quarta-feira, 29 de março de 2017

Governo Temer entregará mais de 80% de supersatélite a multinacionais, por Carlos Hetzel

TER, 28/03/2017 - 15:47


Do Viomundo
Mais uma entrega do patrimônio estratégico nacional

por Carlos des Essarts Hetzel


Estava previsto para 21 março de 2017, passou para o dia seguinte, quando foi adiado mais uma vez devido a uma greve na Guiana Francesa. A nova data ainda não está definida.

Estou-me referindo ao lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação Estratégica (SGDC-1), que, do Centro Espacial de Kouru, na Guiana, será colocado em órbita espacial, pelo veículo lançador Ariane VA 236.

Trata-se do primeiro satélite brasileiro depois da privatização do sistema Telebrás.

Pesando 5,8 toneladas e 5 metros de altura, um dos maiores do mundo, ficará em órbita geoestacionária, a 35.786 Km de distância da Terra (nível do mar).

Cobrirá todo território brasileiro, países fronteiriços ao Brasil e parte do Oceano Atlântico. Terá dois Centros de Controle e Operação, sendo um em Brasília (DF) e outro no Rio de Janeiro (RJ).

Este investimento do Estado Brasileiro vai trazer mais segurança para as comunicações estratégicas do governo, bem como para as comunicações do setor civil e militar, pois seu controle e operação será feito no Brasil, por brasileiros, resultado da parceria entre a Telebrás e o Ministério da Defesa.

Idealizado no governo do presidente Lula, foi uma decisão estratégica e necessária, considerando a necessidade inadiável de o Brasil voltar a ter seu próprio sistema de comunicação satelital, atendendo assim, aos ditames constitucionais que versam sobre a Segurança Nacional e a Independência e Sigilo das Comunicações civis e militares.

O Sistema Nacional de Comunicação Via Satélite é uma questão de soberania e segurança nacional, pois os atuais satélites utilizados pelo Brasil são de propriedade e controle de multinacionais. Sua operação é feita por estações terrenas localizadas fora do país.

No caso de conflito internacional ou litígio decorrente de outros interesses políticos ou econômicos, os riscos de interrupções e/ou corte nas comunicações são reais.

Neste momento que deveria ser de glória do povo brasileiro e de fortalecimento da soberania nacional, pois estamos caminhando para adquirir a independência nas comunicações via satélite, fomos surpreendidos, no dia 23/02/2017, pelos dirigentes da Telebrás, quando em audiência pública, ratificada pelo Edital de Chamamento Público n. 01/2017, apresentaram proposta para comercialização do Satélite–SGDC, optando por dividir a capacidade satelital em 4 lotes e alienar 3 deles, isto é, mais de 80% da capacidade, mediante oferta pública.

Esse Satélite, que sequer entrou em operação, será vendido no mercado para as grandes operadoras multinacionais de telecomunicações, sem absolutamente nenhum compromisso de prestação de serviços para a sociedade brasileira, desconsiderando o arcabouço normativo que legalizou sua aquisição, operação e utilização.

Ao valor de R$ 2,1 bilhões, esse satélite foi projetado para atender, em caráter prioritário, as seguintes demandas:

• As necessidades de universalização de banda larga em todo Território Nacional, principalmente aos 2325 municípios localizados, na quase sua quase totalidade, nas regiões Norte- Nordeste, que hoje se encontram em estado de “apagão digital”, gerador dos “excluídos digitais”.

• Atendimento a pequenos provedores de acesso à internet com backhaul.

• Infraestrutura para provimento de serviços de dados ao governo.

• Serviço de comunicação e transmissão de dados das Forças Armadas brasileiras.

Dentre estes serviços, também o atendimento direto às residências, aos usuários excluídos, num modelo de negócios ao usuário final, com preços compatíveis à realidade econômica da população.

É de bom alvitre salientar que, em 1998, o setor de telecomunicções foi privatizado pelo governo do PSDB, com valores abaixo do preço real de mercado, utilizando dinheiro público através do BNDES.

Esta manobra é conhecida como “Privataria Tucana”.

Para entender um pouco o que aconteceu nesta privatização com o importante setor de satélites nacionais de comunicação, faremos um brevíssimo histórico;

Em 1985 foi lançado o 1° Satélite Doméstico Brasileiro, o Brasilsat A1, de fabricação Canadense, tendo sua operação e controle pela Embratel, empresa do Grupo Telebrás.

Logo vieram os satélites BrasilSat, A2, B1, B2, B3 e B4.

Este universo “estrelar satelital brasileiro”, composto de 6 satélites geoestacionários de comunicação e de suas estações terrenas de controle e operação, que também serviram às comunicações dos países vizinhos da América Latina, foram entregues a partir de 1998, para a iniciativa privada multinacional.

Primeiramente à empresa estadunidense Verizon e, em seguida, ao mexicano, Sr. Carlos Slim, dono da América Móvil, que é hoje a maior empresa de telecomunicações da América Latina; no Brasil, controla Embratel, Claro e Net.

Esta entrega nos deixou com as comunicações — militares e civis — controladas e na completa dependência de uma empresa multinacional.

Esta mesma situação poderá se repetir se prosperar este modelo proposto pela Telebrás, pois sem nenhum objetivo de atendimento social e, tampouco, sem impor um valor mínimo pelos lotes vendidos, comunica ao mercado que pretende transferir, mais uma vez, patrimônio público estratégico para a iniciativa privada.

É necessário clarear a existência de normas legais que serviram de balizador para o gasto de R$2,1 bilhões do erário, para a aquisição desse satélite.

