Sugerido por ArthurTaguti
Do blog Juventude nas Ruas
por Alberto Suzano
Nas manifestações que ocorreram por todo o Brasil em junho
deste ano, um grupo de jovens, portando celulares equipados com internet
3G e carregados via notebooks levados em mochilas, fez a cobertura mais
próxima e contundente dos acontecimentos. Com transmissões ao vivo,
filmaram diversas formas de violência policial, prisões (muitas vezes as
próprias), entrevistaram os participantes das marchas e, como assumiram
posição favorável aos protestos, cobrindo-os, mas também levantando
bandeiras democráticas, não foram rechaçados por manifestantes, como
ocorreu com diversos veículos da mídia tradicional (que chegou a ter
carros queimados e repórteres expulsos dos atos). Isso fez com que eles
tivessem informações e imagens que o jornalismo tradicional não teve
acesso, dando “furos” e contradizendo, com provas cabais, os jornalões e
os grandes canais de TV, ainda mais com o compartilhamento massivo de
seus conteúdos por todo o Brasil, via internet.
Intitulando-se como mídia NINJA (abreviação para
Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), o grupo tomou corpo pouco
antes dos protestos, por iniciativa do jornalista Bruno Torturra. Em
uma espécie de manifesto,
Bruno elenca diversos problemas que existem na categoria dos
jornalistas, como salários achatados, falta de autonomia, demissões em
massa, falta de unidade entre os profissionais, para chegar à conclusão
de que os inconformados com a situação deveriam tentar algo diferente.
Assim, o grupo é fundado como parte integrante do coletivo cultural Fora do Eixo (FdE).
Mas se o NINJA é um grupo que se posiciona
politicamente (como se demonstrou posteriormente, nos protestos), a
serviço de que ele atua? Quer a democratização da comunicação ou uma
fatia de mercado? Não há uma carta de princípios que norteia os adeptos.
Aparentemente, eles apenas publicizam as revoltas populares ligadas ao
seu público (predominantemente composto por membros da classe média),
sob uma perspectiva interna (de dentro das manifestações). No entanto,
há aspectos que mostram o que há por trás desse grupo de jovens.
Posicionamento político x independência
Jornalista nenhum é imparcial, pois o mito da objetividade só existe
para que a mídia corporativa venda o seu pensamento como verdade acima
do bem e do mal. No jornalismo alternativo isso não é diferente, ainda
mais porque grupos deixam mais claras suas posições políticas. Mas é
necessário queos recursos materiais não interfiram na produção, sob o custo de ferirem a independência editorial.
Explicando melhor: ao se
aliarem ao FdE, os ninjas conseguiram um esquema de financiamento para o
projeto alternativo que elaboraram. Mas o FdE se financia com verba
pública (oriunda de editais), tem patrocínio de empresas privadas e
relação com determinados grupos políticos como Rede, PV e o próprio PT
(veja mais aqui),
nada interessados, por exemplo, na expansão massiva das lutas por
demandas básicas que começaram nas jornadas de junho. Como se tratam de
partidos da ordem, com muito rabo preso e, em certos casos, envernizados
de novidade, não vão construir métodos para que os trabalhadores e
jovens consigam levar até o final um questionamento explosivo acerca do
regime, colocando várias de suas estruturas em xeque e propondo
alternativas reais.
Partindo da concepção
materialista de que o que determina as escolhas (no caso, a linha
editorial do jornalismo alternativo) são as condições materiais, passa a
haver uma relação de interesses entre quem garante o financiamento do
grupo e os próprios produtores de conteúdo, no caso específico. Bem
parecido com o que acontece na mídia tradicional.
Para que o
questionamento das estruturas sociais seja profundo e vá até a raiz do
problema, sem correr o risco de se corromper pelo caminho, é necessário
que haja independência política, que só se dá com independência
econômica. Isso, os ninjas não têm.
Ainda mais
se formos verificar as concepções do FdE para expansão de sua rede
capilarizada.
