A reconhecida necessidade de pronunciamentos que jamais deveriam ser
necessários em um tribunal, e menos ainda em um tribunal supremo, deu à
sessão de ontem do STF mais do que um lugar muito especial na história
do Judiciário brasileiro.
Um tribunal que precisa relembrar a si mesmo o direito dos seus
magistrados à divergência entre eles, a expô-la sem ter a palavra
restringida e, ainda, ao tratamento respeitoso, equivale, ressalvadas as
proporções, a uma sugestão de que sejamos mais conformados com a
desordem das ruas e com todas as incivilidades que marcam este país. Lá
como cá.
A face positiva da sessão foi representar, naqueles pronunciamentos, uma
ruptura com a longa e inflexível aparência de atemorização do tribunal
diante das maneiras imperativas do seu presidente, Joaquim Barbosa. Os
ministros Luís Roberto Barroso, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e,
como de hábito, Ricardo Lewandowski pouparam-se de referência pessoal,
mas não pouparam firmeza nem clareza na razão e no objetivo de seus
pronunciamentos: a mais recente investida intempestiva de Joaquim
Barbosa (contra Lewandowski, a ponto de suspender a sessão anterior) e a
imagem então atingida do Supremo.
Não é certo que o incidente, propriamente, levasse à atitude reativa
externada pelos quatro ministros. Ao menos em parte, houve a influência
do volume, na imprensa, de comentários negativos para o ministro Joaquim
Barbosa e, por extensão, para o Supremo. Alguns deles, com menções até
aos ares de intimidação reinantes no plenário. De fato, porém, não foi
um novo Joaquim Barbosa que se mostrou na sessão anterior. Foi uma nova
imprensa que apareceu em seguida.
Na primeira fase do julgamento do mensalão, a ansiedade por condenação
dos petistas traduziu-se também em complacência ou silêncio sobre as
exaltações e agressividades de Joaquim Barbosa. Agora os comentários
liberaram-se. Imagem do STF atingida, e não menos a dos próprios
ministros, convinha o curativo. Quanto seus efeitos perdurarão, não há
quem saiba. Nem mesmo o explosivo presidente.
Como resultado judicial, a "chicana" de que Joaquim Barbosa acusou
Ricardo Lewandowski era uma tese agora aplaudida por Luís Roberto
Barroso e apoiada pelos votos de Marco Aurélio Mello e José Antonio Dias
Toffoli. O primeiro dos três não votou a favor da tese, por entender
que é questão aprovada quando ainda não chegara ao tribunal, e não
pretender "achar que a sessão começa quando ele chega".
Mas, se nota que o filme está invertido, deveria fazer a sessão
recomeçar, sim. Para aprimorar os julgamentos é que recebeu a cadeira
ambicionada. Seu argumento adicional não foi melhor: "teríamos que
reabrir o processo". E deixar uma sentença, seja de condenação ou de
absolvição, prevalecer apesar de lhe parecer errada, contanto que não se
reabra o processo, é mesmo próprio de magistrado?
Os pronunciamentos de ontem falaram muito nos direitos dos integrantes
do Supremo, mas acharam desnecessário falar dos deveres. Também nisso,
muito a ver com o lado cá de fora.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha,
é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com
perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na
versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e
quintas-feiras.
Folha de São Paulo
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