Vejamos o arcabouço legal:

O ACÓRDÃO N° 589/2013 – CD, do Conselho Diretor da Anatel, que autorizou a emissão do Termo de Autorização do SGDC em favor da Telebras, sem licitação e pelo valor mínimo, dita que:


2. O referido sistema satélite será́ implantado com vistas a assegurar a autonomia das comunicações satelitais militares e das comunicações estratégicas entre os Órgãos e Entidades da Administração Pública Federal, bem como ferramenta de atendimento à demanda de massificação do acesso à internet, objeto do Programa Nacional de Banda Larga — PNBL.

O direito de exploração do SGDC foi conferido à Telebrás com um condicionante, conforme o Termo de Direito de Exploração:


“5.9. A EXPLORADORA DE SATÉLITE, quando do provimento da capacidade espacial associada ao objeto deste Termo, deve se ater ao cumprimento dos objetivos do Plano Nacional de Banda Larga – PNBL em cotejo com o dever de implementação do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas – SGDC.” .

A Procuradoria da Anatel é enfática ao afirmar (Parecer no 99l/2013/MGN/PGF/PFE-Anatel, de 26 de agosto de 2013):


a) a referida outorga à Telebrás deve-se ater ao cumprimento dos objetivos do P N B L e m cotejo com o dever de implementação do SGDC, não podendo extrapolar tal finalidade, sendo necessário que essa determinação conste nos respectivos Atos e Termos.

Ademais, a prevalecer as cláusulas da minuta contratual (anexa ao Edital de Chamamento Público) que versam sobre a utilização por terceiro das estações de acesso do SGDC de propriedade da Telebrás (gateways), ou ainda a utilização de outros centros de controle, de propriedade daquela empresa que passar a ser a cessionária dos lotes em processo de alienação, estará caracterizada o total desrespeito às determinações da Anatel, passível inclusive de extinção do Direito de Exploração do SGDC.

O Termo de Autorização é inquestionável ao determinar:


“3.1. Obriga-se a EXPLORADORA DE SATÉLITE a informar previamente à Anatel alterações técnicas ao projeto, relativamente ao constante da Metodologia de Execução, sob pena de extinção do Direito de Exploração e perda do valor pago por este direito referido no item 2.1.

4.1. O segmento espacial será explorado em conformidade com os termos da regulamentação concernente e observadas as condições fixadas na Metodologia de Execução.”

Objetivo da Metodologia:


Quanto aos tipos de aplicações na banda Ka, conforme mencionado pela Telebrás, o SGDC será otimizado para tráfego IP banda larga de alta capacidade, sendo essa capacidade utilizada para complementar e expandir o atendimento ao PNBL em localidades de difícil implementação de rede terrestre de fibra óptica. Para tanto, serão disponibilizados backhauls de alta capacidade aos provedores interessados em prover serviços de acessos banda larga IP aderentes ao PNBL.

Outra aplicação é o transporte das comunicações dos órgãos do governo consideradas estratégicas e que exigem algum grau de sigilo e segurança da informação contida na comunicação.

Nesse caso, a rede de satélite irá disponibilizar aplicações tipo ponto-a-ponto e ponto-multiponto/área (fls. 16 a – 17).

Embora a Metodologia de Execução seja um documento considerado confidencial, dentro do processo que concedeu o direito de exploração do SGDC à Telebras, o Informe no 467/2013- ORLE/0RER/SOR, de 29/10/2013, é categórico ao afirmar que as chamadas estações de rastreamento, telemetria e comando do satélite serão operadas pela Telebrás em conjunto com o Ministério da Defesa.

Transcrição do Informe no 467/2013-ORLE/0RER/SOR, de 29/10/2013, citado na Nota acima:


Conforme consta da Metodologia, o SGDC será composto pelo segmento espacial, cujo satélite terá um módulo de carga útil com transponders nas bandas X e Ka e um módulo de serviço que inclui sistemas de energia, posicionamento, telemetria, monitoração, dentre outros, e com previsão de 2 (duas) estações de rastreamento, telemetria e comando do satélite (TT&C); bem como pelo segmento terrestre que terá estações de controle de comunicações e estações terrenas (fl. 13).

Observe-se mais uma vez na Metodologia, que as estações TT&C e Segmento Terrestre, deverão ser operadas pela Telebrás em conjunto com o Ministério da Defesa, pelo princípio básico da Segurança Nacional e do Sigilo das Comunicações, deveres e obrigações devidamente positivadas na Carta Magna.

Neste novo modelo de negócios da Telebrás, um verdadeiro pacote de maldade, é adicionada também, a vedação da participação em consórcio, eliminando as Operadoras Médias e Pequenas que hoje verdadeiramente estão fazendo a massificação da banda larga no Brasil.

É de bom alvitre salientar que, em 2016, esses ISP´s – Provedores de Serviços Internet Regionais, foram responsáveis por 46% dos novos usuários de banda larga fixa no Brasil.

Como podemos verificar, a política do governo atual, de entrega do patrimônio público, tem data marcada pela Telebrás, 04 de abril, data da implementação deste nefasto modelo de negócios.

Acreditamos que se a sociedade e o Congresso Nacional não reagir imediatamente a essa “privatização antecipada”, mais uma violência contra a nação brasileira e o seu povo será executada, entregando-se um patrimônio imprescindível e estratégico para o desenvolvimento da sociedade e de Segurança Nacional.

Carlos des Essarts Hetzel é especialista em Telecomunicações & Infraestrutura de TIC; trabalha na liderança do PT no Senado.



Jornal GGN

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