10 de agosto de 2013
Adilson Primo presidiu a Siemens do Brasil e foi demitido sob suspeita de pegar dinheiro para ele mesmo.
Em 2009, o então presidente da Siemens, Adílson Antônio
Primo, assumiu o Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo e, na
condição de um dos maiores líderes empresariais do Brasil, disse em uma
entrevista que as práticas de gestão de sua empresa eram
“benchmarking”, isto é, deveriam ser copiadas por concorrentes para
atingir melhores resultados. Era o auge de uma carreira de 35 anos na
Siemens. Numa entrevista para um programa de TV no auditório do Ibmec em
São Paulo, ele foi apresentado como o CEO que não fez MBA e que nunca
foi demitido. Por quê? “Eu acho que a trajetória profissional acaba
definindo os rumos que você toma dentro da empresa. Até agora, parece
que não foi o rumo errado”, respondeu ele.
Dois anos depois, Primo foi demitido porque, segundo
comunicado divulgado pela matriz na Alemanha, “foi descoberta uma grave
contravenção das diretivas da Siemens na sede nacional, ocorrida antes
de 2007.” A empresa nunca explicou o que quis dizer com “grave
contravenção”, mas deixou vazar a informação de que Primo teve seu nome
envolvido em um suposto desvio de dinheiro, ocorrido entre 2005 e 2006,
que lhe teria rendido 6,5 milhões de euros. É uma história sem
comprovação e foi recebida com ceticismo por experientes agentes do
mercado. Especula-se que Primo tinha, entre salários e bônus, um
rendimento legal superior a 1 milhão de euros por ano. Por que se
envolveria num desvio proporcionalmente pequeno?
Fato é que, em 2008, três anos antes da demissão de Primo, a
Siemens rebebeu um dossiê com documentos que supostamente comprovariam o
pagamento de propina de sua filial no Brasil a autoridades do governo
do Estado de São Paulo para o fornecimento de equipamentos e serviços em
diferentes áreas, principalmente o Metrô e a CPTM. O dossiê cita também
o pagamento de propina ao governo do Distrito Federal, na época
comandado por José Roberto Arruda, do DEM. Além da alemã Siemens, os
documentos mencionam a francesa Alstom. Por que a Siemens demorou tanto a
agir?
Talvez seja em razão do fato de que se pode acusar Adílson
Antônio Primo de qualquer coisa, menos o de não trabalhar com empenho.
Sob sua gestão, a Siemens cresceu no Brasil mais do que em qualquer
outro país e, em 2010, seu faturamento local foi três vezes maior que a
taxa de elevação do PIB brasileiro. O jeito de Primo tocar o negócio
chamava a atenção. Em 2007, já no governo de José Serra, ele participava
pessoalmente das reuniões para definir as empresas que forneceriam
equipamentos e serviços para o Estado, conforme atas publicadas no
Diário Oficial do Estado. Normalmente, as empresas enviam procuradores,
não seu presidente.
Como CEO da Siemens, Adílson Primo também frequentava os
eventos políticos e sociais. Não faltava aos encontros com autoridades,
como ocorreu em julho de 2011, quando ele e governador tucano Antonio
Anastasia, de Minas Gerais, selaram com as mãos colocadas umas sobre as
outras, como fazem os jogadores de futebol antes de entrar em campo, o
acordo para a construção de uma fábrica da Siemens em Itajubá, no sul do
estado.
Há cinco meses, já sem a presença de Primo no comando da Siemens, a
empresa anunciou a desistência do projeto. O motivo seria a crise
europeia. Mas Adílson Primo foi para lá. Depois de dizer que estudava
abrir uma consultoria ou tocar um negócio próprio – talvez a ABR
Participações S.A., que ele criou com sede em Barueri quando ainda era
presidente da Siemens –, Primo assumiu a Secretaria de Coordenação Geral
e Gestão da cidade, que tem um orçamento vinte vezes menor que o
faturamento anual da Siemens.
Localizar Primo no seu novo endereço não foi difícil. Em 2008, ele
foi processado pela professora do Instituto de Física da USP Luisa Maria
Scolfaro Leite por causa da negociação de uma casa. A advogada dele no
processo é Marcela Souza Vitti, que trabalha no departamento jurídico da
Siemens, com telefone no cadastro da OAB. Ao localizá-la, perguntei
sobre o processo, mas ela não sabia detalhes. Disse que tinha prestado
um favor a Adílson Primo, na época presidente da empresa. Questionada
sobre como eu poderia encontrar seu cliente, afirmou: “Não tenho a menor
ideia”. Mas insisti, e ela respondeu: “Acho que em Itajubá”.
Na cidade, que tem menos de 100 mil habitantes, só há o
registro de um Adílson Antônio Primo, e ele é famoso no município por
ocupar uma nova secretaria, encarregada entre outras atividades de
conduzir a elaboração do novo Plano Diretor. Sua secretária, que se
apresentou como Gisela, disse por telefone que Primo estava em viagem
fora do município, não quis passar o celular e anotou um recado. Até às
23 horas de sexta-feira, dia 9 de agosto de 2013, quando concluo esta
reportagem, ele não retornou.
No YouTube, há um vídeo de uma entrevista de 24 minutos que
Primo concedeu há seis meses a um programa da Panorama FM, a principal
emissora local. O radialista Octávio Scofano quis saber o que faz a
Secretaria de Coordenação Geral e Gestão. Primo informou que o objetivo
da pasta é aplicar em Itajubá um choque de gestão, nos moldes do que fez
o tucano Aécio Neves no governo do Estado.
Com a camisa com dois botões abertos, bem diferente do terno e
gravata que usava no tempo da Siemens, e com o cabelo pintado, o ex-CEO
tentou fazer um discurso técnico, mas a entrevista terminou com os
ouvintes fazendo perguntas sobre ruas de terra e outros temas do
cotidiano de uma cidade que não é grande. Nélson, do bairro Santo
Antônio, perguntou sobre um dos maiores problemas de Itajubá, que é o
excesso de animais que fazem suas necessidades na calçada e na rua, sem
que ninguém se responsabilize pela limpeza. O secretário de Coordenação
Geral e Gestão de Itajubá lamentou que isso ocorra e falou da
possibilidade de uso de fraldões pelos cavalos, que “fazem muita sujeira
na rua, temos que caminhar olhando para o chão”.
Como se nota pela entrevista, Primo anda de cabeça erguida
por Itajubá, sem que ninguém o questione sobre o que pode ser um dos
maiores escândalos de corrupção do Brasil. A estimativa é que, com o
superfaturamento nos equipamentos vendidos e os serviços prestados ao
governo desde 1995, a partir da gestão de Mário Covas, o Estado de São
Paulo teve um prejuízo superior a 500 milhões de reais. Só em propina,
teriam sido pagos mais de 100 milhões de reais.
A alemã Siemens, a
francesa Alstom e a espanhola CAF são gigantes no ramo em que operam,
mas formam um grupo pequeno. Como timoneiro de um desses titãs, Adílson
Primo não é, com certeza, o que se pode chamar de a bolota do cavalo do
bandido. No mínimo, é o cavalo. Mas ele, e talvez só ele, tem motivos
para dizer quem o montou e depois o deixou na rua, abandonado como os
animais de Itajubá.
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