segunda-feira, 11 de julho de 2016

“A campanha eleitoral deste ano vai ser um caos”, diz especialista da OAB-SP. Por José Cássio

Postado em 10 Jul 2016


O Tribunal Superior Eleitoral vai testar nas eleições municipais deste ano diversas alterações nas regras de campanhas. As mais significativas são a proibição de doações de empresas e o limite de gastos para cada candidato.

Uma das formas de burlar a proibição de doações de pessoa jurídica é a compra de CPF.

O método consiste em receber recursos provenientes de caixa dois das empresas e esquentá-los a partir de doações fictícias de pessoas físicas – em troca, essa pessoa que alugou seu CPF recebe uma quantia em dinheiro.

Conversamos sobre esse e outros assuntos com o advogado Alberto Rollo, especialista e membro da Comissão Eleitoral da OAB-SP.

DCM – O que muda na regra eleitoral neste ano em relação à eleição municipal de 2012?

Alberto Rollo – Houve várias alterações. As principais são doação de pessoa jurídica e a diminuição do tempo de campanha — antes tínhamos três meses, que eram julho, agosto e setembro; agora temos 45 dias.

No rádio e na TV, a propaganda eleitoral passou de 43 para 35 dias.

Outra questão é a fixação dos gastos dos partidos.

Antes, cada um fixava o seu teto máximo. Agora o gasto é igual para todo mundo no mesmo município: todos os vereadores e prefeitos de todos os partidos têm o mesmo teto máximo.

Também teremos a limitação das contratações de cabos eleitorais. Antes não havia limite, agora mudou. O legislador se preocupou com isso porque tinha gente que contratava mil cabos eleitorais quando precisava de 600, 700 votos para se eleger em uma cidade menor.

Então, na verdade, ele não estava contratando cabo eleitoral, mas sim comprando voto de uma forma dissimulada.

O mesmo vale para os gastos em alimentação. O sujeito contratava 100 pessoas e, de repente, comprava 3 mil sanduíches. Ou seja, ele não estava alimentando seus correligionários ou quem estava trabalhando para ele, estava dando brinde para o eleitor.

DCM – Esse orçamento que foi delineado para os gastos é suficiente, imaginando o padrão das campanhas aqui no Brasil?

AR – Tenho ouvido muitas reclamações sobre esse limite. O TSE fez a tabela usando a lei que o Congresso aprovou.

É uma conta matemática, usando a média aritmética das últimas eleições, umas com um volume maior de gastos, outras com um volume menor.

Tem dois ou três candidatos que gastam um volume maior, que são aqueles que estão na disputa com seriedade, mas tem muito candidato nanico que gasta menos. A tabela do TSE é a média entre aqueles que gastam muito e aqueles que gastam pouco.

Na prática, fala-se que essa média acabou ficando em um valor muito baixo, mas olhando pelo lado positivo é uma maneira de baratear as campanhas. Por que gastar milhões de reais em campanhas eleitorais?

Vamos imaginar que, se essas pessoas têm esse dinheiro, elas poderiam fazer trabalhos sociais, e não aplicar esses valores estratosféricos em campanhas eleitorais.

DCM – Se considerarmos que não se pode ter mais doação de empresa privada, somando com a falta de tradição do brasileiro de apoiar candidaturas como pessoa física, como vai ficar o fluxo de recursos no caixa das campanhas?

AR – Esse é um tema recorrente no meio político. São dois fatores, como você mencionou: proibição de doação de pessoa jurídica e um limite relativamente baixo de gastos.

Significa que o dinheiro que vai circular será bem menor do que já foi em 2012, se falarmos em eleições municipais, e menor ainda do que foi em 2014.

DCM – Com essa coisa do brasileiro não ter tradição de doar, como os candidatos vão fazer para gerar recursos?

AR – É verdade, o Brasil não tem essa tradição, como em outras democracias. Às vezes doa um pouquinho, doa 10 reais, doa 50 reais, doa 100 reais.

