quinta-feira, 30 de março de 2017

Resumo da gestão Dória em 100 dias: bravatas e ações suspeitas entre amigos. Por Joaquim de Carvalho

Postado em 29 Mar 2017


Ele


Domingo passado, um dia depois do prefeito João Doria inaugurar alguns banheiros no Ibirapuera – estranho, só agora me dou conta de que a inauguração de banheiros virou notícia em São Paulo –, um deles, masculino, foi pichado com tinta azul, o que levou a uma intensa movimentação dos seguranças do parque.

Uma mulher com uniforme de segurança, talvez não se dando conta de que era um banheiro masculino, entrava e saía correndo, para chamar os colegas, que vieram em seu apoio, de bicicleta. Estava muito nervosa e conclamava os colegas a procurar os suspeitos entre os muitos jovens que brincavam de patins e skate nas imediações.

“Absurdo, o prefeito inaugurou ontem e já picharam. O povo não merece coisa boa”, dizia ela.

A pichação do banheiro, um dano ao patrimônio público difícil de evitar, já que não se pode nem se deve colocar câmeras na parte interna dos banheiros, foi um dos revezes do prefeito João Doria na semana marcada por dois bate-bocas dele, um com o presidenciável Ciro Gomes e outro com a gigante do comércio eletrônico de livros Amazon.

Ciro Gomes definiu Doria como “farsante” e tirou do armário do prefeito dois esqueletos do tempo em que ele presidiu a Embratur, no governo de José Sarney.

Em 1991, Doria foi intimado a devolver aos cofres públicos dinheiro que, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), havia sido desviado da Embratur, quando ele a presidiu, entre 1987 e 1988.

O outro esqueleto exumado por Ciro é o da propaganda que a Embratur fez sob sua gestão interpretado como um convite ao turismo sexual no Brasil.

Ciro não mencionou, mas, na mesma fonte – arquivo do Jornal do Brasil – existe referência a dinheiro que Doria conseguiu por empréstimo da Embratur junto à Comunidade Econômica Europeia e não entrou na contabilidade da empresa. 

Segundo investigação do TCU à época, o dinheiro do financiamento era administrado diretamente por pessoas ligadas a ele, não à Embratur, inclusive parentes.

“Ciro deveria, primeiro, cuidar da sua saúde mental”, respondeu Doria, fazendo eco a um coronel de extrema direita do Ceará, que recentemente publicou um post no Facebook recomendando à família do ex-governador que internasse o presidenciável para tratar de um hipotético vício de drogas.

Já a Amazon fez uma crítica sutil, inteligente. Mostrou o cinza da Avenida 23 de maio, resultado da pintura que a prefeitura fez sobre antigos grafites, e graças à computação gráfica colocou frases literárias sobre a parede cinza.

Ou seja, devolveu a arte ao paredão cinza. Colocou literatura onde a administração de Doria escondeu arte.

Visivelmente incomodado, Doria gravou um vídeo e devolveu no estilo do coronel de extrema direita do Ceará. Chamou a maior empresa de comércio de livros do mundo de “oportunista”, se colocou como porta-voz da população e pediu doação à empresa.

Às vésperas de se completarem 100 dias da gestão de Doria, não é preciso muito empenho para apurar que a gestão dele é um sucesso de mídia e um fracasso de realizações.

Os buracos no asfalto se multiplicaram pela cidade. Um deles, o da movimentada rua Topazio, bairro da Aclimação, herança da gestão de Haddad, não foi tapado até agora e ganhou um buraco ao lado.

Os motoristas têm que demonstrar habilidade para desviar de um e não cair em outro. Os moradores colocaram cones para ajudar os motoristas. No Morumbi, a rua Doutor Jesuíno de Abreu, Zona Residencial, está tomada por lixo e por carcaças de carro abandonadas.

Buracos como este, lixo acumulado e mato crescido em praças fazem parte da relação de reparos solicitados no início da gestão de Doria pela reportagem da Folha de S. Paulo e não atendidos.

Segundo o jornal, de cada quatro solicitações, apenas uma é atendida nestes primeiros meses da gestão de Doria.

A obra mais relevante que entregou foi um conjunto habitacional no Grajaú, construída com verba do governo federal – a maior parte quando Dilma Rousseff era presidente.

Quando um morador fez esse registro, Doria se enfureceu e mandou o manifestante embora da solenidade e procurar a turma dele, em Curitiba.

Estava descontrolado e disse que o morador estava estragando a festa.

Quem tem mais de 40 anos e viu não pode deixar de associá-lo a Fernando Collor de Mello, o presidente que antes de ser deposto passou boa parte de seus 2 anos e meio de mandato brigando com quem discordava dele.


Doria, até agora, fez um governo que entrega pouco e aparece bastante, o prefeito e os amigos do prefeito.

Havia uma emissora de rádio, a Jovem Pan, e duas emissoras de TV quando o prefeito entregou a reforma dos banheiros do parque.

Ele contou que a recuperação dos espaços nasceu de uma visita que fez com amigos empresários, depois de eleito prefeito.

“Há exatamente 60 dias eu estive aqui e convidei alguns amigos, que são empresários, e verificamos que os banheiros estavam em péssima qualidade. Imediatamente iniciamos as reformas com investimento privado. Sessenta dias depois estamos inaugurando metade de todos os banheiros do parque, todos com acessibilidade. Os outros oito banheiros, que completam os 16 banheiros do parque estarão entregues em 60 dias”, disse o prefeito.

O que o prefeito confessa é uma ilegalidade, já que, mesmo reformas frutos de doação, necessitam de consulta pública, para dar aos empresários oportunidades iguais de ter seu nome vinculado a uma ação do governo. Administração é, por princípio, impessoal.

Por exemplo, a reforma dos banheiros do Ibirapuera custou R$ 340 mil à empresa Cyrela, do ramo da construção e incorporação de imóveis de alto padrão.

O nome da empresa apareceu numa placa durante a reforma e continua nas páginas dos jornais e até no site da prefeitura. É o que se chama de mídia espontânea.

A Unilever vai fornecer material de limpeza para os banheiros durante um ano, ao custo de R$ 450 mil. A empresa já fabrica desinfetantes, sabão em pó e outros produtos de higiene e limpeza. O que representam R$ 450 mil para ter seu nome associado a uma ação que, no fundo, tem tudo a ver com seu negócio?

Doria disse que a reforma foi bancada pelos empresários que são seus amigos, mas o site da prefeitura informa que, no caso da obra civil, houve uma consulta pública e que foi vencida – imagina por quem? – pelo amigo do prefeito, o dono da Cyrela.

Não é só Doria um homem de sorte. Os amigos dele também nasceram com a testa voltada para a Lua.



Diário do Centro do Mundo   -   DCM

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