Por Vladimir Safatle
Um
dos fatos mais relevantes de 2012 foi a transformação dos juízes do
Supremo Tribunal Federal em novos atores políticos. Já há algum tempo o
STF virou protagonista de primeira grandeza nos debates políticos
nacionais, ao arbitrar grandes questões ligadas à vida nacional em um
ambiente de conflito. Por tal razão, vemos hoje um fato absolutamente
inédito na história nacional: juízes do STF reconhecidos por populares.
Durante décadas, a Suprema Corte era um poder invisível para a
opinião pública. Ninguém via no Supremo a expressão de um poder que
poderia reverberar anseios populares. Hoje é inegável que algo mudou,
principalmente depois do julgamento do chamado “mensalão”, no qual o
tribunal procurou traduzir em ações as demandas sociais contra a
corrupção. Nesse contexto de maior protagonismo do STF, algumas questões
devem ser colocadas.
Fala-se muito da espetacularização do Judiciário, que seria sensível
aos apelos da mídia e de setores da opinião pública. Isto principalmente
depois da criação de um canal de televisão, a TV Justiça, pelo qual é
possível acompanhar julgamentos do STF. Se levado a sério o argumento,
teríamos de afirmar que tal espetacularização é um fenômeno a atingir a
democracia como um todo, e não apenas um de seus poderes. Na verdade,
melhor isso do que os momentos nos quais juízes do Supremo podiam dizer
que julgavam “de costas para a opinião pública”. A democracia exige o
regime da máxima visibilidade dos entes e processos públicos.
Segundo, que juízes se vejam como atores políticos
não deveria ser visto como problema. Só mesmo um positivismo jurídico
tacanho acreditaria que a interpretação das leis pode ser feita sem
apelo à interpretação das demandas políticas que circulam no interior da
vida social de um povo. Interpretar uma lei é se perguntar sobre o que
os legisladores procuravam realizar, qual o núcleo racional por trás das
demandas que se consolidaram através da enunciação de leis. Que juízes
se vejam, atualmente, com tais incumbências, eis algo que não deveria
nos preocupar.
Há, porém, duas questões urgentes que merecem nossa atenção diante
deste novo momento do Judiciário. Primeiro, a tripartição dos poderes
foi feita com vistas à possibilidade de constituir um sistema de mútua
inspeção. Um poder deve ter a possibilidade de servir de contrapeso aos
demais. Para isso, todos os três poderes devem ter o mesmo grau de
legitimidade e todos devem ter mecanismos simétricos de controle.
O único fundamento de legitimidade reconhecido pela democracia é a
soberania popular. Ela se manifesta na escolha do Poder Executivo e do
Legislativo. Mas está completamente ausente no interior do Poder
Judiciário. O sistema de escolha e nomeação dos integrantes do STF, com
suas indicações do Executivo e sabatina do Legislativo, é completamente
opaco e antidemocrático. Haja vista as recentes inconfidências do
ministro Luiz Fux a esse respeito. Nem sequer procuradores do Ministério
Público são escolhidos por deliberação popular. Um poder que deseja um
protagonismo político respeitado deve se abrir para a participação
popular direta. Há uma criatividade institucional necessária que deve
ser mobilizada para sairmos de um sistema “monárquico” de constituição
do Judiciário, com suas indicações por compadrio ou “serviços
prestados”, seus cargos sem tempo fixo de mandato.
O problema do controle do Judiciário não deve, no
entanto, ser posto necessariamente na conta de tentativas de
amordaçamento. Todos os poderes têm mecanismos de controle. Por exemplo,
podemos aplicar impeachment em um presidente, cassar o mandato
de um deputado, mas o que fazer quando um juiz do STF demonstra-se
inapto ao cargo? Um poder democrático é aquele que deixa claro seus
mecanismos de entrada e de saída, ou seja, como ele escolherá seus
integrantes e como afastará quem se demonstra inabilitado para o cargo.
Nos dois casos, nosso Judiciário tem muito no que avançar.
É necessário que a sociedade brasileira tenha a serenidade para
discutir mecanismos de reforma do Judiciário, principalmente agora que
compreendemos a importância de sua função. A democracia tem muito o que
construir no que diz respeito à legitimidade popular de seus juízes.
Carta Capital
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