Por Marco Antonio L.
Do Observatório de Imprensa
A cabeça do governo brasileiro
Por Sidney Jard da Silva e Ana Keila Mosca Pinezi
O cientista político Alberto Carlos Almeida ficou nacionalmente conhecido com a publicação do livro A cabeça do brasileiro,
no qual defende a controversa tese de que “quem tem escolaridade mais
baixa tem menos valores cívicos e republicanos”, entre outras não menos
questionáveis sobre o comportamento ético da população que não teve
acesso aos bancos universitários.
Nos últimos dias, entretanto, o autor da polêmica obra resolveu
direcionar sua crítica aos brasileiros de maior escolaridade: os
professores doutores das universidades públicas federais. Em comentário
intitulado “O resultado das greves”, veiculado pelo Jornal da Noite em
13 de junho, o comentarista político da Rede Bandeirantes afirmou,
abusando do bordão jornalístico, que a greve remunerada dos professores
universitários “é uma vergonha!”.
Dias mais tarde, no mesmo jornal, em comentário intitulado “Greve
remunerada”, Almeida conclama a presidente Dilma Rousseff e o ministro
da Educação, Aloizio Mercadante, a não cederem aos professores
universitários que recebem seus salários enquanto fazem greve.
Tendenciosamente, não informa aos telespectadores que o desconto dos
dias parados é objeto de negociação não apenas nas greves dos
trabalhadores do setor público, mas também nas paralisações dos
trabalhadores do setor privado.
Extensão, gestão e pesquisa
Além disso, omite o fato de que, ao contrário do que ocorre com
outras categorias profissionais, os professores universitários repõem os
dias parados em períodos de recesso, feriados e férias. Como era de se
esperar, os comentários do ex-colega da Universidade Federal Fluminense
(UFF) repercutiram rapidamente nas redes sociais e mereceram o desagravo
do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
(Andes) e do Fórum dos Professores de Instituições Federais de Ensino
Superior (Proifes). Muito embora criticado por sua suposta complacência
com os grevistas, o Ministério da Educação (MEC) não se manifestou,
sequer para reafirmar o respeito ao direito constitucional de greve no
setor público.
No dia 29 de junho, em artigo publicado no jornal Valor Econômico,
sob o título “Greve remunerada não pode funcionar”, Almeida alardeia
que a greve dos professores federais “é só de aulas” e que os únicos
prejudicados são os alunos. Sem revelar que, em muitas universidades, os
próprios estudantes paralisaram em apoio aos seus professores, como é o
caso da Universidade Federal do ABC (UFABC), na região metropolitana de
São Paulo.
Ao criticar a parcialidade da paralisação, o autor involuntariamente
acaba por revelar a dramática realidade das condições de trabalho nas
universidades públicas, nas quais nem mesmo em greve os docentes são
capazes de paralisar integralmente as suas atividades que, além das
aulas, envolvem diligências nas áreas de extensão, gestão e pesquisa.
Paradoxalmente, talvez este seja um bom argumento em defesa da “greve
remunerada” e não contra ela, como propõe o comentarista político da
Band. De fato, aos professores universitários sequer é facultada a
possibilidade de exercer o seu direito de greve integralmente.
Recomendações aos gestores públicos
Em 01 de julho, em artigo publicado na revista Época, sob o
previsível título “A greve remunerada”, Almeida retoma a crítica à
universidade pública brasileira afirmando que, enquanto no período de
2005 a 2010 o orçamento das 57 universidades federais existentes
aumentou 120%, o número de vagas para graduação cresceu “somente” 58%.
Tal como exposto, o colunista induz o leitor a concluir que a relação
entre estas duas variáveis deveria ser direta e imediata: 100% de
orçamento = 100% de vagas. Raciocínio particularmente estranho para um
cientista político tão familiarizado aos métodos matemáticos e
estatísticos. O autor também não informa ao público o quanto deste
orçamento foi destinado à criação de vagas em cursos de aperfeiçoamento,
especialização, mestrado e doutorado.
