Basta assistir ao julgamento (sic) do mensalão (o do PT) - PHA
O Conversa Afiada reproduz artigo irretocável do professor Wanderley Guilherme dos Santos, no Cafezinho, que desvendou a fraude fiscal da Globo (ocioso dizer … esse Bessinha … ) – PHA
O professor manda
dizer que está atento ao julgamento da Ação Penal 470, mas que ainda vai
esperar um pouco antes de abordar o assunto. Hoje uma breve reflexão
sobre os limites da nossa democracia, que é um processo ainda em
construção.
Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político
Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político
A
supremacia das democracias sobre variadas modalidades de autoritarismo é
recente, mas poderosa em seu efeito demonstração. Até o fim da Segunda
Guerra Mundial os países democráticos constituíam minoria na geografia
política mundial e só depois da Guerra Fria é que se tornou dominante.
Fora
manchas retrógradas na África e em alguns países do Oriente próximo e
distante, deslize ou violação de normas democráticas de qualquer governo
atual recebe imediata censura dos demais. É a coação moral de que
falava Emile Durkheim que, dadas certas premissas, costuma ter força
irresistível.
Com isso cria-se a oportunidade para a discussão
sem preconceitos dos limites em que é razoável esperar o cumprimento de
todas as promessas da teoria de governos democraticamente responsáveis.
Refletir sobre tais limites representava, na primeira metade do século
XX, alinhar-se em defesa quer das monarquias, quer das oligarquias então
dominantes da maioria dos países, quando não de apoio a regimes
militares de força. E assim permaneceu o debate, surdo, na verdade
censurado, durante todo o século. Agora torna-se saudável ponderar sobre
a doutrina democrática e seu potencial de vigência absoluta e integral.
Do mesmo modo que a monarquia absolutista encontrava seus limites nos
poderes descentralizados dos proprietários de terra, a Igreja inclusive,
em relação aos quais não era tão absoluta assim, as democracias de
representação majoritariamente oligárquicas da primeira metade do século
passado não estiveram a salvo de resistências por parte da sociedade
urbana que se formava gradativamente a seu redor. Decretos absolutistas e
legislação oligárquica sempre estiveram mais ou menos salpicadas por
restrições impostas pela realidade.
Com a democracia
representativa não é diferente. Constituições votadas ainda em período
oligárquico, e depois extensamente emendadas e ajustadas à realidade
bruta do mundo, por exemplo, a dos Estados Unidos, e outras, adotadas
após breves ou longos períodos ditatoriais, expressam fundamentalmente
um projeto de país e os princípios que devem orientá-los antes que um
decreto de total aplicabilidade. Há normas constitucionais de difícil
concretização por ausência de consenso sobre sua oportunidade. A norma
de que a propriedade deve ter uma função social, declaração corriqueira
em várias constitucionais, costuma dar margem a avalanches de discussões
de entendimento jurídico sobre sua aplicação em casos específicos. E
assim com diversos ditames encontráveis em todas as constituições
modernas.
Ademais da escolástica argumentativa que estimula, há
preceitos constitucionais que, não obstante a pretensão de que sejam
universalmente obedecidos ou usufruídos, são em realidade desigualmente
distribuídos pela população. Seja o simples direito fundamental de ir e
vir. Originalmente, esse direito, tomado como natural, impossível,
portanto, de ser negociado, vendido ou delegado, visava libertar da
servidão rural os trabalhadores reclamados pelas cidades em que
floresciam o comércio e, posteriormente, as indústrias. Em grandes
empreendimentos de natureza pecuária, de mineração e semelhantes do
mundo contemporâneo, o direito constitucional de ir e vir está a léguas
de distância da capacidade dos trabalhadores de se libertarem de suas
dívidas e se aventurarem em deslocamentos de longo curso. No Brasil, a
tradição foi, e ainda é em manchas territoriais, a de um membro do clã
familiar transportar-se para regiões promissoras de emprego e, se bem
sucedido, garantir a migração dos demais.
O debate democrático
contemporâneo enfatiza precisamente o hiato existente entre as promessas
da democracia e seu potencial efetivo de cumpri-las. Note-se que o
problema não consiste exclusivamente na boa ou má vontade dos
governantes, mas, entre outros obstáculos, o fato de que fenômenos
sociais reconhecidos como próprios da democracia tornam-se entraves à
realização de certos valores. As constituições democráticas não se
diferenciam nos projetos e princípios, mas na extensão em que se
transformaram em solo real sobre o qual trafegam, igualitariamente,
todos os cidadãos. É neste sentido que o Brasil, em larga medida, ainda é
uma democracia em aberto. Nem o Executivo, nem o Legislativo e nem o
Judiciário escapam ao juízo de que estão, todos, em débito.
Evidentemente, e se quisermos evitar um contra-senso, o débito
democrático brasileiro só poderá ser reduzido por vias igualmente
democráticas.
Conversa Afiada
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