Vamos entender o xadrez político atual.
Há um jogo em que o objetivo maior é capturar o rei – a Presidência
da República. O ponto central da estratégia consiste em destruir a
principal peça do xadrez adversário: o mito Lula.
Na fase inicial – quando explodiu o “mensalão” – havia um arco
restrito e confuso, formado pela velha mídia e pelo PSDB e uma
estratégia difusa, que consistia em “sangrar” o adversário e aguardar os
resultados nas eleições presidenciais seguintes.
A tática falhou em 2006 e 2010, apesar da ficha falsa de Dilma, do
consultor respeitado que havia acabado de sair da cadeia, dos 200 mil
dólares em um envelope gigante entrando no Palácio do Planalto, das
FARCs invadindo o Brasil e todo aquele arsenal utilizado nas duas
eleições.
A partir da saída de Lula da presidência, tentou-se uma segunda
tática: a de construir um mito anti-Lula. À falta de candidatos,
apostou-se em Dilma Rousseff, com seu perfil de classe média
intelectualizada, preocupações de gestora, discrição etc. Imaginava-se
que caísse no canto de sereia em que se jogaram tantas criaturas contra o
criador.
Não colou. Dilma é dotada de uma lealdade pessoal acima de qualquer tentação.
O “republicanismo”
Mas as campanhas sistemáticas de denúncias acabaram sendo bem
sucedidas por linhas tortas. Primeiro, ao moldar uma opinião pública
midiática ferozmente anti-Lula.
Depois, por ter incutido no governo um senso de republicanismo que o
fez abrir mão até de instrumentos legítimos de autodefesa. Descuidou-se
na nomeação de Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), abriu-se mão
da indicação do Procurador Geral da República (PGR) e
descentralizaram-se as ações da Polícia Federal.
Qualquer ação contra o governo passou a ser interpretada como sinal
de republicanismo; qualquer ação contra a oposição, sinal de
aparelhamento do Estado.
Caindo nesse canto de sereia, o governo permitiu o desenvolvimento de três novos protagonistas no jogo de “captura o rei”.
STF
Gradativamente, formou-se uma bancada pró-crise institucional, composta por Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, e Luiz Fux, à qual aderiram Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Há um Ministro que milita do lado do PT, José Antonio Toffolli. E três legalistas: Lewandowski, Carmen Lucia e Rosa Weber.
O capítulo mais importante, nesse trabalho pró-crise, é o da criação
de um confronto com o Congresso, que não terá resultados imediatos mas
ajudará a alimentar a escandalização e o processo reiterado de
deslegitimação da política.
Para o lugar de César Peluso, apostou-se em um ministro legalista,
Teori Zavascki. Na sabatina no Senado, Teori defendeu que a prerrogativa
de cassar parlamentares era do Parlamento. Ontem, eximiu-se de votar.
Não se tratava de matéria ligada ao “mensalão”, mas de um tema
constitucional. Mesmo assim, não quis entrar na fogueira.
Procuradoria Geral da República (PGR)
Há claramente um movimento de alimentar a mídia com vazamentos de inquéritos. O último foi esse do Marcos Valério ao Ministério Público Federal.
Sem direito à
delação premiada, não haveria nenhum interesse de vazamento da parte de
Valério e seu advogado. Todos os sinais apontam para a PGR. Nem a PGR
nem Ministros do STF haviam aceitado o depoimento, por não verem valor
nele. No entanto, permitiu-se o vazamento para posterior escandalização
pela mídia.
Gurgel é o mais político dos Procuradores Gerais da história recente
do país. A maneira como conquistou o apoio de Demóstenes Torres à sua
indicação, as manobras no Senado, para evitar a indicação de um crítico
ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), revelam um político
habilidosíssimo, conhecedor dos meandros do poder em Brasília. E que tem
uma noção do exercício do poder muito mais elaborada que a do Ministro
da Justiça e da própria Presidente da República. Um craque!
Polícia Federal em São Paulo
Movimento semelhante. Vazam-se os e-mails particulares da secretária Rosemary Noronha. Mas mantém-se a sete chaves o relatório da Operação Castelo de Areia.