Não obstante suas fragilidades conceituais e empíricas, os argumentos
do comentarista político Alberto Almeida, amplamente difundidos nos
meios de comunicação, parecem ter feito a “cabeça” dos tecnocratas do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Em 06 de julho, o
MPOG publicou o Comunicado Geral 552047, cujo principal objetivo é
“cortar o ponto” dos servidores grevistas. Dada a coincidência entre os
comentários e artigos contrários à “greve remunerada” e a consequente
publicação da referida mensagem ministerial, não seria inadequado
batizá-la de Comunicado Geral “Alberto Almeida”, em homenagem ao ilustre
cientista político.
Entre outras medidas, o C.G. “Alberto Almeida” recomenda aos gestores
públicos: I) adoção das providências na folha de pagamento para efetuar
o corte de ponto referente aos dias parados na rubrica específica do
Siape de falta por greve; II) repassar ao Órgão Central do Sipec, a cada
3 (três) dias, as informações sobre a extensão das paralisações, se
total ou parcial, e os prejuízos atuais e iminentes aos serviços
prestados pelo órgão; III) na ausência de lei específica para o setor
público, deve-se aplicar a legislação concernente à iniciativa privada -
Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989; e, IV) observar se foram
cumpridas as exigências legais, tais como a comunicação do movimento com
a devida antecedência e o emprego de meios pacíficos de mobilização,
devendo adotar as providências cabíveis, caso seja constatado excesso
nas manifestações.
Acusações eivadas de preconceitos e superficialidades
É, no mínimo, constrangedor, que o governo do Partido dos
Trabalhadores (PT) paute as suas relações de trabalho por intelectuais
midiáticos que se posicionam tão “desavergonhadamente” a favor da
privatização do sistema universitário brasileiro. Agremiação política
que ao longo da sua história reuniu em suas fileiras alguns dos mais
destacados defensores do ensino público superior gratuito e de
qualidade: Florestan Fernandes, Paulo Freire, Sergio Buarque, entre
tantos outros.
Partido que conta, em sua trajetória, com um acúmulo de movimentos
grevistas que deu projeção, inclusive, ao seu líder mais representativo,
o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o mesmo que
iniciou, em seu governo, a expansão das universidades públicas federais
no Brasil como uma das maneiras de mitigar as desigualdades sociais.
Paradoxos, ambiguidades e, acima de tudo, uma sensação de inconsistência
em relação a algo que se imaginava perene permeia este momento
político. Mas, como diria o velho Karl Marx, “tudo o que é sólido
desmancha no ar”.
Medidas como o Comunicado Geral “Alberto Almeida” apenas reforçam nas
universidades públicas a derradeira impressão de que aqueles que
resistem à democratização do ensino público superior brasileiro podem
triunfar. E estes sequer precisam fazer “greve remunerada” para atingir
os seus objetivos. Do outro lado, há os que lutam pela educação pública e
de qualidade, com esperança e determinação porque ainda acreditam que
um país só se faz mais justo e melhor pela oportunidade de acesso à
educação pública em todos os níveis, do fundamental ao superior.
Professores, alunos e funcionários que, juntos, enfrentam acusações
midiáticas eivadas de preconceitos e superficialidades e clamam pelo
respeito à comunidade acadêmica e pelo direito à negociação.
***
[Sidney Jard da Silva é cientista político, professor do Centro de
Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Federal do ABC (CECS/UFABC) e co-autor, entre outros trabalhos, da
coletâneaUFABC 5 anos: um novo projeto pedagógico para o Brasil (UFABC,
2011); Ana Keila Mosca Pinezi é antropóloga, professora do Centro de
Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Federal do ABC (CECS/UFABC) e coordenadora do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Humanas e Sociais da UFABC]
Blog do Luis Nassif
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