Postado em 10 dez 2014
por : Joaquim de Carvalho
Esta é a nova matéria da série sobre o processo de sonegação da Globo. As demais podem ser lidas aqui.
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Em 2007, ano em que o processo de sonegação da Globo foi subtraído da Delegacia da Receita Federal em Ipanema, Rio de Janeiro, a emissora teve as cinco principais concessões do grupo vencidas – São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Brasília e Distrito Federal.
A Globo tinha sido autuada por crime contra a ordem tributária, por deixar de recolher o imposto de renda relativo à compra do direito de transmissão da Copa do Mundo de 2002. Seu débito, incluindo juros e multa, era à época de 615 milhões de reais.
Apesar de devedora, a TV Globo teve as cinco concessões renovadas por um período de quinze anos (até 2022), conforme os processos 53000.020701/2007 (São Paulo), 53000.020700/2007 (Rio de Janeiro), 53000.020703 (Recife), 53000.020702/2007 (Brasília) e 53000.020704/2007 (Belo Horizonte).
As informações constam do requerimento de informações apresentado pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP) no dia 11 de novembro do ano passado, quatro meses depois que os primeiros documentos sobre a sonegação da Globo vazaram através do site O Cafezinho.
A deputada fez três perguntas:
– Como foi possível a renovação de concessões à Globo Comunicação e Participação S.A. “se a empresa não cumpria a exigência legal de regularidade perante o fisco federal?
– A empresa apresentou certidão negativa de débito relativa aos tributos federais e à dívida ativa da união?
– O Ministério das Comunicações está acompanhando a situação fiscal da Globopar? (na terceira pergunta, a deputada faz outro questionamento, talvez o mais importante – “existe a possibilidade de cancelamento das outorgas de radiodifusão destinadas à empresa frente ao claro descumprimento, pela entidade, da legislação relativa à renovação de outorgas?”).
No dia 21 de novembro, a Mesa da Câmara aprovou por unanimidade o requerimento de informações.
No dia 12 de dezembro, o requerimento seguiu para o Ministério das Comunicações e no dia 23 a resposta foi encaminhada à Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados.
O gabinete da deputada federal está com esse ofício desde o dia 6 de janeiro deste ano, mas não deu publicidade ao documento nem tomou nenhuma providência para aprofundar as informações ali contidas – a principal delas é que, apesar da dívida com o Fisco, a Globo teria apresentado a certidão negativa de débito perante a Receita Federal.
No dia 20 de novembro, quando soube da existência do requerimento, entrei em contato com o gabinete da deputada Luiza Erundina, em Brasília, e falei com o chefe de gabinete, Marcos Mateus, a quem pedi uma cópia da resposta do Ministério das Comunicações.
Mateus disse que estava com uma cópia do documento sobre sua mesa, mas pediu para falar com a deputada antes de liberar a cópia. Segundo ele, Erundina estava convalescendo e ele pediu quinze dias para me dar a resposta. Enviei um e-mail, para formalizar a solicitação, mas a mensagem nunca foi respondida.
Quinze dias depois, conforme o combinado, eu entrei novamente em contato com o chefe de gabinete Marcos Mateus. E a resposta foi surpreendente para mim.
— Não é procedimento do gabinete dar publicidade a esse tipo de documento. Você deve buscar em outra fonte.
Argumentei que a atitude era estranha, principalmente porque a deputada é presidente da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular.
Perguntei: por que um deputado faz um requerimento de informação se a resposta acaba sendo engavetada?
Silêncio foi a resposta do chefe de gabinete da deputada (que, depois de apresentar o requerimento de informações sobre a sonegação da Globo, acabou assumindo a função de coordenadora da campanha a presidente de Marina Silva).
Com base na Lei de Acesso à Informação, entrei em contato com o arquivo da Câmara dos Deputados, onde o ofício original do ministro da Comunicação, Paulo Bernardo, se encontra atualmente. Preenchi um formulário pela internet e, em três dias, veio a resposta.
São cinco páginas, encaminhadas pelo próprio ministro. A parte substantiva é a nota informativa nº 199, assinada pelo analista técnico Anderson Zanati Dultra.
Segundo ele, para a renovação da concessão, a Globo teria que apresentar as certidões negativas de débito, mas ele não tem condições de afirmar se os documentos do processo são verdadeiros.
“O cumprimento de todas as exigências legais para o deferimento da renovação dessas outorgas conta com a presunção de legalidade inerente à administração pública”, escreve o analista técnico.
Em resposta à segunda pergunta da deputada – a Gobo apresentou ou não certidão negativa de débito? -, Anderson Zanati Dultra não dá uma resposta direta:
— A apresentação da certidão negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União pode ser verificada nos autos. Nesse sentido, informamos que esses processos foram enviados para deliberação ao Congresso Nacional.
Ou seja, o que o Ministério das Comunicações possui são cópias, os originais estão no próprio Congresso (o acesso a esses processos será formalizado na sequência desta série de reportagens).
Na resposta do Ministério das Comunicações, o analista diz ainda que fez uma consulta ao site da Receita Federal e verificou que, na data da consulta (2013), não constava débito da Globo.
A informação não tem relevância para o que foi perguntado, já que, segundo a própria Globo, a dívida teria sido paga em 2010, com base nos benefícios de uma lei que concedeu descontos vultosos a devedores do fisco – caso da Globo à época.
Em 2007, quando a concessão caducou, a Globo era, efetivamente, devedora do fisco.
Como a empresa conseguiu as certidões negativas de débito?
Até o ano passado, quando estourou o escândalo, o sistema da Receita Federal informava que o processo que apurou a sonegação por parte da Globo se encontrava em trânsito.
Hoje se sabe que, em 2 de janeiro de 2007, na véspera do processo seguir ao Ministério Público Federal e para a execução do débito no âmbito da própria Receita, o processo foi subtraído da delegacia do fisco em Ipanema pela agente administrativa que, à época, se chamava Cristina Maris Meinick Ribeiro – mais tarde, depois que foi denunciada, ela mudaria o nome para Cristina Maris Ribeiro da Silva.
Em um dos itens da resposta do Ministério das Comunicações, o analista técnico Anderson faz um registro que merece reflexão:
— Destacamos que este Ministério não pode negar fé às certidões emitidas pelos órgãos públicos na análise da instrução dos seus processos administrativos, o que, no caso em tela, corresponde à competência da Secretaria da Receita Federal em conjunto com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Ou seja, se as certidões que a Globo apresentou não correspondem aos fatos, o problema não é do órgão responsável pela renovação da concessão.
Por fim, Anderson cita o artigo 223 da Constituição Federal, que, em síntese, pode ser traduzido assim: é praticamente impossível não renovar uma concessão de TV no Brasil.
Isto porque não depende de decisão do Poder Executivo. É necessário que dois quintos do Congresso Nacional (Senado e Câmara reunidos) aprovem a não renovação. Em votação nominal. Ou seja, o voto do parlamentar é identificado – há no Congresso brasileiro deputados e senadores em número suficiente para comprar essa briga com a maior emissora do País?
“A Constituição Federal trouxe muitos avanços, mas, neste ponto, ela ficou a desejar”, diz Pedro Rafael Vilela, executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, uma entidade que reúne alguns dos maiores especialistas brasileiros no tema.
Sobre o Autor
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquim.gil@ig.com.br
Diário do Centro do Mundo
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