Em atividades comerciais, há leis rígidas que protegem direitos dos sócios minoritários diante do poder dos majoritários, como acontece, por exemplo, nas sociedades anônimas. Nas associações políticas, no entanto, não chega a ser assim. Mas é que o PMDB quer ter mais poderes do que já tem.
A demissão do ministro Palocci voltou a estimular o partido a cobrar o suposto direito de “sócio” que não existe em alianças políticas. Assim ocorre com a coalizão eleitoral entre PT/PMDB e outros partidos menores, em torno da candidatura vitoriosa que levou Dilma Rousseff à Presidência da República.
“É hora de fazer um redesenho da articulação política do governo. E o PMDB quer e vai participar”, afirmou categoricamente o senador alagoano Renan Calheiros, um dos mais influentes quadros do partido.
“Agora, ela (Dilma) vai estabelecer um novo desenho de governo”, concordou, em outro momento, o senador José Sarney sem o ímpeto de Calheiros. Mas as palavras “redesenho” e “desenho”, no discurso dos dois peemedebistas, denunciam o objetivo comum.
Esse discurso tem uma tradução: o PMDB quer tornar Dilma sua refém.
É um vício instintivo desse velho e incômodo aliado. Sem condições de construir uma candidatura majoritária própria para chegar ao poder alia-se com quem pode. Fez isso também no governo tucano de FHC. Sem a voracidade de agora. Isso se traduz em um combate com o PT pelas posições mais importantes na máquina administrativa do governo.
O que deveria ser normal numa aliança política bem-sucedida na eleição de 2010 vira, para o PMDB, um combate decisivo.
Assim ele irriga a horta da qual se nutre: tem a maior bancada no Senado e a segunda maior na Câmara, onde, pela primeira vez, o PT fez maioria. Sem o PMDB, Dilma teria enorme dificuldade de governar.
Esta situação tornou de dupla utilidade, ou seja, “dois em um”, o gabinete do vice-presidente peemedebista, Michel Temer: ora é “gabinete de conciliação”, quando o interlocutor é o peemedebista Romero Jucá, líder do governo no Senado, ora é “gabinete de conspiração”, quando o diálogo é com o Henrique Alves, líder do PMDB na Câmara.
Dilma tem enfrentado com dificuldade a fúria desse dragão. Foi assim na votação do Código Florestal. Foi assim na luta da oposição pela convocação de Palocci. E é assim na despedida de Palocci.
Há uma rebelião, mais uma no PMDB. A reação, ainda verbal, surgiu com a escolha da senadora Gleisi Hoffmann pelo fato de Dilma não ter se consultado com Temer. Ele soube meia hora antes, reclamam. Um privilégio, na verdade, diante da decisão praticamente solitária da presidenta.
A cúpula peemedebista fez uma reunião de emergência na noite de quarta-feira 8, no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente Temer. Estavam lá, entre outros, os já citados Sarney e Renan, além de Romero Jucá, Henrique Alves e o reaparecido Eduardo Cunha. O nome do deputado Eduardo Cunha na lista da reunião com Temer remete aos primeiros dias do governo. Naquele momento, Dilma, em nome da probidade, desafiou os peemedebistas e acabou com a influência política de Cunha em Furnas, um dos pomares onde o PMDB comia a fruta do pecado.
Andante Mosso: Comentários sobre os principais acontecimentos da semana
Bombeiros incendiários I
Durante duas ou três semanas, cerca de 600 bombeiros cariocas fizeram manifestações pacíficas, embora desafiadoras, por melhores salários.O que terá levado o governador Sérgio Cabral a ignorar solenemente a reivindicação? Provavelmente, a fé cega nas duras regras do Código Penal Militar, que sustentam a hierarquia e a disciplina.Cabral pagou para ver e perdeu a aposta.
Bombeiros incendiários II
E por que cargas d’água o Corpo de Bombeiros é considerado uma unidade militar? Por que dispõe do duvidoso direito ao porte de arma de fogo?Até a
promulgação do Decreto nº 7.666, em 1880, apesar de militarmente organizado e aquartelado, o CB não era considerado unidade militar.Atualmente, é subordinado à Subsecretaria de Defesa Civil, que, por sua vez, é parte da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil. Nada que se pareça com
atividade de natureza militar ou policial militar. Não se justifica, portanto, a subordinação ao Código Penal Militar.
Tiro no pé
Os bancos criaram um sistema para rastrear os ladrões de agências: o arrombamento de caixas eletrônicos provoca uma explosão e espalha tinta para marcar as cédulas roubadas. Ao decidir que as notas manchadas perdem o valor, o Banco Central criou uma tese de defesa para os ladrões: anuladas, elas perdem o valor patrimonial e aí fortalece o princípio do que os advogados chamam de “crime impossível pela impropriedade absoluta do objeto”. Assim, a acusação contra o portador dessas cédulas ficará restrita ao dano material pela destruição dos terminais. A pena será a de doação de cestas básicas.Não será um estímulo ao delito?
Fogo amigo
É possível afirmar, sem sustentação de pesquisas, que o delegado da Polícia Federal Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, é a autoridade mais confiável para os cariocas.Um respeito apoiado no sucesso das ocupações de favelas controladas, até então, pelos traficantes.Beltrame, nos últimos dias, tem atacado publicamente a falta de políticas sociais nas comunidades ocupadas, da responsabilidade do município.O disparo atinge o prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição. Por quê?
Ana e os lobos
“É na lógica do mercado (…), no mundo mais difícil do jogo econômico (…), que o criador conquista a sua independência (…), veste as suas próprias vestes.” O autor da frase, lida pela ministra Ana de Hollanda, sabe que fez um ataque ortodoxo ao papel do Estado na cultura. É preciso, no entanto, respeitar o que a ministra diz. Mas, em um país com vasta população pobre e analfabeta, governado pelo PT, a fé exclusiva no “dues mercado” soa como provocação aos petistas.
A culpa é do Lula
Tornou-se comum, hoje em dia, ouvir passageiro amaldiçoar os aeroportos brasileiros: “Isso tá parecendo rodoviária”.A observação maldosa refere-se a pessoas estranhas ao lugar: vestem-se diferente, alimentam-se a seu modo e tropeçam, às vezes, nas normas da língua culta. Eles chegaram aos aeroportos com a distribuição de renda propiciada nos dois períodos Lula, como mostram os números da Infraero (tabela).Mais uma vez, o ex-operário é o culpado.
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