domingo, 22 de maio de 2016

As castas e o golpe. Por Fernando Nogueira da Costa


POR FERNANDO BRITO · 22/05/2016




O professor de Economia Fernando Nogueira da Costa, da Unicamp, que mantém um blog muito interessante – visita obrigatória para mim – produz hoje uma análise do movimento de forças sociais nos governos petistas e as rupturas que culminaram no golpe político.

Nogueira da Costa é um daqueles economistas que julga essencial ser entendido e, em nome disso, não tem medo de reduções ou simbolismos que permitam compreender o essencial. Neste caso, as alianças de forças que sustentaram e as que solaparam o governo trabalhista, na qual é essencial a compreensão de que jogou papel central a perda de confiança que leva à confusão entre ampliar base de apoio – necessário – e abandonar, ainda que com ressalvas e limites, o significado que teve.

É preciso ter claro que, mais do que nós, serão as próprias incongruências do regime que se formou que nos abrem as portas para -recuperando nossas alianças históricas, nos dão a possibilidade de restaurar a legitimidade do processo político, mas agora em outras bases, onde os atos, mais que as palavras, falem claro com a população.

Porque serão os atos do governo de usurpação que o farão ser percebido pela população e o dever da resistência democrática é saber sintonizar-se a isso. Nem menos e, sobretudo, não mais.

No jogo da política nem sempre ganha o que une mais, mas o que se isola menos.


Fernando Nogueira da Costa, em seu blog

Decretado o fim do governo social-desenvolvimentista pelos golpistas neoliberais, a resistência democrática passa a ser defensiva na tentativa de evitar a regressão das conquistas de direitos (civis, políticos, sociais e econômicos) do período de mobilidade social. Sendo assim, há o reconhecimento implícito que houve, de fato, algo de novo na sociedade brasileira entre 2003 e 2014. Na verdade, no primeiro ano (2015) do segundo mandato da Presidenta reeleita, democraticamente, quando se adotou o ajuste fiscal neoliberal com tratamento de choque tarifário e sinalização de depressão econômica, a Era Social-desenvolvimentista findou.

Fim da hegemonia de uma casta, seja por crise econômica, seja por guerra ou revolução, ocorre em simultâneo como uma crise ideológica, onde se parte para “mudanças” a qualquer custo. A ordem social desmorona quando o governante passa a acreditar que está fracassando e, sob pressão, adota o programa de adversário, indo contra o ideário de sua base de apoio político-eleitoral.

A Era Social-desenvolvimentista (2003-2014) representou, a la socialdemocracia europeia, a aliança entre a casta de trabalhadores e a de sábios-criativos, com apoio da casta de “comerciantes-brandos”: empresários e financistas com tolerância política e liberalismo cultural. O apoio da casta dos sábios-tecnocratas oscila de acordo com “o governo de plantão”, pois cada administrador técnico concursado, seja do Poder Executivo, seja do Poder Judiciário, sabe que “os governos passam, mas ele fica”. Os valores predominantes, nessa Era, foram solidariedade, coletivismo, regulação e igualitarismo social.

A nova Era Neoliberal em gestação se ergue sobre uma aliança golpista entre as castas dos “comerciantes firmes”, ou seja, empresários nacionais e pequeno-burgueses sob pressão da concorrência internacional que passam a sobrevalorizar disciplina fiscal (corte de gastos e impostos), regras e autoridade, com as castas de governantes oligárquicos (herdeiros de aristocratas e/ou proprietários rurais) e de guerreiros (PF, MP, TCU, etc.). Os valores predominantes na mídia passarem a ser livre-mercado, competitividade, meritocracia, individualismo. Os intelectuais direitistas insistem no discurso da competência, eficácia e eficiência dos próprios pares: autoengano somado à validação ilusória…

Os grupos sociais, vistos como castas, não são só organismos que buscam o interesse próprio e a vantagem econômica. Também constituem encarnações de ideias e estilos de vida, que procuram impor às outras. Quando tentam impor domínio irrestrito de seus valores, as ordens sociais tornam-se menos inclusivas e as alianças das castas excluídas ganham maioria em nova eleição ou partem para o golpe de Estado, seja parlamentarista, seja militar.

Então, se a Dilma representou a presunção arrogante típica dos especialistas da casta dos sábios-tecnocratas, Lula liderou a casta dos trabalhadores com forte espírito comunitário ou corporativista, que excluem “os de fora” em seu culto à personalidade e na indicação política para o aparelhamento do Estado. Porém, a casta dos guerreiros atiça guerras e processos judiciais intermináveis por honra e vingança, e adota discurso de ódio que incentiva a intolerância extremista contra os adversários. E a casta dos mercadores, se deixada livre de regulação, logo provocará a instabilidade econômica e a elevação das desigualdades sociais.


Tijolaço

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