Por Marcos Coimbra
O pensamento autoritário já viveu dias melhores no Brasil. Sua
credibilidade já foi maior, e -suas ideias, mais consistentes. Seus
-formuladores, mais respeitados e maior sua influência na vida nacional.
Se compararmos Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Alberto Torres e
Francisco Campos, seus principais expoentes na República Velha e durante
o Estado Novo, aos autoritários de hoje, a distância é abissal.
Seus sucessores contemporâneos são de dar pena. Salvo as exceções de
praxe, faltam-lhes educação e estilo. Substituíram a disposição para o
debate pela ofensa e a repetição de lugares-comuns. São ignorantes. O
que os une aos antigos são as convicções que compartilham. A começar
pelo que mais distingue o autoritarismo ideológico: a certeza de que a
democracia pode ser boa no plano ideal, mas é irrealizável na prática.
No mundo real, o povo seria incapaz de se governar e precisaria das
elites para orientá-lo. Sem sua proteção paternal, se perderia.
Diferentemente do passado, muitos dos autoritários da atualidade se
abrigam na mídia conservadora. Sem a proteção que recebem de seus
veículos para falar alto e se exibir como valentes, não existiriam.
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Mas há autoritários hoje no mesmo lugar em que, no
passado, militaram vários: no Judiciário e cargos afins. Alberto Torres
foi ministro do Supremo Tribunal Federal, Oliveira Vianna, do Tribunal
de Contas da União, e Francisco Campos foi consultor-geral da República.
O julgamento do “mensalão” tem sido um momento
privilegiado para conhecer o pensamento autoritário atual em maior
detalhe. Seus representantes na mídia estão esfuziantes. O andamento do
processo no Supremo Tribunal Federal foi melhor que a encomenda. No
fundo, todos sabiam quão frágil era a denúncia montada pela
Procuradoria-Geral da República.
A alegria de ver expoentes do “lulopetismo” condenados os enche de
entusiasmo. Querem revidar em compensação a tudo que os entristeceu nos
últimos anos. Quantas vezes foram forçados a se desdizer? Quantas
projeções furadas fizeram? Quantos amigos na oposição tiveram de
consolar?
Não tínhamos tido, até recentemente, a oportunidade de ver, com
clareza, o autoritarismo existente no STF. Era um tribunal
predominantemente discreto, que trabalhava longe dos holofotes. Vez por
outra aparecia, mas para se pronunciar a respeito de questões
específicas, ainda que nem sempre de maneira apropriada.
Agora, não. Fez parte do pacto da mídia conservadora com a Corte a
mudança radical desse padrão. As luzes foram acesas, os microfones
ligados e os repórteres postos a serviço. Tudo o que os ministros
dissessem seria ouvido, registrado e divulgado, com pompa e fanfarras.
E eles se puseram a falar.
Ao longo do julgamento, à medida que liam seus votos, vimos quão
parecidas são as ideias de quase todos com aquelas dos autoritários de
cem anos atrás.
No mês passado, Luiz Fux aproveitou a visibilidade de orador na posse
de Joaquim Barbosa na presidência do tribunal para apresentar algumas
das suas. Tomemo-las como ilustração do que pensam por lá.
O discurso de Fux foi extraordinário. Até no que revelou da
cumplicidade que se estabeleceu entre a mídia e o tribunal. É pouco
provável que fosse tão assumidamente autoritário se não se sentisse
amparado pelos correligionários na mídia.
Ficou famosa sua tortuosa formulação de que seria
natural que o Judiciário se tornasse mais ativo, para intervir na
“solução de questões socialmente controversas, como reflexo de uma nova
configuração da democracia, que já não se baseia apenas no primado da
maioria e do jogo político desenfreado”.
Parece que Fux imagina ter feito uma descoberta. Que haveria uma
“nova configuração da democracia”, sabe-se lá o que isso seja, que
exigiria deixar de lado o “primado da maioria” e o tal “jogo político
desenfreado”.
Nada há, entretanto, de original no diagnóstico e no receituário.
Antes dele, outros autoritários haviam chegado ao mesmo lugar. Todos, de
antes ou recentes, têm a mesma aversão à vontade das maiorias. No
fundo, acreditam que o povo não está “preparado para a democracia”. Que
exige “homens de bem” para guiá-lo, livrando-o dos “demagogos”.
Todo autoritário é antidemocrático, quer frear o “jogo desenfreado”. E
se imagina ungido da missão de fazê-lo, pela sua autoatribuída
superioridade em relação ao cidadão comum.
Talvez por desconhecer de onde vêm as ideias que professa, Fux – e os que se parecem com ele – acredita estar sendo “novo”.
É tão velho quanto a Sé de Braga.
Carta Capital
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