quinta-feira, 22 de março de 2018

O início do julgamento: a doutrina do direito contra o tecnicismo autoritário




POR FERNANDO BRITO · 22/03/2018








Nas sustentações orais da defesa de Lula, pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, José Roberto Batocchio, e pela procuradora geral da República, Raquel Dodge, viram-se dois mundos diferentes.



Do primeiro, a ideia do Direito como um conjunto de garantias que cada cidadão deve ter na democracia contra os abusos e desvios do poder, na melhor tradição da ciência jurídica e de todos os sonhos que vivemos na geração que enfrentou a ditadura, na qual existiam também tribunais, mas não havia Justiça.



Batocchio mostrou que não há forma de “flexibilizar” o que diz a Constituição e deixou o caso de ser um ex-presidente da República apenas como um exemplo do respeito à lei pelo qual todo e qualquer cidadão deve ter direito. Evidenciou, com muita nitidez – a ponto de, quase imediatamente, vários ministros consultarem os papéis para verificar que a decisão tomada pelo STF de que poderá haver o cumprimento de pena, já absurdo por inconstitucional, é francamente ultrapassada pela Súmula 122 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que diz que ela deverá , fazendo obrigatório o início do encarceramento.



Se deverá é evidentemente impositivo e poderá é optativo, é evidente que houve uma usurpação de interpretação constitucional – e francamente contrária à letra da lei – por um tribunal que não tem essa competência.



Já Raquel Dodge não deu qualquer elemento de Direito à sua pretensão de ver negada a ordem. Ficou no burocrático de validar uma decisão que não está consolidada – pendem ainda ações de inconstitucionalidade sem decisão final – e na argumentação formalista de que não cabe habeas corpus sobre decisões liminares do STJ, fechando os olhos para a realidade que é do conhecimento até das pedras: a de que está marcada para os próximos dias a prisão de Lula, com evidente espetáculo, num processo que só é unânime, mesmo, entre os três desembargadores que cumpriram cinicamente seu papel tradicional de homologadores de Sérgio Moro, o incontestável.



É triste ver uma mulher de minha geração, que goza de liberdade absoluta e estabilidade para ser independente, dedicar-se a uma medíocre e tecnocrata interpretação jurídica e trata com a frieza do “copia e cola” de precedentes, como se Justiça fosse a repetição de julgados, não a realização do que é justo.



É o tecnicismo transformado em desumanidade, o espírito do juiz transformado em sede de sangue, o convívio social regido pelo ódio, não pelo equilíbrio.



É o Direito apequenado não pelas pressões, mas por gente que é miúda, insignificante intelectualmente e que não tem luz própria, por isso procura tanto os holofotes da mídia.



Continue assistindo o julgamento, aqui no Tijolaço.




Tijolaço

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