O jogo político
De 2005 para cá, muita água rolou. Inicialmente havia uma aliança
mídia-PSDB. Agora, como se observa, um arco mais amplo, com Ministros
do STF, PGR e setores da PF. E muito bem articulado agora porque, pela
primeira vez, a mídia acertou na veia. A vantagem de quem tem muito
poder, aliás, é essa: pode se dar ao luxo de errar muitas vezes, até
acertar o caminho.
Daqui para frente, o jogo está dado: um processo interminável de
auto-alimentação de denúncias. Vaza-se um inquérito aqui, monta-se o
show midiático, que leva a desdobramentos, a novos vazamentos, em uma
cadeia interminável.
Essa estratégia poderia ter uma saída constitucional: mais uma vez “sangrar” e esperar as próximas eleições.
Dificilmente será bem sucedida no campo eleitoral. Mas, com ela,
tenta-se abortar dois movimentos positivos do governo para 2014:
- É questão de tempo para as medidas econômicas adotadas nos últimos meses surtirem efeito. Hoje em dia, há certo mal-estar localizado por parte de grupos que tiveram suas margens afetadas pelas últimas medidas. Até 2014 haverá tempo de sobra para a economia se recuperar e esse mal-estar se diluir. Jogar contra a economia é uma faca de dois gumes: pode-se atrasar a recuperação mas pratica-se a política do “quanto pior melhor” que marcou pesadamente o PT do início dos anos 90. Em 2014, com um mínimo de recuperação da economia, o governo Dilma estará montado em uma soma de realizações: os resultados do Brasil Sorridente, resultados palpáveis do PAC, os efeitos da nova política econômica, os avanços nas formas de gestão. Terá o que mostrar para os mais pobres e para os mais ricos.
- No campo político, a ampliação do arco de alianças do governo Dilma.
Há pouca fé na viabilidade da candidatura Aécio, principalmente se a
economia reagir aos estímulos da política econômica. Além disso, a base
da pirâmide já se mostrou pouco influenciada pelas campanhas midiáticas.
À medida que essa estratégia de desgaste se mostrar pouco eficaz no
campo eleitoral, se sairá desses movimentos de aquecimento para o da
luta aberta.
Próximos passos
Aí se entra em um campo delicado, o do confronto.
Ao mesmo tempo em que se fragilizou no campo jurídico, o
“republicanismo” de Lula e Dilma minimizou o principal discurso
legitimador de golpes: a tese do “contragolpe”. Na Argentina, massas de
classe média estão mobilizadas contra Cristina Kirchner devido à imagem
de “autoritária” que se pegou nela.
No Brasil, apesar de todos os esforços da mídia, a tese não pegou.
Principalmente devido ao fato de que, quando o STF achou que tinha
capturado o PT, já havia um novo em campo – de Dilma Rousseff, Fernando
Haddad, Padilha – sem o viés aparelhista do PT original. E Dilma tem se
revelado uma legalista até a raiz dos cabelos e o limite da prudência.
Aparentemente, não irá abrir mão do “republicanismo”, mas, de agora
em diante, devidamente mitigado. E ela tem um conjunto de instrumentos à
mão.
Por exemplo, dificilmente será indicado para a PGR alguém ligado ao grupo de Roberto Gurgel.
Espera-se que, nas próximas substituições do STF, busquem-se juristas
com compromissos firmados e história de vida em defesa da democracia – e
com notório saber, peloamordeDeus. De qualquer modo, o núcleo duro do
STF ainda tem muitos anos de mandato pela frente.
Muito provavelmente, baixada a poeira, se providenciará um Ministro da Justiça mais dinâmico, com mais ascendência sobre a PF.
Do outro lado do tabuleiro, se aproveitará os efeitos do pibinho para iniciar o processo de desconstrução de Dilma.
Mas o próximo capítulo será o do confronto, que ocorrerá quando toda
essa teia que está sendo tecida chegar em Lula. E Lula facilitou o
trabalho com esse inacreditável episódio Rosemary Noronha.
Esse momento exigirá bons estrategistas do lado do governo: como
reagir, sem alimentar a tese do contragolpe. E exigirá também um
material escasso no jogo político-midiático atual: moderadores,
mediadores, na mídia, no Judiciário, no Congresso e no Executivo, que
impeçam que se jogue mais gasolina na fogueira.
Blog do Luis Nassif
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