Isso mostra um interesse pelo futuro do país e uma maneira de demonstrar confiança em um determinado nome – e acaba criando um vínculo daquele eleitor com seu candidato, que passa a acompanhá-lo com mais proximidade para saber se o sujeito está trabalhando.

Vejo candidatos que estão tentando fazer um apelo para seus apoiadores para que comecem a mudar essa tradição.

DCM – Nos bastidores, o que se fala é que as empresas vão continuar doando, só que no caixa dois. E que os candidatos terão de encontrar pessoas físicas que possam ajudá-los a esquentar esse dinheiro. O esquema tem até nome: compra de CPF, onde o eleitor empresta o seu CPF para doação e fica com uma porcentagem do valor depositado na conta do candidato. 

AR – É um assunto que está sendo comentado, sim. Agora, o próprio presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, já disse que está atento e preocupado com isso.

Inclusive estão desenvolvendo um software e mecanismos de controle. Ou seja, uma pessoa física que nunca movimentou um valor de 5 mil, 10 mil reais que, de repente, em período eleitoral, teve essa movimentação vai ficar mais exposta.

E isso é fácil perceber porque a transação sempre é bancária, já que os candidatos só podem usar o dinheiro que está depositado na conta-corrente.

Vai ficar mais ou menos fácil e tranquilo para um sistema tão avançado quanto o sistema bancário brasileiro identificar esse tipo de transação.

Outro ponto importante são as denúncias: um candidato que arma uma esquema assim vai precisar arregimentar dezenas, dependendo do volume centenas de pessoas. A pergunta é: numa conjuntura como a atual, quem terá coragem de envolver em algo errado um volume tão grande de eleitores?

DCM – Tem gente dizendo que essa campanha, do ponto de vista administrativo e financeiro, vai ser um caos. O que se desenha é isso mesmo?

AR – Acho que sim. Vai ser um caos, mas vou acrescentar outro ingrediente: tempo. Porque a lei fala que a Justiça Eleitoral tem prazo para julgar os pedidos de registro, e como a campanha diminuiu, o calendário acabou sendo atrasado.

DCM – Outra coisa que se fala dessa regra eleitoral é que ela foi feita de forma a se fazer um teste e mudar o que for necessário daqui dois anos. 

AR – É uma tradição da nossa democracia: fazer os testes nas eleições municipais e ajustar nos anos seguintes.

A eleição de vereador e prefeito acaba servindo de “boi de piranha”: as regras que não dão certo são alteradas ou se volta ao que era antes nas eleições nacionais.

É parte do jogo. Mudanças nem sempre são garantia de sucesso. Às vezes mudamos coisas que não dão certo, então é melhor voltarmos ao que era antes para não piorar a situação.

DCM – Dentro dessa possibilidade de voltar ao que era antes, qual a chance de se retomar essa proposta de manutenção do apoio da pessoa jurídica nas campanhas?

AR – É um dos temas em que se diz que é possível mudar, criar um limite de doações, por exemplo, mas acho pouco provável. A sociedade hoje está atenta e não quer permitir esse tipo de dinheiro nas campanhas, pois está vendo as consequências.

Agora uma coisa que pode mudar, e que poucos acreditam, é a reeleição, que acho até que o Senado já aprovou. É um assunto que foi deixado de lado mas que pode voltar a qualquer momento.

DCM – Do ponto de vista da renovação do ambiente político, essa nova regra é um fator favorável ou desfavorável?

Com o atraso do calendário eleitoral e com a diminuição de exposição do tempo dos candidatos, parece-me que a tendência natural é impedir a renovação.

O eleitor acaba tendo mais facilidade em votar em quem já é conhecido ou já tem um nome tradicional. É mais fácil que fazer pesquisa na internet para saber sobre novas candidaturas e novas propostas.

O eleitor pensa: vou eleger alguém que não conheço e nunca ouvi falar ou é melhor apostar em alguém que eu já conheço e fez algo pelo meu bairro?

Vamos encontrar essa resposta depois das eleições, mas a tendência, com as novas regras, é inibir o processo de renovação.

Sobre o Autor
JC é jornalista com formação política pela Escola de Governo de São Paulo


Diário do Centro do Mundo   -   DCM

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