Já comentei aqui que uma das premissas do êxito civilizatório é a
existência de altos níveis domésticos de poupança vinculada ao
investimento.
O que não devemos deixar de enfatizar, entretanto, é que, ao
contrario da intoxicação ideológica ainda disseminada entre nós, a taxa
interna de poupança das nações não é conseqüência fatalista das forças
do acaso. É, claramente, conseqüência de arranjos institucionais que a
POLÍTICA, e só ela, é capaz de fazer – repetirei.
Duas negativas para entrarmos numa proposta de como o Brasil poderia
sair dos atuais níveis precários de investimento (menos de 19% do PIB)
para taxas mais altas no tempo; mas, pelo menos, e com urgência, para
algo ao redor de 23% ou 24% do PIB, os quais, imagino, lastreariam uma
taxa sustentável de crescimento acima dos críticos 5 % necessários para
cobrir os ganhos de produtividade, e incorporar os ainda cerca de um
milhão e meio de jovens que, por ano, chegam ao mercado de trabalho
procurando seu ansiado primeiro emprego.
A importantíssima e perigosa (para ela) cruzada da presidenta Dilma
Rousseff contra a usura e o rentismo tem que ser apoiada. Por uma
questão muito simples: num país onde a taxa de juros que o governo paga
pela manutenção de excedentes financeiros é maior que a rentabilidade
media dos negócios, a economia tende a parar.
Óbvio ululante, pois quem tem dinheiro prefere especular, sem
produzir, porque ganha mais e quem não tem dinheiro – caso da maioria
esmagadora de nossos empreendedores – não pode tomar emprestado pra
produzir, e ganhar menos que os juros a pagar ao banco. Dedicarei um
espaço destes a esta conjuntura, proximamente.
Por isto será referencia para a história se este momento (melhor, esta tendência) for pra valer, como creio que possa ser.
A primeira consequência será uma migração de ativos da agiotagem para negócios mais rentáveis.
A classe média vai pensar agora em usar sua pequena poupança para
comprar imóveis e, quem sabe no futuro, passar a crer em capitalização
de empresas, por exemplo. Isto é historicamente muito bom, mas ainda não
é a construção de uma cultura de poupança e investimento para o País.
A outra negativa faço com muito cuidado. E deriva de uma de muitas
conversas com o grande brasileiro e patriota professor Carlos Lessa. Em
tempos de crise e estagnação econômica o governo deveria pagar aos
trabalhadores para abrirem buracos e, ato contínuo, pagar para eles
taparem os buracos; em tradução grosseira, Keynes demonstraria nesta
frase, a ele atribuída, o fato de que quem promove desenvolvimento é o
gasto, o investimento – e não a poupança, emenda cheio de sabedoria
Carlos Lessa. Isto foi dramaticamente verdadeiro na experiência de
Roosevelt no New Deal. E seria muito conveniente no Japão e na Europa de
hoje.
Mas a experiência nacional desenvolvimentista brasileira, lastreada
na fundação do endividamento brasileiro (ou seja, na tentativa de
acelerar o desenvolvimento do País sem a construção de uma
institucionalidade que assentasse nossa sorte em nosso próprio capital)
deu no que deu: é verdade que temos a 15ª economia industrial do mundo,
mas também temos uma das piores distribuições de renda e um passivo
externo que, de tempos em tempos nos prega grandes sustos (temo
estarmos, a médio prazo, nos aproximando de outro).
Não sendo eu um economista, posso ser herege. O capital dos outros é
tão bem-vindo quanto menos dele necessitarmos. A finança internacional
funciona igual dono de banco: quanto menos dele precisamos, mais
solícitos são, quanto mais dele precisamos…está em reunião, não pode nos
atender.
Assim, ter lastro próprio em alto nível doméstico de poupança é condição sine qua non para participarmos de forma sustentável de um naco da poupança financeira internacional.
Sem se falar da absoluta impossibilidade ainda (e, creio, por muito
tempo) de praticarmos déficits orçamentários, mesmo com a melhor
intenção de acelerarmos, baseado neles, nosso desenvolvimento.
Peculiaridades de nossa história.
Estou que nem Padre Vieira no início de seus belíssimos e intermináveis sermões: desculpem, não posso ser breve.
Feitas as negativas, pretendo propor à discussão algumas pistas para que pudéssemos elevar nossa taxa interna de poupança.
E tenho pra mim que o centro desta institucionalidade nova tem a ver
com a forma como organizamos nosso modelo tributário, com a forma com
que tratamos nossa lógica previdenciária, com o modo como organizamos
nosso mercado de capitais, com o formato tosco de nossa contabilidade
pública, e, em última análise, com a cultura de parcimônia e austeridade
que nos falta amplamente, na vida privada e, especialmente, na vida
pública.
Do mais simples, embora nada trivial, ao mais complexo.
A contabilidade pública. À falta de qualquer planejamento, de curto
prazo que seja, a conta pública brasileira é feita pelo ano fiscal que
coincide com o ano civil. E nos obrigamos como dogma de fé – depois das
sucessivas maluquices do período de Fernando Henrique – a produzir ex ante ,um
superávit primário calculado pela simples diferença entre o que
arrecada o governo e o que gasta, exceto serviço da dívida. Ponto.
É hora já de corrigirmos esta absoluta falta de senso. Um exemplo
melhor que mil palavras: manter preventivamente um quilômetro de estrada
custa de 10 a 15 mil dólares por ano. Não o fazemos por “economia”. Aí
deixamos as estradas federais se destruírem, matar pessoas, encarecer
por 4 vezes o custo do frete rodoviário do País em comparação com o
concorrente internacional, para reconstruir a mesma estrada, quatro anos
depois, por 200 mil dólares o quilômetro – ou seja, economizamos na
melhor hipótese, 60 mil dólares para nos obrigarmos a gastar 200 mil
dólares. Que economia é esta?
Foi assim no apagão do setor elétrico, é assim na contabilidade dos juros (o maior gasto corrente do País).
Com a paciência de meus queridos leitores, vamos continuar nesta
tecla pelos próximos textos, se uma conjuntura comovente não nos
interromper.
Carta Capital
quinta-feira, 10 de maio de 2012
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