Do Valor
Por Maria Cristina Fernandes
É capítulo da sucessão presidencial este que se escreve na queda de braço das medidas provisórias do setor elétrico.
A presidente, que se prepara para a reeleição, prefaciou a renovação
de seu mandato com a demissão em série de ministros no primeiro semestre
de seu governo. Era a imagem de uma governante que não tergiversa com a
corrupção que começava a ser construída.
Pressionada durante o julgamento do mensalão, não quis macular essa
imagem com atitudes que pudessem ser debitadas em condescendência com
mensaleiros.
Até quando foi citada pelo hoje presidente do Supremo, Joaquim
Barbosa, em voto condenatório, Dilma Rousseff limitou-se a emitir nota
protocolar.
Emendou no capítulo seguinte a política de redução de juros. Alvo de
acusações de que jogou no lixo o tripé (câmbio flutuante, juros altos e
superávit primário), que garantiu a estabilidade da moeda, manteve a
política. Dobrou a maioria dos incautos e ganhou o verniz de
enfrentamento dos banqueiros.
A cruzada pela redução das tarifas de energia parece mais uma página
desta Dilma Rousseff dura e inflexível em defesa do interesse público. É
isso também, mas não só.
Se o interesse maior fosse a redução de tarifa, o governo teria
encabeçado pressão pela devolução dos R$ 7 bilhões que, por um erro de
cálculo da Aneel, foram cobrados a mais nas contas de energia durante o
governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Mais determinantes parecem ter sido a insatisfação da presidente com a
ineficiência do setor, seu reduzido volume de investimentos e a pressão
pelo aumento de produtividade da economia encabeçada por grandes
consumidores de energia que já ameaçavam deixar o país se não houvesse
redução de custo.
Se as causas se encontram nesse emaranhado, as consequências
extrapolam para a política. As MPs do setor elétrico atingem de chofre
aquele que é, até o momento, o único candidato declarado da oposição em
2014.
O senador Aécio Neves enfrenta, com essa MP, um ataque em forma e
conteúdo. Ao se expor contra a medida é enredado pelo discurso de que se
opõe à redução das tarifas de energia.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que apesar de se manter
no campo das cogitações, divide com Aécio os holofotes de 2014, expôs-se
muito menos. Apesar de a Chesf, além de sediada no Recife, estar sob
sua esfera de influência política, não se registram arroubos do
governador contra o choque de arrochos que virão por aí na
concessionária.
O peso da Cemig para o Estado talvez seja a explicação. Nenhuma
empresa traduz tanto os caminhos políticos de Minas. Quando o
ex-governador Eduardo Azeredo pôs os ativos da Cemig à venda mostrou
suas afinidades com a onda privatizante do governo correligionário de
Fernando Henrique Cardoso.
A iniciativa contribuiu, em grande parte, para sua derrota à
reeleição. Azeredo se indispôs com a tradição mineira do Estado indutor,
simbolizada na figura de Juscelino Kubitschek e responsável, por
exemplo, pela participação do governo de Minas como acionista da Fiat
até meados dos anos 1980.
Azeredo perdeu para Itamar Franco, que tomou o enfrentamento com os
acionistas estrangeiros da Cemig como uma das principais cruzadas de seu
governo.
Itamar foi à Justiça para retomar o controle sobre a empresa. Ao
sucedê-lo, Aécio bateu às portas do Palácio do Planalto para pedir que o
BNDES encampasse a fatia da AES na Cemig.
O governador tucano sempre fez questão de marcar suas diferenças em
relação aos correligionários paulistas, que fatiaram e venderam grande
parte de seu sistema elétrico.
Com Aécio, a Cemig não parou de se expandir. Saiu comprando ativos
Brasil afora, sendo a Light, do Rio, o maior deles. Hoje tem 114
empresas, participa em 14 consórcios e atua em 23 Estados. Montou a
maior rede de distribuição do continente, está nos consórcios de Santo
Antônio e Belo Monte, e constrói gasoduto em parceria com a Petrobras.
Essa expansão não apenas elevou o valor de mercado da empresa como
aumentou o poder de fogo da principal liderança política do Estado.
É em defesa desses ativos que Aécio se insurge. Desde o anúncio das
MPs, a Cemig não para de perder valor de mercado. O senador pode
conseguir minorar a derrota na negociação parlamentar mas a vitória de
suas teses no Congresso é hoje uma hipótese improvável.
Uma das mais veementes é aquela que se insurge contra a assinatura
dos contratos antes de aprovadas as medidas provisórias. Argumenta que o
governo, ao impor adesão com base em MPs ainda não aprovadas, reduz o
Congresso à chancela dos atos do Executivo. Como a defesa das
prerrogativas do Legislativo parece não estar no topo das prioridades da
opinião pública, é possível que o senador mineiro caminhe para a
derrota no primeiro turno desta pré-campanha de 2014.
Os ministros Luiz Fux e Teori Zavascki foram indicados pela
presidente Dilma Rousseff. Os ministros expressam visões distintas sobre
a independência dos Poderes. Ao saudar a posse do ministro Joaquim
Barbosa na presidência do Supremo, Fux fez uma aguerrida defesa das
prerrogativas do Judiciário em assegurar, "pela força dos argumentos",
os direitos daqueles que se veem preteridos pelo conflito de interesses
abrigado no Legislativo.
Nesta semana, antes de tomar posse como ministro do Supremo, Zavascki
foi na outra direção: "O juiz, às vezes, tem que tomar decisões
impopulares. Quem tem que aferir a vontade do povo é quem faz as leis".
O julgamento do mensalão pode ter levado o governo a enxergar em
Zavascki um dique de contenção ao ativismo judicial. Mas a decisão de
promover a assinatura de contratos antes que a lei que os regerá seja
aprovada demonstra que a Presidência da República aposta mesmo é no
ativismo do Executivo.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
Blog do Luis Nassif
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