma coisa que ela disse: ou o PT muda ou acaba.”
Para o governo Dilma Rousseff, a vitória de Eduardo Cunha não poderia ocorrer num momento pior. Aguarda-se para os próximos dias a divulgação, por parte do Procurador Geral da República, da relação de dezenas de políticos e autoridades com direito a foro privilegiado que são acusadas na Operação Lava Jato. Conforme o volume de acusados, e por sua qualificação na estrutura do governo, pode-se imaginar o tamanho do estrago a ser produzido quando isso acontecer — e seu reflexo numa Câmara que ontem mesmo já discutia a reabertura das CPIs da Petrobrás.
O tempo irá dizer como um Congresso com este perfil, à direita, irá conviver com um país que tem dado sinais à esquerda, como se viu na reta final eleição presidencial. Não custa observar que as urnas de 2015 repetiram, o mesmo comportamento de três eleições presidenciais anteriores.
As chances de choque político e paralisia do Estado são grandes, como se vê nas sucessivas tensões entre o democrata Barack Obama e o Congresso dos EUA, republicano num padrão radical, onde se assiste a um conflito semelhante. A diferença reside na postura do Judiciário.
Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil a Justiça tem assumido uma postura de oposição ao governo Lula-Dilma desde o processo da Ação Penal 470. Em artigo publicado neste domingo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu apoiar a Operação Lava Jato como um caminho não apenas para apurar e punir responsabilidades entre empresas e políticos acusados de corrupção, o que sempre irá merecer aplauso, mas também para modificar o sistema político, atribuição que pertence ao Congresso.
FHC escreveu: “ou há uma regeneração ‘por dentro’, governo e partidos reagem e alteram o que deve ser alterado, ou a mudança virá “de fora”. O ex-presidente acrescentou: “no passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais.” O presidente conclui: “Resta, portanto, a Justiça.”
Neste ambiente, o Planalto conseguiu uma vitória importante ao garantir a vitória de Renan Calheiros no Senado. A maioria no Senado pode auxiliar o governo a derrubar projetos de lei aprovados pela Câmara de Deputados, ainda que o preço seja, sempre, algum desgaste. O senado tem a última palavra em diversos matérias financeiras. Renan Calheiros mostrou sua fidelidade ao Planalto quando impediu a realização de uma sessão no qual a oposição pretendia debater a mudança no superávit primário, assunto que poderia colocar, inclusive, forçando um debate sobre impeachment da presidente. Os membros do senado ainda tem o poder de aprovar — ou reprovar — as indicações de Dilma ao Supremo Tribunal. Já existe uma vaga a ser preenchida, deixada pela aposentadoria de Joaquim Barbosa. No final do ano, abre-se outra, de Celso de Mello, que completará 70 anos. São posições de grande importância, quando se avalia os próximos passos da Lava Jato. A decisão de aprovar um processo de julgamento do presidente da Republica necessita do voto de dois terços dois deputados, ou 342 cabeças. Caso o processo seja aprovado, o julgamento ocorre no Senado.
Para entender o alcance da votação de hoje na Câmara de Deputados, convém compreender as propostas do candidato vitorioso, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Ao derrotar Arlindo Chinaglia por 267 votos a 136, Eduardo Cunha cravou a vitória em primeiro turno e deu um golpe duro na agenda de medidas progressistas que o país debateu nos últimos anos.
Cunha teve uma vitória arrasadora. Com cinco votos a mais, teria obtido o dobro do apoio obtido pelo petista Chinaglia.
Se o comando da campanha do PT chegou a imaginar uma eleição emparelhada, o resultado mostra uma situação muito mais adversa e difícil. A incapacidade de chegar a um segundo turno mostra o vigor do espírito anti-governo no Congresso.
A reeleição de Renan Calheiros, por uma margem igualmente folgada (49 a 31) sobre Luiz Henrique (PMDB-SC), na disputa pela presidência do Senado, não pode ser desprezada. Mostra que a Casa continua um local de refúgio para o Planalto proteger seus interesses. A votação na Câmara, porém, aponta para um governo de mãos atadas.
Do ponto de vista do cidadão, a vitória de Cunha tira espaço para mudanças essenciais para o país. O novo presidente é adversário absoluto do ponto principal da reforma política, que consiste em proibir financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas privadas. A democratização dos meios de comunicação, que já era um assunto difícil, tornou-se um debate ainda mais complicado, quem sabe inviável. Cunha também é contra qualquer mudança nessa área. Ao fazer menção a Deus e à Sua Vontade durante o discurso em que apresentou sua candidatura, o novo presidente confirmou que irá cultivar a simpatia de correntes evangélicas, que se tornaram a ponta de lança do conservadorismo — no plano do comportamento — no Congresso, a começar pela proteção aos direitos dos homossexuais e a legalização do aborto.
