Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania,
entrevistou o cearense José Maria Pontes, que comanda o sindicato que
envergonhou o Brasil ao incitar agressões contra médicos cubanos,
segundo ele, a intenção era apenas alertar os estrangeiros sobre o
trabalho escravo que exerceriam no Brasil; "foi para defender as
condições de trabalho deles", disse ele
Por Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania
O presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará (SimeC) é o médico e
ex-vereador José Maria Pontes. Ele liderou o protesto contra médicos
cubanos ocorrido na terça-feira (27) em Fortaleza. Cobrado pela
violência do ato, vem dizendo que “Ninguém vaiou médico cubano, mas quem estava com eles”. E que a vaia só ocorreu porque “Não dava para não misturar se estava todo mundo junto”.
O sindicalista ainda garantiu à imprensa que “A vaia, na
verdade, foi para aquelas pessoas que tiveram a ideia absurda de trazer
esses médicos para cá, inclusive com trabalho escravo sem nenhum
compromisso a não ser com o compromisso ideológico do Partido dos
Trabalhadores”.
A declaração de Pontes se deu no âmbito de críticas aos médicos,
militantes políticos e sindicalistas cearenses que vaiaram os médicos
cubanos, críticas que foram feitas por entidades médicas e sindicais do
próprio Ceará, pela imprensa e pelas redes sociais.
Diante de fato como esse, o Blog decidiu entrevistar o presidente do
SimeC. Este blogueiro encontrou Pontes em seu celular, em Brasília,
preparando-se para voltar ao Ceará. Confira, abaixo, a conversa
(gravada) com a pessoa que liderou a manifestação que xingou médicos
cubanos negros de “escravos” e “incompetentes”.
*
Blog da Cidadania – Senhor José Maria Pontes, o senhor é presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, certo?
José Maria Pontes – É.
Blog da Cidadania – Sr. José Maria Pontes, sobre
esse caso do ato do seu sindicato contra os médicos cubanos, o senhor
deu uma declaração de que as vaias e tudo mais que foi feito ali não
teria sido contra eles.
José Maria Pontes – Não, na realidade, pra que as
pessoas entendam, nunca ninguém teve intenção de atingir os médicos,
porque naquela manifestação os médicos cubanos que chegaram ao Ceará
foram recepcionados pelo Ministério da Saúde. O Odorico, que é
representante do Ministério, é cearense.
O ato foi feito contra essa postura [do Ministério da Saúde] de
trazer os médicos cubanos sem o Revalida. A nossa manifestação tinha uns
70, 80 médicos. Inclusive barraram a nossa entrada na Escola de Saúde
Pública e nós ficamos do lado de fora com carro de som, fazendo
manifestação e quando eles [os médicos cubanos] saíram, realmente
levaram uma bruta vaia.
Quer dizer, não os médicos, né… Foi direcionado ao Odorico, porque
ele saiu cercado por médicos [cubanos], como se estivesse protegido. E
tudo foi direcionado a ele. Inclusive, né, a…
Blog da Cidadania – Quando fala em Odorico, o senhor se refere a quem?
José Maria Pontes – Odorico Monteiro é o representante do Ministério da Saúde. É cearense e é uma das pessoas responsáveis por essa situação…
Blog da Cidadania – Senhor José, desculpe-me por
interrompê-lo, mas há uma foto que circulou muito na internet e na
imprensa em que um desses médicos cubanos está sendo vaiado por jovens
médicas do seu sindicato. Elas estão gritando com as mãos na boca perto
do rosto dele.
Havia, também, gritos de que os médicos seriam escravos. Foram ouvidos reiteradamente durante o protesto. Inclusive…
José Maria Pontes – Vamos, vamos, vamos…
Blog da Cidadania – Um minutinho, senhor José,
deixe-me só terminar essa pergunta, porque as pessoas estão querendo
entender o que de fato aconteceu.
Então veja, os manifestantes gritaram que os médicos cubanos
seriam “escravos”. As vaias foram gravadas em vídeo e o que se vê nesse
vídeo é que foram dirigidas diretamente aos médicos.
O que o senhor pode me dizer sobre essa contradição? O senhor
afirma que as vaias não foram dirigidas aos médicos cubanos, mas o vídeo
mostra outra coisa.
E ainda há um outro componente um pouco doloroso nisso tudo,
senhor José Maria, porque havia muitos médicos cubanos negros, ali, e
chamá-los de “escravos” é uma associação que muitas pessoas viram como
racismo…
José Maria Pontes – Então deixa eu contar.
Blog da Cidadania – Pode falar, por favor.
José Maria Pontes – Quando nós estivemos lá, fazendo
manifestação, eles [os médicos cubanos e o representante do Ministério
da Saúde] fecharam a porta e foram fazer a manifestação deles lá dentro…
Blog da Cidadania – Perdão, mas não estavam fazendo “manifestação lá dentro”, estavam recebendo treinamento…
José Maria Pontes – Nós ficamos lá fora fazendo
manifestação contra eles. Uma das coisas que foi mais debatida, lá, foi a
história do trabalho escravo, né, no sentido de eles não terem direito a
férias, 13º salário, a hora-extra e não ter direito a casar nem a
namorar no Brasil
Blog da Cidadania – Epa! Proibição de se relacionar com brasileiros?
José Maria Pontes – É, porque…
Blog da Cidadania – Perdão de novo: de onde o senhor tirou essa informação?
José Maria Pontes – Essa informação todo mundo sabe,
circula, porque é o seguinte, só pra você entender: se o médico tiver
um filho com brasileiro ele adquire, naturalmente, a nacionalidade
[brasileira] e o que se comenta – que parece que é verdade – é que eles
querem que os cubanos voltem pra lá, porque se eles [os cubanos] pedirem
asilo político no Brasil eles [o governo] não vão dar…
Blog da Cidadania – Ok, senhor José Maria, mas
espere aí: como é que se vai impedir alguém de ter relacionamentos
amorosos, por aqui? Suponhamos que um médico vê uma brasileira bonita na
rua, começa a namorá-la, ela engravida… Enfim, como é que o governo
brasileiro ou o cubano vão impedir que isso aconteça?
José Maria Pontes – Pois é, é isso que estou falando…
Blog da Cidadania – Então não pode existir essa proibição…
José Maria Pontes – Eles não querem que o médico
cubano tenha filho com a mulher brasileira porque aí adquire
nacionalidade e os médicos vão acabar ficando aqui…
Blog da Cidadania – Mas, repito, de onde o senhor obteve essa informação, senhor José Maria?
José Maria Pontes – Ah, essa informação circula há muito tempo, né…
Blog da Cidadania – Mas, aí, não significa que seja verdadeira…
José Maria Pontes – Eeehh… Inclusive na Venezuela,
tá! Isso aí [a suposição] aconteceu [sic] porque os médicos
venezuelanos, com essa história de não poder sair a partir das 18 horas –
e se tiver que sair tem que prestar contas pra uma pessoa de Cuba –,
faz a gente pensar assim…
Mas eu vou lhe responder a outra pergunta, né. O médico, o que ficou
colocado foi essa questão do trabalho escravo. Até, ontem, a Fenam
[Federação Nacional dos Médicos] entrou com uma representação, né, no
Ministério Público do Trabalho sobre a questão trabalhista.
Eles [os médicos cubanos] vão ser utilizados para trabalho escravo. E
o que aconteceu, então, não foi no sentido pejorativo, de chamá-los de
negros. O que ficou colocado é que a gente estava dizendo para eles que
eles iam exercer trabalho escravo…
Blog da Cidadania – Mas senhor José Maria… Primeiro
que chamá-los de negros, tudo bem. Afinal, eles são negros mesmo e ser
negro não é “pejorativo”.
José Maria Pontes – O que foi chamado [sic] é que
eles querem associar a um sentido pejorativo, mas foi no sentido de ter o
trabalho dele não do jeito que vem, porque do jeito que eles estão
postulando… Porque, veja bem, os médicos que vêm da Argentina vão
receber, diretamente, dez mil reais, que não é salário, é bolsa. Então
eles [os médicos cubanos] não têm nenhum direito trabalhista.
Blog da Cidadania – Desculpe interrompê-lo, mas
eu não consigo entender. Se eu chamo alguém de escravo, estou xingando.
Porque se chamassem o Odorico [representante do MS] de feitor de
escravos, até se poderia entender que o insulto foi para ele, mas quando
chamam os médicos cubanos de escravos, isso é um insulto. Além disso, o
escravo não tem culpa de ser escravo. Não pode ser vaiado por sua
escravidão…
José Maria Pontes – Não, não, não foi nesse sentido. Foi no sentido de chamar a atenção…
Blog da Cidadania – Deles?!
José Maria Pontes – Não, não foi nesse sentido…
Blog da Cidadania – Vou reformular a pergunta: o
senhor não se ofenderia se chegasse em um determinado local e uma
pequena multidão o chamasse de escravo?
José Maria Pontes – Eu quero te garantir que o que foi colocado foi não aceitar que essas pessoas sejam usadas em trabalho escravo.
A nossa orientação, do sindicato, foi nesse sentido, que os
manifestantes chamassem a atenção para a questão do trabalho escravo.
Foi, então, uma palavra de ordem, não no sentido pejorativo. Foi pra
chamar a atenção deles de que iam exercer o trabalho escravo.
Blog da Cidadania – Isso o senhor já me
explicou. Mas fico com uma dúvida quando o senhor fala em trabalho
escravo. Pelo seguinte: o acordo feito entre o governo brasileiro e o
governo cubano é semelhante aos acordos que a Organização Pan-americana
de Saúde – a entidade de saúde mais antiga do mundo – fez com 58 países.
Não fica uma coisa meio estranha que 58 nações e mais o governo
brasileiro estejam promovendo o trabalho escravo? Além do que, trabalho
escravo, pelo que se entende, depende de condições degradantes de
alojamento, alimentação, pagamento e, até agora, não existe nenhuma
evidência de que isso esteja acontecendo.
Minha questão, portanto, é: 58 nações, mais o governo da
República Federativa do Brasil, mais a organização de saúde
internacional mais antiga do mundo (fundada em 1902) iriam promover o
trabalho escravo no Brasil e no mundo, senhor José Maria?
José Maria Pontes – Estranho, né? Mas é verdade.
Blog da Cidadania – Estranho, não: fantástico.
José Maria Pontes – Quando você diz que a pessoa vai
trabalhar, ela tem direito a salário. Eles [os médicos cubanos] vão
receber uma bolsa. Não vão ter 13º salário, não vão ter direito
trabalhista nenhum, porque é bolsa, né…
Quando você limita para que ele [o médico cubano] não possa sair de
determinada área… Foi assim que aconteceu com os médicos cubanos na
Bolívia e na Venezuela. Há depoimentos. E eles também não podem trazer a
família deles.
Eu vi a entrevista de uma médica da Espanha, ela pode trazer a família dela. Eles [os médicos cubanos] não podem.
Quer dizer, quem está dando as ordens não é o governo brasileiro, é o governo cubano.
E essa coisa da OPAS foi só uma coisa… Uma bijuteria, foi só pra enfeitar, para dizer que foi uma coisa oficial, tal…
Blog da Cidadania – Ora, mas não é “para dizer
que foi uma coisa oficial”. O acordo foi feito entre o governo
brasileiro, o cubano e a OPAS. Não é uma “bijuteria”, é um acordo
formal. Inclusive, o portal UOL publicou
esse acordo, um tipo de acordo que é feito com a entidade por dezenas e
dezenas de nações do mundo inteiro e o regime legal pelo qual esses
médicos trabalharão no Brasil, até o momento, recebeu todo o aval da
Justiça.
Então eu lhe pergunto: se a Justiça e o Ministério Público não
encontrarem qualquer irregularidade nesse acordo, como é que fica uma
manifestação e um discurso que GARANTEM a todos que está sendo
implantando o trabalho escravo na medicina brasileira?
Ficaríamos assim: o governo brasileiro, a Justiça brasileira, o
Ministério Público brasileiro, a OPAS e mais 58 nações estariam
envolvidos com exploração de trabalho escravo, senhor José Maria? Isso
não lhe parece uma sandice?
José Maria Pontes – É porque, até agora,
ninguém teve acesso ao acordo do Brasil com a OPAS e o governo cubano. E
estamos pedindo ao Ministério Público do Trabalho para que analise esse
contrato, né, para ver se não existe trabalho escravo…
Blog da Cidadania – Sim, mas querer saber...
José Maria Pontes – Deixa eu falar, senão você fala, fala e não vai entender…
Blog da Cidadania – Ok, senhor José Maria. Pode falar, então.
José Maria Pontes – O que estou querendo dizer é que
nós não temos nada contra os médicos. Foi uma manifestação contrária ao
representante do ministério da Saúde. Eles [o governo Dilma] utilizou
aquilo ali politicamente, para tirar proveito porque eles são poderosos,
eles têm dinheiro, eles têm o poder da máquina estatal, mas não somos
contra a vinda de médicos cubanos.
