quarta-feira, 16 de setembro de 2015

PEC coloca caçada a Lula no nível da desfaçatez

16 de Setembro de 2015

Por Paulo Moreira Leite





A PEC da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), que tenta proibir a reeleição por períodos descontinuados para cargos do Executivo coloca o esforço para destruição política de Luiz Inácio Lula da Silva no nível da desfaçatez. 

O fato de ter recebido, já, o apoio de 181 parlamentares mostra que é uma iniciativa preocupante.

Este projeto revela que, do ponto de vista dos adversários do governo Lula-Dilma, não basta tentar promover o impeachment da presidente reeleita em 2014, mesmo sem nenhuma base legal para isso.

Não basta também aprovar punições sucessivas contra o Partido dos Trabalhadores, procurando erros em campanhas que já prescreveram, que são a chamada "matéria julgada" para tentar autorizar o TSE a decretar a extinção da legenda, acobertando uma gravíssima decisão política como simples ato administrativo.

Também não basta promover uma campanha permanente de denúncias sem prova, insinuações e acusações vazadas, para atingir a reputação de Lula com métodos irresponsáveis e covardes, que jamais foram empregados contra qualquer outro político brasileiro. 

É preciso impedir Lula de disputar a presidência da República. Salgar a terra, entende?

É preciso ter a garantia de que não irá sobreviver nem retornar à cena política.

Não se quer correr riscos. Não é novidade, nós sabemos.

Lula sempre foi o alvo e joga-se agora uma chance perseguida há uma década. Ele deve ser inutilizado -- mesmo que a Lava Jato nada prove, como nada se mostrou na AP 470, quando integrantes do Ministério Público chegaram a pressionar para que fosse indiciado. 

A PEC é constrangedora por vários motivos. A começar pelo óbvio.

Com exceção de Geraldo Alckmin, que mesmo assim possui uma bancada leal a seus interesses, os principais presidenciáveis, que têm todo interesse em evitar um sempre perigoso confronto com Lula na próxima eleição -- seja quando ela ocorrer -- irão deliberar sobre a PEC que pode ser decisiva para seu futuro político e pessoal. Alguém já ouviu falar de conflito de interesses? 

É muita falta de pudor, vamos combinar. 

Filha de Roberto Jefferson, deputado que conquistou seis mandatos sucessivos entre 1983 e 2002, Cristiane Brasil argumenta como se tivessse descido de uma nave espacial em frente ao Congresso.

Diz candidamente que a reeleição "desencadeia uma desarmonia na seara eleitoral, ocasionando um prejuízo à governabilidade, dando espaço a um sentimento de perpetuação, de uma dinastia, no qual nada tem a ver com os ditames da democracia, ferindo inclusive o princípio republicano".

Comovente, vamos concordar. 

"Amas a incerteza e serás um democrata," ensinou Adam Przeworsky, mestre do estudo de regimes democráticos do pós-Guerra, que estudou no Ocidente e também nos antigos regimes comunistas, a começar por sua Polônia natal.

Não é uma frase de efeito. Todo mundo que já disputou uma eleição -- mesmo de diretório estudantil -- sabe que há um momento em que é preciso roer as unhas, meditar, fechar os olhos, de preferência, e recolher-se, humildemente, à própria condição de ser reduzido a um número na multidão -- é a hora em que os eleitores vão se pronunciar.

Nada há nada para se fazer, a não ser aguardar. Isso porque o futuro de tudo e de todos, nessa situação, não pertence a ninguém -- mas à maioria, onde um homem=1 voto. 

Sem o menor pudor, pretende-se aprovar -- pelo mesmo Congresso que reduziu a maioridade penal, planeja garantir as doações de empresas as campanhas eleitorais e desmontar a CLT -- uma regra anti-democrática e casuística.

Ela equivale, pelas regras em vigor no país de 2015, à cassação de direitos políticos que se fez em 1964, contra Leonel Brizola, o próprio João Goulart, Almino Afonso, Luiz Carlos Prestes, Francisco Julião, Miguel Arraes e tantos outros. 

É natural que os adversários do Partido dos Trabalhadores façam o possível para derrotar um líder que encarna as principais conquistas que garantiram a seu bloco político quatro vitórias eleitorais consecutivas.

Quem acha que Lula fez pouco só deveria meditar sobre a relatividade das coisas da política e do mundo. Se mesmo assim ele é tão popular, imagine o que fizeram os "outros"? Por que tem tanto medo?

A questão reside no método. Só é aceitável travar e vencer uma luta política com respeito aos direitos democráticos, que autorizam, acima de tudo, o eleitor a exercer a vontade soberana que funda nossa república.

A Constituição de 1988 ensina que no artigo primeiro, parágrafo único: "todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes e diretamente, na forma da lei."

A Constituição diz que, em se tratando de presidente da República, o povo exerce seu poder diretamente -- em urna. Foi a grande mudança obtida na época, quatro anos depois que o regime militar conseguiu impedir a aprovação da emenda Diretas-Já. O caráter essencial dessa conquista é antigo e profundo. Está impregnado na consciência dos brasileiros, que não abrem mão desse direito de escolha e sempre rejeitaram, por imensa margem, mudanças que poderiam permitir interferências externas, a começar pela recorrente esperança elitista do parlamentarismo. 

Neste aspecto, o presidencialismo brasileiro guarda uma diferença essencial em relação ao regime que vigora nos Estados Unidos, por exemplo. Lá, o povo vota em urna -- mas o presidente é escolhido pelos delegados de um Colégio Eleitoral que nem sempre traduz perfeitamente a vontade do eleitorado. Há contradições e incoerências.

George W Bush tornou-se presidente dos EUA em 2000 porque a Corte Suprema lhe garantiu a posse dos delegados do Estado da Flórida. Nunca teve maioria no voto popular, onde o democrata Al Gore sempre esteve na frente.

Essa situação é um reflexo da Constituição americana, onde o Colégio Eleitoral funciona como um filtro aristocrático -- ou fisiológico, ou aparelhado, você decide -- da vontade de popular.

Em 1951, aprovou-se, nos Estados Unidos, uma regra que impede que um presidente que cumpriu dois mandatos seja candidato mais uma vez, mesmo de forma descontinuada. Estamos falando de presidentes que não precisam ganhar a preferência do eleitor -- mas dos delegados de partidos políticos. É um ponto essencial, que deu legitimidade a mudança de 1951, que mesmo assim só foi obtida num contexto de feroz campanha anti-comunista, onde os democratas eram acusados de acobertar agentes soviéticos e espiões a serviço de Pequim e Moscou. 

Em 2015, pretende-se -- por antecipação -- cassar um direito que é impossível adivinhar, sequer, se Lula pretende exercer. 

É a estratégia de quem tem plena consciência das fraquezas de uma operação tramada às costas do povo. É fácil entender por que se tenta impedir que 140 milhões exerçam o direito à palavra final.

É muita desfaçatez. Alguma dúvida?


Brasil 247   -   Blog do Paulo Moreira Leite

Nenhum comentário:

Postar um comentário