A chamada “primavera árabe” foi, de
forma afoita, chamada por alguns de uma revolução. Foi muito importante,
principalmente porque quebrou um eixo fundamental da política dos EUA
para a região – a ditadura de Mubarak. Não por acaso o país ocupa o
segundo lugar na lista de receptores de apoio militar dos EUA, só
superado por Israel.
Mas como fenômeno político, foi a vitória de
uma luta antiditatorial. Permitiu que novas forças laicas aparecessem,
somadas à força mais tradicional da oposição à ditadura – os islâmicos,
organizados na Irmandade Muçulmana.
As eleições tiveram o
triunfo dos islâmicos, que derrotaram, por estreita margem, no segundo
turno, um candidato ligado à ditadura do Mubarak. Eleito Morsi, foi
convocada uma Assembleia Constituinte, com maioria islâmica, mas um peso
importante das novas forças laicas.
O erro mais grave de Morsi
foi permitir que fosse elaborada e aprovada uma Constituição conforme os
valores islâmicos, que impõe esses seus valores ao conjunto da
sociedade, dividida entre forças islâmicas e laicas. Somada à crise
econômica – que promoveu uma forte pressão do FMI para a aceitação de um
empréstimo, com a correspondente Carta de Intenções, que Morsi
rejeitou, consciente do que significaria para o país, mas sem elaborar
alternativas – o Egito se viu envolvido em nova onda de mobilizações,
agora contra sua administração.
Sucederam-se as mobilizações
gigantescas, dos dois lados, a favor e contra o governo, numa situação
de empate político. Que foi desempatado pela ação do Exército, que tinha
sobrevivido incólume ao fim da ditadura e agiu para derrubar o governo
do Morsi.
Um golpe militar, mesmo se com apoio popular. Setores
que haviam se mobilizado saudaram o golpe, acreditando que poderiam
derrotar os islâmicos e acercar-se ao poder.
Mas a capacidade de
resistência dos islâmicos terminou rapidamente com essa ilusão. A
repressão militar não se fez tardar e a polarização entre o Exército e a
Irmandade Muçulmana se impôs.
Os EUA, incomodados, porque têm no
Exército seu principal aliado – por isso Obama não pode usar a palavra
golpe, porque estaria obrigado a suspender os auxílios militares ao
Exército – não podem aparecer publicamente apoiando a interrupção de um
processo democrático, mas tampouco podem condenar o regime.
O
pior dos mundos se impôs: militarização do país – com o estado de sítio e
a nomeação de governadores ligados ao militares nas províncias – e
resistência dos islâmicos, com os setores laicos deslocados.
A primavera egípcia desembocou neste outono.
Carta Maior
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