segunda-feira, 13 de junho de 2011

A Folha e a Operação Satiagraha


Por Jotavê

O editorial de hoje da Folha de São Paulo não pode ser lido sem uma certa perspectiva histórica. Numa leitura caridosa, ele é uma tentativa de reafirmar a opinião que o jornal sustentou ostensivamente durante todo o cerco feito à Operação Satiagraha - sustentando dia após dia a ilegalidade da operação, que acabou sendo reconhecida por 3 votos a 2 no STJ - e, ao mesmo tempo, contemplar de algum modo a opinião de alguns de seus jornalistas mais destacados e talentosos, que viam (como eu vejo) na operação nacional deflagrada para "melar" as investigações uma reação de certas porções mais reacionárias das elites nacionais contra a vigência do princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei. É um editorial sabonete, enfim. Tenta transitar entre dois mundos, e por isso mesmo acaba não conseguindo dizer coisíssima nenhuma.

A história desse editorial começa, a meu ver, lá atrás, no governo Fernando Henrique, no episódio dos grampos que expuseram uma conversa entre Luiz Carlos Mendonça de Barros (então ministro das Comunicações) e Ricardo Sérgio de Oliveria (diretor do BB). Lá pelas tantas, Mendonça de Barros tenta convencer este último a dar uma carta de fiança à Telecom Itália (associada ao grupo Opportunity), e Ricardo Sérgio afirma que já tinha concedido caução ao consórcio concorrente. É nessa hora que ele afirma já estar agindo "no limite da irresponsabilidade" - a frase que seria impiedosamente explorada pelo PT e POR QUASE TODA A IMPRENSA - aí incluída com muito destaque a própria Folha de São Paulo.

Aos poucos, na CPI aberta para investigar o assunto, ficou clara a injustiça cometida contra Mendonça de Barros. Ele estava simplesmente tentando manter a concorrência acesa num leilão que ameaçava desandar (como de fato desandou, depois). A dupla caução nada tinha de irregular - só valeria depois do leilão, quando haveria UM SÓ grupo, e não dois. Só que, aí, já era tarde. Mendonça já estava frito. Injustamente.

Ninguém sabe direito quem fez aquelas gravações. Mas surgiram rumores de que teriam sido produzidas por "arapongas da Abin" contratados por algum dos concorrentes. Durante a operação Satiagraha, quando veio a público a participação de agentes da Abin, toda aquela carga afetiva do passado veio à tona. Criou-se, então, na imprensa, um subtexto maluco que passou a determinar o tom e o conteúdo de boa parte das reportagens, artigos e editoriais envolvendo a operação Satiagraha.

Como lá atrás (com a cumplicidade, vejam bem, dessa MESMA imprensa) houvera um tremendo desgaste do governo FHC por conta dos grampos no BNDES, agora que o PT estava no poder a mesma estrutura da Abin estaria sendo utilizada para prejudicar Daniel Dantas, um dos principais financiadores da campanha tucana e ex-sócio de Pérsio Arida no banco Opportunity. Ou seja, havia uma parte da Polícia Federal e da Abin agindo ilegalmente para prejudicar pessoas ligadas aos tucanos.

Como Lula (e não mais Fernando Henrique) era a "bola da vez", a imprensa começou a fazer um coro infernal de meias-verdades e presunções completamente infundadas com o objetivo de desmascarar o suposto esquema criminoso. Parte do judiciário mais imediatamente identificado com os tucanos (com o ministro Gilmar Mendes à frente) encampa a tese, e passa a fazer campanha aberta contra o delegado Protógenes Queiroz e o juiz Fausto de Sanctis.

As mentiras que foram contadas nesse processo são incontáveis. Vamos nos recordar apenas de uma delas. Dizia-se que os grampos feitos pelo delegado Protógenes eram ilegais, feitos sem autorização da Justiça. Essa era a principal linha de ataque no começo. O delegado teria recorrido a agentes da Abin para fazer grampos não autorizados. Mentira. TODOS os grampos foram devidamente autorizados, e não se viu UM ÚNICO EDITORIAL nos jornais fazendo a necessária mea culpa.