Cunha já assumiu, publicamente, o compromisso de aprovar projeto que dá caráter mandatário às emendas parlamentares — a mais conhecida janela para deputados terem acesso a verbas do Orçamento e irrigar suas bases eleitorais com recursos públicos, de controle difícil e mesmo impossível.
Se foi uma vitória incontestável pelos votos obtidos, a vitória de Eduardo Cunha pode colocar a Câmara numa trilha conservadora com poucos antecedentes em sua história. Mesmo no regime militar, quando a imprensa estava sob censura e os generais não hesitavam em cassar mandatos de parlamentares mais combativos, a Câmara demonstrou uma postura progressista.
Votou contra a cassação do deputado Marcio Moreira Alves. Em 1984 deu maioria de votos para a emenda das Diretas-Já, que só não foram aprovadas porque era preciso atingir o quorum de dois terços. Mas em 1988 fez uma Constituição com vários pontos progressistas, que instituiu o mais prolongado regime de liberdades públicas de nossa história. Em 2005, quando Severino Cavalcanti derrotou o petista Luiz Eduardo Greenhalgh e tornou-se presidente da Câmara, os deputados deixaram claro que queriam atingir o governo — mas não estavam organizados em torno de uma plataforma conservadora, como a de Eduardo Cunha.
No meio da tarde, quando estava claro que Arlindo Chinaglia dificilmente chegaria a votação imaginada nos dias anteriores, um parlamentar fazia uma confissão numa rodinha de colegas: “Eu não gostei de nada daquilo que a Marta Suplicy disse ao romper com o governo. Mas sou obrigado a concordar com uma coisa que ela disse: ou o PT muda ou acaba.”
Para o governo Dilma Rousseff, a vitória de Eduardo Cunha não poderia ocorrer num momento pior. Aguarda-se para os próximos dias a divulgação, por parte do Procurador Geral da República, da relação de dezenas de políticos e autoridades com direito a foro privilegiado que são acusadas na Operação Lava Jato. Conforme o volume de acusados, e por sua qualificação na estrutura do governo, pode-se imaginar o tamanho do estrago a ser produzido quando isso acontecer — e seu reflexo numa Câmara que ontem mesmo já discutia a reabertura das CPIs da Petrobrás.
O tempo irá dizer como um Congresso com este perfil, à direita, irá conviver com um país que tem dado sinais à esquerda, como se viu na reta final eleição presidencial. Não custa observar que as urnas de 2015 repetiram, o mesmo comportamento de três eleições presidenciais anteriores.
As chances de choque político e paralisia do Estado são grandes, como se vê nas sucessivas tensões entre o democrata Barack Obama e o Congresso dos EUA, republicano num padrão radical, onde se assiste a um conflito semelhante. A diferença reside na postura do Judiciário.
Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil a Justiça tem assumido uma postura de oposição ao governo Lula-Dilma desde o processo da Ação Penal 470. Em artigo publicado neste domingo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu apoiar a Operação Lava Jato como um caminho não apenas para apurar e punir responsabilidades entre empresas e políticos acusados de corrupção, o que sempre irá merecer aplauso, mas também para modificar o sistema político, atribuição que pertence ao Congresso.
FHC escreveu: “ou há uma regeneração ‘por dentro’, governo e partidos reagem e alteram o que deve ser alterado, ou a mudança virá “de fora”. O ex-presidente acrescentou: “no passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais.” O presidente conclui: “Resta, portanto, a Justiça.”
Neste ambiente, o Planalto conseguiu uma vitória importante ao garantir a vitória de Renan Calheiros no Senado. A maioria no Senado pode auxiliar o governo a derrubar projetos de lei aprovados pela Câmara de Deputados, ainda que o preço seja, sempre, algum desgaste. O senado tem a última palavra em diversos matérias financeiras. Renan Calheiros mostrou sua fidelidade ao Planalto quando impediu a realização de uma sessão no qual a oposição pretendia debater a mudança no superávit primário, assunto que poderia colocar, inclusive, forçando um debate sobre impeachment da presidente. Os membros do senado ainda tem o poder de aprovar — ou reprovar — as indicações de Dilma ao Supremo Tribunal. Já existe uma vaga a ser preenchida, deixada pela aposentadoria de Joaquim Barbosa. No final do ano, abre-se outra, de Celso de Mello, que completará 70 anos. São posições de grande importância, quando se avalia os próximos passos da Lava Jato. A decisão de aprovar um processo de julgamento do presidente da Republica necessita do voto de dois terços dois deputados, ou 342 cabeças. Caso o processo seja aprovado, o julgamento ocorre no Senado.
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário