Tendências/Debates: O “lucro Brasil” das montadoras
Os dirigentes das montadoras disseminam há décadas a tese de que a
causa do alto preço do carro no Brasil é o imposto. O mantra pegou e é
quase senso comum que a carga tributária é que faz o brasileiro pagar o
carro mais caro do mundo.
Outro fator que costuma ser citado é o custo Brasil, um conjunto de dificuldades estruturais e burocráticas, destacando-se a falta de qualificação profissional e uma estrutura logística cara, insuficiente e arcaica.
Outro fator que costuma ser citado é o custo Brasil, um conjunto de dificuldades estruturais e burocráticas, destacando-se a falta de qualificação profissional e uma estrutura logística cara, insuficiente e arcaica.
As enormes dificuldades que o empresário enfrenta para produzir no
Brasil explicam, em parte, o alto preço praticado –não apenas do carro,
mas de em qualquer produto.
Mas impostos nem o custo Brasil justificam os US$ 37.636 que o
brasileiro para por um Corolla, enquanto o seu colega americano paga US$
15.450. Na Argentina, país mais próximo tanto geograficamente quanto em
relação às dificuldades e problemas, o Corolla também custa mais
barato: US$ 21.658.
No Paraguai, o consumidor paga pelo Kia Soul US$ 18 mil, metade do
preço no Brasil. Ambos vêm da Coreia. Não há imposto que justifique
tamanha diferença. O Volkswagen Jetta custa R$ 65 mil no Brasil, menos
de R$ 40 mil no México e R$ 30 mil nos EUA –a propaganda do carro,
aliás, tem como protagonista não um executivo, mas um… universitário
sofrido (youtu.be/gqDUV-rHQe4).
Há vários outros exemplos. Cito mais um: o Hyundai ix35 é vendido na
Argentina por R$ 56 mil. O consumidor brasileiro paga R$ 88 mil.
Se o custo Brasil fosse um fardo pesado nas costas do empresariado,
seria impraticável a redução da margem operacional. A crise de 2008
revelou, porém, que havia gordura pra queimar: os preços despencaram.
O índice AutoInforme/Molicar indicou queda média de preço de 10,1%
desde a crise de 2008. Carros de algumas marcas tiveram queda de preço
de 20%. Não se tem notícia de que essas empresas tenham entrado em
colapso por causa disso.
O Hyundai Azera, que era vendido por R$ 100 mil, passou a custar R$
80 mil após a crise de 2008. Descontos de R$ 5.000, até R$ 10.000, foram
comuns no auge da crise, revelando a enorme margem com que algumas
montadoras trabalham: em 2010 a GM vendeu um lote do Corsa Classic com
desconto de 35% para uma locadora paulista, conforme um ex-executivo da
própria locadora.
A chegada dos chineses desvendou o mistério. Equipados e baratos, ameaçaram as marcas tradicionais.
O QQ, da Chery, chegou recheado de equipamentos, alguns inexistentes
mesmo em carros de categoria superior, como airbags, freio ABS, sistema
de som e sensor de estacionamento. Preço: R$ 22.990. Mas daria pra
vender por R$ 19,9 mil, segundo uma fonte da importadora, não fosse a
pressão dos concessionários por uma margem maior.
Em março de 2011, a também chinesa JAC Motors começou a vender no
Brasil o J3 por R$ 37,9 mil. Reação imediata: a Ford reposicionou o
Fiesta hatch, passou a vender o carro pelos mesmos R$ 37,9 mil e
instalou nele alguns dos equipamentos que o chinês trazia de série, mas
apenas em São Paulo, Rio e Brasília –onde o J3 ameaçava o concorrente.
Mesmo assim, as montadoras instaladas no Brasil se sentiram ameaçadas
e, argumentando a defesa do emprego na indústria nacional, pediram
socorro ao governo, sendo prontamente atendidas: medida editada em
setembro de 2011 impôs super IPI às empresas que não têm fábrica no
país. Pela primeira vez, a Anfavea (associação das montadoras), cujos
associados não foram atingidos pelo imposto extra, não se rebelou contra
nova carga tributária.
A maioria das importadoras absorveu parte dos impostos adicionais e
praticou um aumento inferior ao que seria necessário para manter a
margem de lucro, indicando que havia muita gordura.
A grande diferença de preço do carro vendido no Brasil em relação a
outros países chamou a atenção do Senado. A pedido da senadora Ana
Amélia (PP-RS), a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado convocou
audiência pública para “discutir e esclarecer as razões para os altos
preços dos veículos automotores no país e discutir medidas para a
solução do problema”.
Realizada na semana passada, com a presença de representantes do
Ministério da Fazenda, do Ministério do Desenvolvimento, do Ministério
Público Federal, do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de
Componentes para Veículos Automotores) e deste jornalista. Lamentada
ausência da Anfavea, a audiência revelou (por um estudo apresentado pelo
Sindipeças) que a margem de lucro das montadoras instaladas no Brasil é
três vezes maior que nos EUA: no Brasil é de 10%, nos EUA é 3% e a
média mundial é de 5%.
A discussão deve continuar, enquanto houver tanta gordura pra queimar!
JOEL SILVEIRA LEITE, 58, é jornalista e diretor da agência AutoInforme
Viomundo
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