Ao invés disso, fizeram o quê? Mudaram a acusação. "Tudo bem. Os grampos são legais, mas a participação da Abin é irregular." Questão altamente controversa, conforme se pode ver pela votação apertadíssima no STJ. Uma das funções da Abin é justamente auxiliar a PF em investigações desse tipo. A irregularidade, se houve, ficaria por conta das requisições, que não foram feitas usando-se os formulários devidos ou sei lá que outras formalidades minúsculas. Por conta disso - de uns formulários - os juízes do STJ resolveram ANULAR toda a investigação. Na prática, isso significa só uma coisa: IMPUNIDADE.

É essa equação difícil que o editorial de hoje procura resolver. E não resolve. Porque não tem solução. O formalismo exacerbado do direito brasileiro, que diante da ausência de um formulário anula TODO um processo (ao invés, por exemplo, de penalizar com uma advertência os servidores responsáveis), GARANTE a impunidade de quem possa pagar advogados que fiquem arguindo pseudo-nulidades como essa. Mais cedo ou mais tarde, acaba colando. Enquanto persistir esse estado de coisas, não há saída. E o jornal sabe disso. Ou teria a obrigação de saber.

"Satiagraha anulada

STJ defende com firmeza os direitos individuais e anula provas da operação policial; falta disciplinar meios para chegar à verdade e a punições

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu anular as provas produzidas pela Operação Satiagraha (algo como "firmeza na verdade", em sânscrito). Em 2008, essa mobilização da Polícia Federal havia resultado na prisão preventiva de várias personalidades do mundo político e financeiro no país, como o banqueiro Daniel Dantas.
Para o ministro Jorge Mussi, presidente da quinta turma do STJ, a forma como se deu a cooperação entre a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e a Polícia Federal (PF), no caso, "representa um modelo de apuração próprio de polícia secreta, à margem das mais comezinhas regras do Estado democrático de Direito".
Chama atenção o fato de ser essa a segunda oportunidade, em dois meses, em que uma grande operação da PF termina anulada na Justiça. Em abril, o mesmo STJ tinha anulado as provas da Operação Castelo de Areia, a maior já realizada para investigar financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Nesse caso, a corte rejeitou as provas porque as escutas telefônicas foram autorizadas só com base em denúncias anônimas.
É sem dúvida saudável que os tribunais superiores exerçam o papel de controle das garantias individuais na condução de investigações. Trata-se de uma das atribuições mais nobres e elevadas do Judiciário, e quem tem memória mais longa se lembrará sem esforço de tempos em que os direitos dos cidadãos não contavam com o mesmo grau de amparo. Por outro lado, é indesejável que tal engajamento acabe por amplificar a sensação de impunidade que se generaliza na sociedade.
Não é simples traçar a fronteira entre um Estado policial que investiga a qualquer custo e uma proteção de direitos que implique travar a responsabilização de criminosos. Mas o que temos no Brasil é, de certo modo, o pior de dois mundos: investigações que violam os direitos fundamentais e, não obstante, impunidade em decorrência desses mesmos abusos, após sua justa invalidação.
É fato que técnicas novas de investigação se desenvolveram muito nos últimos anos. A capacidade de fazer escutas telefônicas e ambientais em larga escala e os softwares que relacionam enormes massas de dados são exemplos de como a tecnologia pode expandir a capacidade investigativa da polícia, mas o emprego dessas técnicas muitas vezes viola a privacidade dos cidadãos.
As decisões dos tribunais superiores não podem ser vistas como empecilho à nova maneira de investigar. Elas precisam induzir uma onda de reformas modernizantes no processo penal, que possibilite usar técnicas eficazes sem atropelar direitos individuais."

Blog do Luis Nassif

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