QUI, 30/06/2016 - 21:38
ATUALIZADO EM 30/06/2016 - 21:40
do The Intercept
Glenn Greenwald
Desde o começo da campanha para impedir a presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff, a principal justificativa era de que ela havia se utilizado do artifício conhecido como “pedaladas” (“peddling”: atraso ilegal de pagamentos aos bancos estatais) para mascaras a dívida pública. Mas nesta semana, enquanto o Senado conduz o julgamento do impeachment, esta acusação foi suprimida: o relatório de peritos do Senado concluiu que “não há indício de ação direta ou indireta de Dilma” em nenhuma destas manobras orçamentárias. Como colocou a Associated Press: “Auditores independentes contratados pelo Senado brasileiro disseram em relatório divulgado na terça-feira que a presidente suspensa Dilma Rousseff não agiu na modificação da contabilidade de que foi acusada no julgamento de seu impeachment”. Em outras palavras, os próprios técnicos do Senado esvaziaram o primeiro argumento na defesa de que o impeachment era outra coisa que não um golpe.
O relatório não isenta Dilma totalmente, concluindo que Dilma abriu linhas de crédito sem a aprovação do Congresso, o que é parte do caso do impeachment. Mas foi a acusação das pedaladas que dominou todo o debate.
Se o impeachment de Dilma foi de fato motivado por seu motivo declarado – a quebra de leis – esse relatório devastador deveria interromper o percurso do impeachment. Elio Gaspari, importante colunista da Folha de São Paulo, maior jornal brasileiro, escreveu na terça-feira – sob o título “Há Golpe” – que, a luz deste novo relatório, o Impeachment de Dilma pode não ter sido um “golpe” no sentido de que teria sido realizado extrajudicialmente, mas é um golpe no sentido de que é realizado sem eleições: por “estratagemas” através de “práticas ardilosas”.
Mas, é óbvio, o impeachment nunca teve algo a ver com qualquer suposta quebra de lei de Dilma – esse era apenas o pretexto para remover uma presidente democraticamente eleita por motivos ideológicos – o que explica porque a destruição da mais importante acusação contra ela sequer arranhou a dinâmica do impeachment. Mesmo o Estadão, jornal veementemente contrário a Dilma, documentou esta semana como os principais defensores do impeachment mudaram instantaneamente seu raciocínio: do argumento de que as pedaladas exigem o impeachment para o discurso de que, na verdade, isso nunca foi importante em primeiro lugar. Estas são as ações de pessoas dedicadas a um fim sem se importar com as justificativas: eles estão determinados a impedir Dilma por razões ideológicas, então a destruição do caso judicial contra ela não faz diferença.
Ainda mais significante são as crescentes evidências da enorme corrupção do substituto de Dilma, Michel Temer. Em apenas 30 dias desde que assumiu, Temer perdeu três dos seus ministros por conta da corrupção. Um deles, seu aliado extremamente próximo Romero Jucá, foi flagrado em gravação conspirando pelo impeachment de Dilma como uma maneira de estancar as investigações sobre corrupção, bem como indicando que os militares, a mídia e os tribunais estavam tomando parte na conspiração pelo impeachment.
Um informante chave nas investigações, o ex-Senador e executivo da construção civil Sergio Machado, agora disse que Temer recebeu e controlouR$ 1,5 milhão em doações ilegais de campanha, enquanto outro informante disse, na semana passada, que Temer era “beneficiário” de R$ 1 milhão em subornos. Além disso, Temer está agora impedido por uma ordem judicial de disputar qualquer eleição por 8 anos por conta de sua violação das leis eleitorais. Para lembrar: este é quem, em nome da “corrupção”, as elites brasileiras empossaram no lugar da Presidente eleita.
Enquanto isso, o partido de Temer, PMDB, é virtualmente o mais corrupto deste hemisfério. Seu Presidente da Câmara Eduardo Cunha – que presidiu o processo do impeachment – está agora suspenso pelo Supremo Tribunal, e o Conselho de Ética da Câmara acaba de votar por sua cassação uma vez que ele mentiu sobre contas bancárias na Suíça, recheadas de dinheiro de suborno, em seu nome. O mesmo executivo da construção, Machado, testemunhou que três líderes do PMDB – incluindo Jucá – receberam pagamentos num total de R$ 71,1 milhões em subornos. Ao mesmo tempo, dois aliados chave de Temer do PSDB, partido de centro-direita derrotado por Dilma em 2014 – o Ministro das Relações Exteriores de Temer, José Serra, e o oponente de Dilma em 2014, Aécio Neves – estão ambos sob investigação por corrupção.
Ate decidir apoiar o impeachment de Dilma e empoderar seus próprios líderes corruptos, o PMDB era um importante aliado de Dilma. O partido de Dilma, o PT, tem sua própria cota de figuras corruptas. Mas o PMDB é pouco mais que um partido de negociação que existe para lubrificar as engrenagens da corrupção e das propinas em Brasília. A ironia por trás do fato de que este partido tenha sido alçado ao poder em nome da luta contra a corrupção é grande demais para ser posta em palavras. Como afirmou o New York Timesem maio, o partido de Temer é o que controlou, e agora arruinou, o Rio: “o mesmo partido que criou uma bagunça no Rio está agora gerindo o país”.
Por mais expressivos que a corrupção de Temer e a fraude do impeachment de Dilma já fossem, dois novos eventos nesta semana vieram reforça-lo. Primeiro, Temer jantou com dois membros do Superior Tribunal Federal – o órgão que preside a investigação sobre a corrupção e o processo do impeachment. Também estiveram presentes o Ministro das Relações Exteriores, Serra, e seu aliado próximo Aécio: ambos alvos da investigação sobre corrupção. Temer está literalmente se reunindo secretamente com os próprios juízes que estão julgando o impeachment e os processos de corrupção (ao mesmo tempo em que políticos brasileiros, preparando a imposição de medidas de austeridade, estão votando por bajular estes juízes com um enorme aumento de 41% em seus salários: a austeridade não pode ficar no caminho de enriquecer os próprios juízes que decidem se você e seus amigos chegar a ser presidente ou ir para a prisão).
Segundo, ao mesmo tempo em que Temer está se reunindo em privado com estes juízes chave, reportagens revelaram que ele está trabalhando duro em um acordo para “salvar a pele” de Cunha, um dos políticos mais corruptos do país. Temer se reuniu com Cunha nesta semana. Um plano sendo ativamente discutido permitiria Cunha renunciar e então ter seu processo criminalatribuído a juízes favoráveis. Outro prevê que Cunha simplesmente renuncie à presidência da Câmara para aumentar as chances de que ele não seja expulso da mesma por completo. Pior ainda, o Globo reportou hoje que Toemer está agora trabalhado ativamente com Aécio para garantir que o sucessor de Cunha seja favorávela ele: alguém que “não trabalhe pela cassação de Eduardo Cunha”.
Basta pensar sobre o que aconteceu quando estava em jogo o controle do quinto país mais populoso (e rico em petróleo) do mundo. A presidente democraticamente eleita sofreu impeachment apesar da falta de indícios de corrupção pessoal: por políticos que estão afundados em escândalos de subornos e propinas. O principal pretexto utilizado para impedi-la acaba de ser derrubado pelo relatório dos próprios auditores independentes do Senado. E o homem marcado pela corrupção que implantaram no lugar dela – que tem atualmente uma taxa de reprovação de 70%, e quem 60% do país quer que sofra o impeachment – está agora se reunindo secretamente com os juízes cuja suposta independência, credibilidade e integridade eram o principal argumento contra a classificação deste processo de “golpe”, tudo enquanto ele conspira para salvar seu companheiro de partido enriquecido por propinas. E eles estão procedendo para impor uma agenda de direita de austeridade e privatizações que a democracia nunca permitiria.
Sejam quais forem os motivos para se livrar de Dilma, a ilegalidade e a corrupção claramente não tiveram na a ver com isso. É só olhar para o relatório divulgado esta semana pelo Senado, ou o rosto da pessoa que instalaram, para ver como essa é a verdade.
Jornal GGN
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