Não saiu em imprensa nenhuma, mas nós colocamos, várias vezes, que os
médicos cubanos são bem vindos ao Brasil, mas queremos que eles tenham
todas os direitos trabalhistas e tenham liberdade de ir vir. Mas ao
governo não interessa, né, divulgar essas coisas.
Blog da Cidadania – Ok, senhor José Maria, mas a
forma dessa manifestação não me parece correta. Eu lhe pergunto uma
coisa: se o senhor fosse um daqueles estrangeiros e, chegando ao Brasil,
encontrasse uma turba gritando, chamando-o de escravo, o senhor se
sentiria bem vindo?
José Maria Pontes – Veja bem, quando se colocou essa
questão não foi com a conotação que querem dar. Dissemos escravos foi
no sentido inclusive de defender os interesses deles…
Blog da Cidadania – Espere aí: então a
manifestação que foi feita com vaias e chamando-os de escravos foi para
defendê-los?! De quem, deles mesmos? Porque, até onde se sabe, eles
estão de acordo com tudo.
José Maria Pontes – Não, não foi a questão de defendê-los, foi para defender as condições de trabalho deles…
Blog da Cidadania – Mas o senhor não acha que a
opinião deles também conta? Essas pessoas estão fora do país delas e, se
estivessem sendo submetidas a trabalho escravo, poderiam muito bem,
estando em território estrangeiro, denunciar e pedir asilo político
dizendo ao governo brasileiro “Olha, estou sendo escravizado, me dê
asilo”…
Eu digo isso, senhor José Maria, porque nunca vi um escravo que gostasse de ser escravo.
Aliás, muito pelo contrário, os médicos cubanos têm dado
declarações no sentido de que estão muito satisfeitos por estarem aqui,
de que não visam somente dinheiro porque o Estado cubano lhes deu a
formação que têm, deu assistência médica, educação, moradia, alimentação
a eles e às suas famílias. Então, trata-se de uma realidade diferente
da nossa.
A questão que surge, portanto, é sobre como pode o sindicato do senhor querer defender os médicos contra a própria vontade deles.
José Maria Pontes – É, mas, veja bem, não é defender
os médicos, é a questão do trabalho escravo independentemente da
vontade de quem está sendo submetido a trabalho escravo.
Cuba é um país extremamente pobre. Ora, pra você formar um médico é
difícil e Cuba exporta milhares de médicos para Venezuela, para a
Bolívia… No Brasil, no segundo país que mais forma médicos, você não tem
condição de formar tantos médicos para exportar.
Blog da Cidadania – Mas acontece, senhor José
Maria, que, em Cuba, o ensino é gratuito. É difícil formar médicos no
Brasil porque as faculdades privadas custam uma fortuna e para entrar
nas públicas tem que estudar em escolas caras, cursinhos caros e poucos
têm condições.
José Maria Pontes – É que precisa uma escola equipada, com bons profissionais…
Blog da Cidadania – E o senhor acha que não tem isso
em Cuba? Porque seus indicadores de saúde são muito superiores aos
nossos. Expectativa de vida, mortalidade infantil… Aliás, a mortalidade
infantil em Cuba é menor do que a dos Estados Unidos.
José Maria Pontes – Veja bem, eeehh… Em Cuba você
não tem a violência que tem no Brasil e o trabalho que eles fazem, que
todo mundo comenta, é que esses profissionais não são médicos, eles são
formados num nível intermediário para trabalhar no interior…
Blog da Cidadania – Ah, o senhor me desculpe,
mas os currículos desses médicos foi divulgado. A maioria é versada em
mais de uma especialidade. Todos têm mais de uma década de experiência
na profissão. Como não são médicos?
José Maria Pontes – Não, não, eles não são médicos de verdade, eles são formados em atenção básica…
Blog da Cidadania – Qual é a fonte da sua informação, porque diverge do que vem divulgando o Ministério da Saúde.
José Maria Pontes – Não, não, eles são só médicos de atenção básica…
Blog da Cidadania – Então agora são médicos? E
apesar de seus currículos dizerem que não são formados só em atenção
básica… Até porque, mesmo o maior especialista de Cuba é formado,
também, em atenção básica, ou em saúde da família. É a lei de lá.
José Maria Pontes – Olha, eu vou ter que viajar. Meu avião está saindo.
Blog da Cidadania – Ok, senhor José Maria Pontes.
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário