domingo, 4 de janeiro de 2015

Reação sintomática

 
4 de janeiro de 2015

por Paulo Moreira Leite

Crítica de Aloysio Nunes Ferreira mostra atualidade do debate sobre democratização dos meios de comunicação


Menos de 72 horas depois da posse de Ricardo Berzoini no ministério das Comunicações, o esforço do governo Dilma para colocar o debate sobre a democratização da mídia na ordem do dia começa a dar os primeiros frutos.

O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), candidato a vice presidente na chapa derrotada de Aécio Neves, foi obrigado a entrar na briga. O eleitor aplaude e o país agradece. Poderá comparar opiniões e projetos diferentes e até opostos.

Verdade que, sem sacrificar o espírito combativo que é sua marca o senador poderia ser mais preciso em suas palavras.

Aloysio Nunes chama o debate sobre a democratização da mídia de “tentativa criminosa” de controlar o trabalho dos jornalistas. Diz que é uma ameaça a “liberdade de expressão,” cuja defesa define com a “prioridade das prioridades.”

A verdade é que todo mundo tem o direito de pensar como quiser mas é difícil entender o que pode haver de criminoso no esforço de cumprir, por exemplo, o artigo 220 da Constituição federal. Ali se diz, em seu parágrafo segundo, que é “vedada toda censura política, artística ou religiosa.” No mesmo artigo, apenas dois parágrafos adiante, se afirma que os meios de comunicação “não podem ser objeto de monopólio ou de oligopólio?”

O que pode haver de criminoso nesse debate?

Com estes artigos, os constituintes de 1988 apenas definiram uma verdade fundamental para o destino do país: sem pluralidade, sem expressar o debate de ideias das várias camadas da sociedade, não se consegue cumprir o parágrafo que proíbe a censura.

Esta é o ponto — e daí vem a importância de uma discussão que não começou ontem.

Há menos de um mês o jornalista João Paulo Cunha foi forçado a pedir demissão do jornal Estado de Minas. Seu crime? Escrever um artigo crítico sobre a postura de Aécio Neves após a derrota na eleição presidencial. O caso é lamentável, mas está longe de constituir uma novidade.

Em 1982, o genial Millor Fernandes deixou a revista VEJA porque não abria mão de fazer imagens favoráveis a Leonel Brizola, um velho inimigo da casa. Pouco depois, o mesmo aconteceu com outro gênio, Henfil, esvaziado na ISTOÉ depois que passou a defender o boicote ao Colégio Eleitoral que iria escolher — por via indireta — o governador Tancredo Neves para presidente da Republica. A lista de censurados e excluídos é longa — basta consultar os arquivos.

E olhe que estamos falando de casos simbólicos, que ajudam a ter uma ideia de um fenômeno geral.

O foco no debate sobre a democratização da mídia nem envolve jornais nem revistas — mas emissoras de rádio, TV e demais concessões públicas, onde o controle de opinião e da informação é ainda mais rigoroso, o acesso mais exclusivo e fechado.

Ninguém quer retirar a liberdade de expressão de quem já tem. O que se quer é que os excluídos tenham um lugar para se expressar. Isso porque a liberdade não é um discurso — mas uma prioridade, mesmo. Na dúvida, cabe perguntar se é inaceitável viver num país onde, conforme o levantamento do Manchetômetro, a candidata Dilma Rousseff recebeu, na campanha de 2014, 25 notícias negativas para 1 positiva.

Isso é liberdade? Democracia?

O debate envolve ampliar a liberdade — ou manter um regime para os privilegiados e seus amigos de sempre.
 
 
 
Blog do Paulo Moreira Leite   -   Brasil 247

Nenhum comentário:

Postar um comentário