sábado, 18 de julho de 2015

Eduardo Cunha merece respeito. Muito respeito.


Pouquíssimos têm uma trajetória tão 'coerente': em nenhum momento não esteve cercado de denúncias e sempre esteve ao lado de figuras de ética duvidosa...


Eric Nepomuceno


Júlio Camargo é uma dessas estranhas figuras que perambulam nos bastidores dos grandes negócios. Ora é considerado empresário, ora é chamado de consultor. Desde que foi preso e recorreu ao que se chama formalmente de ‘colaboração’ com a Justiça, passou a ser chamado simplesmente de ‘delator’. E foi nessa condição, a de delator, que ele contou ao juiz de primeira instância Sérgio Moro como pagou cinco milhões de dólares (porque nas esferas estratosféricas em que ele atua ninguém mexe com outra moeda que não seja a norte-americana) ao deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB, atual presidente da Câmara.

Um colaborador chamado de delator é exatamente isso: delator. O que ele diz tem de ser necessariamente provado por investigações policiais e, ao menos em teoria, caso se comprove que mentiu, perderá os benefícios assegurados pela lei, e que vão de diminuição da pena que poderia ser sentenciada até sua absolvição. Bem: ao menos em teoria porque outro delator contumaz, o corretor ilegal de divisas Alberto Yousseff, também chamado de cambista ou doleiro, mentiu à vontade em delações premiadas anteriores e não aconteceu nada com ele. Tanto assim, que continuou agindo como sempre, e agora continua delatando à vontade.

A serenidade com que Júlio Camargo mencionou seus encontros com Eduardo Cunha pode parecer convincente. Além disso, corre a informação de que ele viajou para o Rio de Janeiro, devidamente acompanhado por procuradores do ministério Público, e visitou cada endereço onde, segundo sua delação, foi entregue dinheiro a Eduardo Cunha ou seus representantes. Mas, ainda assim, é preciso obter provas concretas.

Eduardo Cunha reagiu da maneira habitual, ou seja, negando e negando. Acusou o procurador-geral de República, Rodrigo Jannot, de perseguição sistemática. E exigiu respeito.

Nisso, ele tem razão. Basta recordar sua trajetória política para confirmar que merece, sim, muito respeito. Afinal, pouquíssimos, no atual cenário brasileiro, já tão vexaminoso, têm uma trajetória tão coerente como ele: em nenhum momento de sua carreira, iniciada em 1986, Cunha deixou de estar ao lado de figuras no mínimo duvidosas no que se refere à ética e à integridade. E em nenhum momento deixou de estar cercado por aluviões de denúncias de irregularidades de todos os tipos e calibres.

Ele era jovem – tinha 28 anos – quando foi ajudar o sinistro Wellington Moreira Franco, do PDMB, a se eleger para governar do Rio de Janeiro, derrotando o candidato do então governador Leonel Brizola, do PDT. Esse candidato era Darcy Ribeiro, que junto com Brizola havia implantado aquele que poderia ter sido o mais revolucionário projeto de educação pública não só do Rio, mas do Brasil, os CIEPs. Foi uma das campanhas mais sórdidas e mentirosas desde a retomada da democracia no país, e teve, entre seus pilares principais, a decidida colaboração das Organizações Globo. Seu proprietário, Roberto Marinha, tinha uma ojeriza pessoal contra Brizola e tudo que ele representasse.

Três anos depois, Cunha atendeu a um convite de Paulo César Farias, e ingressou no Partido da Reconstrução Nacional, o PRN que elegeria Fernando Collor de Melo presidente do Brasil. Foi ele, Cunha, o tesoureiro da campanha de Collor de Melo no estado do Rio de Janeiro. Mostrou-se tão eficaz que acabou sendo convidado para integrar a equipe econômica da então ministra Zélia Cardoso de Mello. 

Por alguma razão (talvez uma intuição especialmente sensível), preferiu não aceitar o convite. Em 1991, veio a segunda – e essa sim, irrecusável – chance: indicado por PC Farias, assumiu a presidência da Telerj, a companhia telefônica pública do Rio de Janeiro. Foi sua grande estreia no mundo dos negócios e negociatas. 

É verdade que o Tribunal de Contas da União detectou um sem fim de irregularidades, especialmente um escândalo que beneficiou largamente uma fabricante de celulares, a NEC do Brasil, cujo proprietário, na época, era o mesmo Roberto Marinho de sempre. De repente, os caviares do oficio viraram ossos: em 1993, Itamar Franco, que havia substituído Collor de Melo depois de seu impeachment, expeliu Eduardo Cunha do comando da Telerj. 

No ano seguinte, Cunha virou evangélico, e começou a atuar no rentabilíssimo ramo das rádios controladas pelas seitas dos pastores eletrônicos, que começavam a se multiplicar com a velocidade dos coelhos e a avidez gananciosa dos exploradores da miséria humana. 

Já evangélico de profunda convicção, em 1999 ele foi contemplado por outra figura – digamos assim – polêmica, o então governador do Rio Anthony Garotinho. Elevado ao comando da Companhia Estadual de Habitação, durou pouco mais de seis meses. 

Apesar de novamente expelido por marés de denúncias de irregularidades, confirmadas pelo Tribunal de Contas do Estado em 2001, ele conseguiu manter-se muito próximo a Garotinho. E naquele mesmo ano deixou de ser suplente, graças a manobras do governador amigo, para ocupar uma cadeira na Assembleia Estadual. 

Foi o primeiro passo para, dois anos depois, e já de partido novo – o mesmo PMDB que, mantendo sua tradição, aceita qualquer coisa – se eleger deputado federal. 

Sagaz, soube se tornar líder e protetor do chamado baixo clero, e passou a ser elemento imprescindível na hora de captar doações de grandes empresas para financiar candidatos de trajetória nula ou insignificante que, uma vez eleitos, são de uma fidelidade bíblica ao seu protetor.

São notórias as posições, mais que conservadores, francamente reacionárias de Eduardo Cunha. Há quem o considere um elemento melífluo, diabólico, daninho ao país. 

Ainda assim, é preciso respeitá-lo. Afinal, mesmo num cenário coalhado de sacripantas, são poucos os que podem ostentar uma trajetória tão coerente como a dele. Não há um único momento de sua carreira em que não tenha estado cercado de seus semelhantes. 

Inventado por PCFarias, protegido por Collor de Melo, acabou tendo nas mãos um poder imenso. É ou não é uma figura impressionante?


Carta Maior

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