Mutismo
absoluto e revelador. É assim que a chamada ‘grande imprensa’ se
comportou em relação à audiência pública realizada ontem (30.7) pela
Agência Nacional do Cinema (ANCINE), no Rio de Janeiro. Nem uma palavra!
E olha que não é por falta de notícia. Seria porque nossa mídia é
totalmente avessa a qualquer forma de regulação? Bem, mas vamos tratar
do que está acontecendo, já que aqueles que têm a obrigação ética e
legal de noticiar não o fazem.
O assunto é a regulamentação da TV por assinatura, mais precisamente as penalidades para as empresas que descumprirem a nova legislação que entra em vigor agora em setembro, tema da audiência pública. É um tema da maior importância pois 50 milhões de brasileiros já assistem TV por assinatura. E o governo trabalha com a previsão de chegar aos 100 milhões em 2020.
Por
que a nova regulação é importante? Porque antes não havia exigência
legal efetiva para que as TVs por assinatura exibissem conteúdos
nacionais. Elas podiam importar tudo, o que é muito ruim para o
fortalecimento da cultura brasileira e para o desenvolvimento de uma
indústria nossa do audiovisual.
Na audiência, a superintendente
executiva da ANCINE, Rosana Alcântara, disse que até o final de 2013
todos os canais brasileiros de séries, filmes, documentários e animação
de TV por assinatura terão em sua grade de programação pelo menos 3h30
por semana de conteúdo nacional e de produção independente em horário
nobre (das 18h às 24h nos canais abertos e fechados convencionais, e das
11h às 14h e das 17h às 21h nos canais para crianças e adolescentes).
Rosana
Alcântara explicou que, embora as regras passem a valer a partir de
setembro, as empresas devem demorar cerca de um ano para se adaptarem às
mudanças da Lei da TV por assinatura (Lei 12.485), publicada no fim do
ano passado. “A partir de 13 de setembro, o consumidor já poderá sentir
alguma modificação, mas o processo é lento e, de fato, a partir do ano
que vem teremos mais conteúdos brasileiros em canais que, até então, não
tinham nada de conteúdo nacional”.
Penalidades
O
que estava em discussão na audiência pública – e continua em consulta
pública aberta até 3 de agosto – é a questão das penalidades a serem
impostas para quem descumprir a nova legislação, previstas em uma minuta
de Instrução Normativa (IN) da própria ANCINE.
Segundo a minuta
em debate, as penalidades podem variar de advertência (infração leve),
multas, inclusive diárias, que variam de R$ 500 a R$ 1 milhão, suspensão
temporária do credenciamento e o cancelamento do credenciamento. A
própria superintendente da ANCINE disse na audiência que a redação da
Instrução Normativo com as penalidades têm despertado dúvidas por parte
dos empresários da TV fechada. Por isso foi feita a audiência pública.
Os representantes de escritórios de advocacia, associações de TVs por
assinatura e de empresas envolvidas no setor que participaram
aproveitaram para esclarecer muitas dessas dúvidas e fazer sugestões de
mudanças.
A disputa em torno da Lei de TV a Cabo
Durante
sua tramitação de cinco anos no Congresso Nacional, a Lei 12.485,
aprovada e sancionada em setembro do ano passado, gerou polêmica ao
impor novas obrigações para o setor da TV a cabo. Sobretudo por causa
das cotas de conteúdo nacional. No início do ano, a operadora Sky lançou
uma campanha contra a nova lei alegando que a obrigatoriedade de cotas
prejudicava a liberdade de escolha dos consumidores e era uma forma de
controlar o conteúdo por parte do governo. Uma espécie de censura.
Mas
a campanha da Sky não colou. O Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação (FNDC), o Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) e a
Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV (ABTI-TV), entre
outras entidades e movimentos, contestaram a propaganda da operadora,
defenderam, por meio de notas e artigos que a nova lei garante mais
pluralismo e diversidade de conteúdo. O problema é que, sem a nova
legislação, as produtoras independentes brasileiras não tinham onde
exibir sua produção que, até por conta disso mesmo, é muito pequena.
Depois,
a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), que congrega as
empresas do setor, também passou a apoiar a nova legislação, pois a
ANCINE, que divide com a ANATEL a responsabilidade pela fiscalização do
setor, manteve um diálogo permanente com todos os setores interessados
para construir um consenso em torno da regulamentação. Dessa forma,
tanto a Sky quanto algumas programadoras e canais que estavam contra a
nova legislação acabaram vendo que não havia como impedir sua
implementação e recuaram.
A necessidade da regulação na mídia
Finalmente,
não posso deixar de questionar a falta de lógica e sentido na postura
da mídia que, mesmo escondendo ao máximo o debate e a divulgação das
notícias, aceita a regulação e uma agência no caso da TV por
assinatura, mas não aceita na TV aberta. E ela é mais do que necessária:
é uma condição para a democracia, como prova a experiência de países
como os Estados Unidos, Portugal, passando pelo Canadá, França e Grã
Bretanha.
Na Grã Bretanha, em particular, há uma regulação ampla,
geral e rigorosa como comprova o caso Murdoch. Apesar disso, e mesmo
assim, exatamente por conta do escândalo promovido pelas empresas de
Murdoch, a legislação inglesa está em processo de revisão. E no Brasil?
Quando debateremos e implementaremos, prá valer, uma regulação na mídia?
Congresso e feira da ABTA; artigos e contribuições de especialistas
A
ABTA realiza anualmente uma Feira e Congresso. Este ano o evento está
acontecendo entre hoje e quinta (31.7 a 2.8), no Transamérica Expo
Center, em São Paulo, com um público esperado de 9,5 mil pessoas. Com a
nova regulação do setor, governo, empresários e criadores/produtores têm
manifestado uma grande expectativa de crescimento da área, o que
promete um congresso movimentado este ano.
Blog do Zé Dirceu
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