Em relato recente que circula nas redes sociais (confira aqui a
íntegra), a cineasta Beatriz Seigner dá exemplos chocantes de como o
que menos importa na rede de coletivos é a arte, mas a expansão da marca
FdE, mesmo que para isso seja necessário aliança com vereadores,
secretários de cultura, empresários e congêneres, que não desejam nem de
longe a melhoria dos serviços básicos para a população e democratização
da informação e da cultura.
Uma amostra dessa contradição é a aversão que muitos grupos políticos
mais contestadores e com base na periferia, como o movimento do Hip Hop
em São Paulo, as Mãe de Maio, o Cordão da Mentira, a Associação de
Moradores da Favela do Moinho, entre outros, costumem expulsar membros
do FdE de seus atos, pois são acusados de quererem representá-los sem
terem esse direito, junto a políticos governistas e conservadores da
pior espécie.
“Ah, mas eles cobriram e estão cobrindo os protestos”. Sim, mas até
agora, a cobertura não entrou em contradição direta com os interesses
que estão por trás deles, até pela massividade que atingiram (vide que a
própria grande imprensa passou a apoiar os protestos). Eles
acompanharam o público jovem das redes sociais nas marchas, que é sua
fatia de mercado e seu principal termômetro. Sem contar que, segundo
Seigner, é prática comum a produção cultural de um indivíduo ser
"despessoalizada" para que o FdE apareça como grande realizador, mesmo a
pessoa em questão não se reivindicando parte do coletivo. Ou seja, está
em cheque também a autoria dos vídeos produzidos.
Mundo analógico
Houve méritos evidentes. Os ninjas foram às ruas e "inauguraram" de
verdade a transmissão via celular em tempo real no Brasil. Conseguirem
fazer algo nacionalmente relevante, de forma alternativa e com poucos
recursos. Mas o que devem fazer os milhares de jornalistas de pequenas
redações de todo o Brasil que sofrem com os diversos problemas da
categoria? E os trabalhadores que consomem a informação que ainda é
analógica?
A insatisfação de Torturra com as péssimas condições do trabalho
jornalístico no país é correta, mas desemboca numa saída errada. Em vez
de se questionar sobre como alterar as estruturas que regem os grandes
meios de comunicação (braços ideológicos dos poderosos, e que utilizam
concessão pública – como os canais de TV aberta, para funcionarem com
finalidades privadas), militando por medidas como estatização sob
controle dos trabalhadores e da população de canais de televisão, o
jornalista preferiu fundar um grupo que pode atuar de imediato, mas que,
no máximo, instiga os demais membros da categoria a terem iniciativas
parecidas.
Ocorre
que essa saída não questiona o modo como a produção de informação no
Brasil está pautada. Pelo contrário, ela até o corrobora. Se o modelo
FdE/NINJA se expandisse, empresas privadas capilarizadas em rede, que
exploram, sob condições distantes das estabelecidas pela lei burguesa
(veja mais aqui e aqui),
a mão-de-obra dos “colaboradores”, seriam fortalecidas. Sem contar que
simplesmente não existe espaço para que todos os profissionais sigam
esse método e consigam se manter em condições dignas.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o produtor
cultural Pablo Capilé, idealizador do FdE, afirmou que a NINJA pode
oxigenar a mídia convencional.
A população não quer que a mídia tradicional se oxigene para usar de
forma privada um direito que deveria ser público (o acesso à informação
de qualidade) e, assim, encher seus bolsos reforçando estereótipos ou
criminalizando os trabalhadores e o povo pobre. A luta é para que haja
uma real democratização dos meios, para que os trabalhadores possam
escolher o que assistir, ler e produzir.
A Mídia NINJA mostrou que há um espaço importante de contrainformação
mal utilizado pela esquerda na internet, especificamente nas redes
sociais. Mas um jornalismo alternativo não pode se contentar em obter
sua reserva de mercado, sendo financiado por governo e empresas,
enquanto a mídia corporativa se mantém intacta e os jornalistas e a
população vivem no mundo analógico que o FdE diz não existir mais.
Blog do Luis Nassif
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