qui, 05/02/2015 - 11:11
Luis Nassif
Conheço Ives Gandra desde os anos 80, período em que caiu nas boas graças dos donos de jornais.
Sempre foi uma pessoa extremamente agradável, didático, bem relacionado com empresários, Ministros, desembargadores e jornalistas. E sempre foi pau para toda obra. Qualquer tema que exigisse uma fonte jurídica tinha Ives em plena disponibilidade.
Sua especialidade original foi a tributária. Era sócio de um grande tributarista de origem inglesa, que garantia a reputação do escritório e que me ensinou os primeiros conceitos de tributação - eu na condição de repórter econômico iniciante.
No campo dos pareceres, Ives sempre fez parte do corpo de juristas que atendia a qualquer demanda, em qualquer tema, mesmo fora da sua especialidade.
Tive um exemplo no dia em que os economistas do Cruzado me passaram a informação de um decreto estranho, preparado pelo então consultor geral Saulo Ramos, reinstituindo a indústria da liquidação extrajudicial - pela qual o banco quebrava, seus ativos eram corrigidos e o passivo (dívidas junto a fundos públicos) congelados.
Antes de publicar a denúncia consultei Ives, que ma garantiu que o decreto acabava com o Parecer Brossard - do ex-Senador Paulo Brossard, contra a indústria da liquidação. Com base na explicação de Ives (em off), dei a manchete principal da Folha no sábado.
No sábado de manhã chego na redação e havia um telefonema do então Ministro da Fazenda Dilson Funaro, para procurar Saulo que ele me daria todos os esclarecimentos. Antes de ir, liguei novamente para Ives e anotei suas explicações.
Na volta, Salgado, repórter antigo do jornal que estava me ajudando na repercussão, veio ao meu encontro: "O Ives mijou para trás. Disse que você não entendeu direito o que ele disse".
Imediatamente, liguei para ele. Disse-lhe que se fosse algum tema econômico, seria até possível tirar ilações sobre o que me foi dito. Mas tratava-se de um tema jurídico, que eu não dominava. Era a primeira vez que ouvira falar do Parecer Brossard. Não havia como tirar ilações incorretas.
Ives ainda pediu para o advogado Rubem Approbato Machado me ligar para dar alguma declaração que me permitisse livrar a cara. Recusei. Como Ives retirara o aval técnico à denúncia, escrevi pessoalmente a manchete desmentindo meu furo do dia anterior.
Cheguei à tardinha em casa, crente que minha carreira tinha ido para o espaço. A família tinha viajado. Toca o telefone, era Ives se desculpando. Contou-me que Mathias McLine (do círculo íntimo de Sarney) havia ligado para ele, pedindo um parecer em nome do Instituto dos Advogados de São Paulo (que ele presidia), para o caso de eu não ser convencido por Saulo.
Só aí começou a cair a ficha. Que caiu definitivamente no dia seguinte quando meu amigo J.Carlos de Assis - que se notabilizara denunciando a indústria da liquidação - me ligou dizendo que a matéria inicial estava certa.
Tive uma penosa briga para retomar o tema, inclusive brigando com a Folha. Depois de dias de tiroteio, Saulo soltou um novo decreto corrigindo o anterior. Mas conseguiu meu pescoço na Folha, em uma negociação relevante com seu Frias.
Luis Nassif
Conheço Ives Gandra desde os anos 80, período em que caiu nas boas graças dos donos de jornais.
Sempre foi uma pessoa extremamente agradável, didático, bem relacionado com empresários, Ministros, desembargadores e jornalistas. E sempre foi pau para toda obra. Qualquer tema que exigisse uma fonte jurídica tinha Ives em plena disponibilidade.
Sua especialidade original foi a tributária. Era sócio de um grande tributarista de origem inglesa, que garantia a reputação do escritório e que me ensinou os primeiros conceitos de tributação - eu na condição de repórter econômico iniciante.
No campo dos pareceres, Ives sempre fez parte do corpo de juristas que atendia a qualquer demanda, em qualquer tema, mesmo fora da sua especialidade.
Tive um exemplo no dia em que os economistas do Cruzado me passaram a informação de um decreto estranho, preparado pelo então consultor geral Saulo Ramos, reinstituindo a indústria da liquidação extrajudicial - pela qual o banco quebrava, seus ativos eram corrigidos e o passivo (dívidas junto a fundos públicos) congelados.
Antes de publicar a denúncia consultei Ives, que ma garantiu que o decreto acabava com o Parecer Brossard - do ex-Senador Paulo Brossard, contra a indústria da liquidação. Com base na explicação de Ives (em off), dei a manchete principal da Folha no sábado.
No sábado de manhã chego na redação e havia um telefonema do então Ministro da Fazenda Dilson Funaro, para procurar Saulo que ele me daria todos os esclarecimentos. Antes de ir, liguei novamente para Ives e anotei suas explicações.
Na volta, Salgado, repórter antigo do jornal que estava me ajudando na repercussão, veio ao meu encontro: "O Ives mijou para trás. Disse que você não entendeu direito o que ele disse".
Imediatamente, liguei para ele. Disse-lhe que se fosse algum tema econômico, seria até possível tirar ilações sobre o que me foi dito. Mas tratava-se de um tema jurídico, que eu não dominava. Era a primeira vez que ouvira falar do Parecer Brossard. Não havia como tirar ilações incorretas.
Ives ainda pediu para o advogado Rubem Approbato Machado me ligar para dar alguma declaração que me permitisse livrar a cara. Recusei. Como Ives retirara o aval técnico à denúncia, escrevi pessoalmente a manchete desmentindo meu furo do dia anterior.
Cheguei à tardinha em casa, crente que minha carreira tinha ido para o espaço. A família tinha viajado. Toca o telefone, era Ives se desculpando. Contou-me que Mathias McLine (do círculo íntimo de Sarney) havia ligado para ele, pedindo um parecer em nome do Instituto dos Advogados de São Paulo (que ele presidia), para o caso de eu não ser convencido por Saulo.
Só aí começou a cair a ficha. Que caiu definitivamente no dia seguinte quando meu amigo J.Carlos de Assis - que se notabilizara denunciando a indústria da liquidação - me ligou dizendo que a matéria inicial estava certa.
Tive uma penosa briga para retomar o tema, inclusive brigando com a Folha. Depois de dias de tiroteio, Saulo soltou um novo decreto corrigindo o anterior. Mas conseguiu meu pescoço na Folha, em uma negociação relevante com seu Frias.
O parecerista da cartilha
A segunda experiência com o parecerista Ives foi na edição do Plano Collor.
Eu já estava fora da Folha.
Com base em um parecer de Ives, a Folha decidiu cobrar a publicidade fechada antes do Plano Collor em cruzados novos e não em cruzados bloqueados - conforme determinava o decreto.
Liguei para seu Frias e lhe disse que o decreto era claro em proibir cobrança em cruzados novos desbloqueados. Para meu espanto, a resposta foi que o parecer de Ives se baseara não no decreto, mas em uma cartilha do Ministério da Fazenda.
A sorte da Folha foi que a Polícia Federal invadiu o jornal, alegando desrespeito ao plano. E a ação foi tão truculenta que a Folha tornou-se vítima de arbítrio, abafando o desrespeito ao decreto.
E aí me lembrei de uma história do ex-Ministro do STF Moreira Alves. Ele foi procurado por um advogado que lhe encomendou um parecer milionário sobre determinado tema. Moreira Alves disse-lhe que só daria o parecer depois de conhecer o processo. O advogado remeteu um calhamaço, que Moreira Alves devorou em alguns dias.
O advogado retornou para pegar o parecer e Moreira Alves disse-lhe ser impossível, pois concordava com a sentença dada. De nada adiantou o advogado aumentar a proposta de pagamento. Moreira Alves ficou irredutível.
Jornal GGN
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