Coluna Econômica
O produto notícia sempre explorou a escandalização como
um de seus maiores fatores de venda. Não se trata propriamente de
serviço público, mas de uma operação comercial, que visa vender mais,
atrair mais leitores/espectadores e, em alguns casos, pressionar
anunciantes ou tomar partido em disputas empresariais ou políticas.
O escândalo é um produto jornalístico é, como tal,
tratado como marketing, da mesma forma que qualquer produto de consumo. E
os ingredientes centrais desse marketing são a ampliação de verdadeira
dimensão, “esquentar” a notícia, como se diz no jargão jornalístico.
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Em geral, tende-se a analisar a imprensa apenas como contraponto ao Estado, como representante da opinião pública.
Ora, no universo da opinião pública há um sem-número de
personagens: o Estado, os grandes interesses econômicos, os partidos
políticos, os demais poderes da República e, principalmente, o cidadão, o
indivíduo, frágil, vulnerável em relação aos poderes maiores.
É para este cidadão que deveria se voltar o olhar da
Justiça. No entanto, sua única forma de defesa, hoje em dia, são as
redes sociais, jamais o Judiciário.
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Na semana retrasada o programa “Fantástico” anunciou uma
matéria bombástica contra a UFRJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro). Falava-se em desvio de dinheiro, lançavam-se suspeitas de
enriquecimento ilícito e por aí afora.
Das redes sociais veio o alerta de que estariam
cometendo um “assassinato de reputação”. A matéria foi suspensa e
transferida para domingo passado, agora com um cuidado jornalístico
maior.
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E aí se entra em um dos muitos recursos de manipulação
de escândalos utilizados atemporalmente pela mídia: a confusão
intencional entre problemas administrativos e desvio de recursos. Ou o
superdimensionamento de pequenas infrações, tratadas como se fossem
grandes crimes contra a ordem pública.
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De acordo com o site do Fantástico, há 4 anos a UFRJ
começou a ser investigada pelo Ministério Público Federal (MPF) – que
provavelmente encaminhou ao programa o inquérito sigiloso – e pela AGU
(Advocacia Geral da União).
Tirando toda a retórica, o caso fica resumido a isto:
1. A UFRJ firmou convênio com o Banco do Brasil que, em
troca da administração das contas, pagaria uma quantia anual à
instituição. De 2005 a 2009. Segundo o MPF, deveria ter havido
licitação. Mas era um banco público e uma instituição pública.
2. O dinheiro foi repassado para uma fundação, e não
para o orçamento da Universidade e não foi incluído no SIAFI (Sistema
Integrado de Administração Financeira do Governo Federal). Aí se tem uma
irregularidade administrativa, sim. Mas, na própria matéria,
especialistas atestam que quase todas as universidades procedem assim,
para não cair no emaranhado burocrático da administração pública. De
dois anos para cá mudou a legislação. A matéria reconhece que o contrato
com o BB é anterior. Sem escândalo.
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O contrato com o BB envolveu a quantia de R$ 43.520.000 em cinco anos.
Os “escândalos”
Identificaram-se, concretamente, as seguintes
irregularidades: 1. Um professor utilizou notas frias para justificar
despesas (R$ 10.083,00). 2. Outro professor recebeu através de uma
empresa dele a quantia de R$ 27 mil. 3. Contratação de uma empresa para
fornecer agendas para a UFRJ (R$ 27 mil). 4. A concessão de dois
restaurantes. 5. o pagamento de R$ 264 mil a uma empresa que fornecia
coquetéis e lanches.
“Esquentando” o escândalo
A nota da UFRJ mostra que a empresa que emitiu a nota
não havia desaparecido, mas apenas mudando de endereço. O reitor recebeu
o Fantástico e apresentou um balanço do que foi feito com o dinheiro do
BB: seminários, congressos e recepções, na manutenção e reformas de
prédios, na construção de restaurantes. Em vez de focar nas obras que
foram realizadas com os recursos, deu-se destaque para as que não foram.
O vazamento do MPF
O “Fantástico” recebeu o inquérito antes dos indiciados. Com isso,
ficou com o poder de julgar e condenar sete pessoas perante dezenas de
milhões de telespectadores. As ressalvas às denúncias só foram
entendidas por um diminuto número de espectadores, que sabem diferenciar
problemas administrativos de malversação graúda de dinheiro. Mesmo com
os cuidados da reportagem, perante a opinião pública estão todos
condenados.
O papel do CNJ - 1
E aí se entra nessa escandalosa iniciativa do Ministro
Ayres Britto, de criar uma comissão permanente, no âmbito do CNJ
(Conselho Nacional de Justiça), para garantir a grande mídia contra as
ações propostas pelas vítimas. A comissão será composta por integrantes
do poder judiciário e por representantes de órgãos de mídia. Não se
cogitou sequer de defensores das vítimas de pequenos e grandes crimes.
O papel do CNJ - 2
Quando Ministro do STF, Ayres Britto, a pretexto de
acabar com a Lei de Imprensa, deixou um vácuo jurídico que prejudicou
fundamentalmente o direito de resposta. Agiu exclusivamente com o
propósito de agradar a mídia, principalmente depois que espocaram
denúncias sobre o uso do seu nome por seu próprio genro, em ações que
passavam pelo STF e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Coincidentemente, as denúncias sumiram do noticiário
O cidadão desprotegido
Tem-se, agora, o ensaio de uma briga de gigantes. De um
lado, Congresso Nacional, partidos políticos; de outro, o Executivo; na
terceira ponta, MPF, STF e mídia. E onde fica o cidadão comum? Em nenhum
momento, Ayres Britto – ou o próprio STF – pensou no cidadão comum.
Este continua à mercê de um Judiciário que entende a mídia com olhos do
governante norte-americano do século 18. Muitos assassinatos ainda serão
cometidos.
Blog do Luis Nassif
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