Paulo Moreira Leite
Se você já viu pessoas preocupadas com o tamanho das penas do mensalão, é bom prestar atenção numa coisa.
Tanto Dirceu como Genoíno já foram presos durante a ditadura militar.
Eram considerados perigosíssimos por um regime que não respeitava as
liberdades nem os direitos fundamentais.
Nenhum cumpriu pena semelhante às que podem receber agora, nesta
semana em que o STF volta a definir as penas dos réus do mensalão.
Temos réus, como Marcos Valério, condenados a 40 anos. Um de seus
sócios, Ramon Hollerbach, já chegou a 14 anos. Não sabemos até onde isso
vai chegar.
(Francamente: nem Suzana Richthofen, que matou o pai e a mãe e fugiu
com o namorado para o motel pegou pena tão larga. Nem o Nardoni,
condenado por jogar a filha da janela do sexto andar.)
A maioria dos estudiosos calcula que as penas de José Dirceu podem
chegar ao infinito. Ele foi condenado 9 vezes por corrução ativa. Se
pegar a pena mínima 9 vezes, já são 18 anos. Dirceu também foi condenado
por formação de quadrilha. No ambiente de quem condena mais que tem
animado debates que poderiam ser mais sóbrios, é difícil imaginar até
onde os ministros podem ir.
Muitos observadores calculam que José Genoíno pode ser condenado a 12 anos.
São penas duríssimas, como você já deve ter reparado. Estamos
falando da privação de liberdade de pessoas contra as quais não há assim
provas “robustas”, para empregar uma linguagem de quem é especialista.
Estamos no mundo do plausível, do acredito, do só pode ser assim.
Mas também estamos numa democracia, onde todos tem direito a uma
defesa e merecem ser considerados inocentes até prova em contrário, não é
mesmo?
Não deixa de ser curioso reparar o que aconteceu com Dirceu e Genoíno, quando foram presos pelo regime militar.
Acusado de integrar o “núcleo político” do mensalão, Genoíno tinha lá
sua hierarquia em 1972, quando foi preso na guerrilha do Araguaia. Foi
acusado de ser “coordenador e chefe do grupo de guerrilheiros” da
região da Gameleira. Esperou três anos para ser julgado e, no fim,
recebeu a pena máxima. Sabe quanto? Cinco anos.
Na sentença, os juízes militares ainda tiveram o cuidado de explicar
que uma pena tão elevada se devia à “periculosidade do criminoso e não
do crime.” Contribuiu para a severidade da pena o fato de que Genoíno
denunciou ter sido torturado na prisão.
Considerou-se que isso ajudava a definir Genoíno como “fanático guerrilheiro e político perigosíssimo.”
Depois de cumprir três anos de cadeia, Genoíno tentou transformar a
pena restante em liberdade condicional. Não conseguiu e ficou preso até o
último dia.
José Dirceu foi preso no Congresso da UNE, em Ibiúna, e só recuperou a
liberdade porque, no ano seguinte, foi incluído no grupo de presos
políticos trocados pelo embaixador Charles Elbrick. Até então, já havia
ficado um ano na prisão, sem julgamento.
Não interessava a ditadura levar Dirceu para o banco dos réus. O plano era que ficasse ali, no puro arbítrio.
O único crime de que poderia ser acusado era de tentar reorganizar
“entidade extinta”, o que não era grande coisa pelos parâmetros da
ditadura. Teve gente condenada por isso que pegou seis meses de prisão.
Era tão pouco tempo, na época, que a maioria já tinha cumprido a pena
antes do julgamento.
A pena de banimento de Dirceu, anunciada depois que foi trocado pelo embaixador, durou nove anos.
Metade da pena que poderá receber caso o STF aplique a pena mínima para as nove condenações por corrupção ativa – apenas.
E é claro que, no STF, estamos assistindo a um julgamento político.
Como os julgamentos da auditoria militar, num tempo em que o Supremo
convivia subjugado com um tribunal que usurpava a mais nobre das funções
de um juiz, que é fazer o justo sem ameaçar a liberdade.
Não acho que a Justiça militar seja exemplo de coisa alguma para
alguma coisa. Tolerava a tortura, fingia não enxergar execuções, agia
com docilidade perante a ditadura. Julgava com provas sem valor legal,
pois obtidas sob tortura.
Mas é lamentável constatar que nem um regime que não tinha o menor
compromisso com a democracia, considerando-se no direito de suspender as
liberdades públicas para combater a “subversão e a corrupção,” aplicou
penas tão duras. Uma ditadura, como sabemos, trabalha na lógica da
presunção da culpa.
E vamos combinar. De armas na mão, vivendo no meio de agricultores
miseráveis do interior do Pará, não havia como negar que Genoíno
estivesse envolvido na guerrilha.
Dirceu era candidato a presidente da UNE, fora presidente da UEE. Sua
prisão, em Ibiuna, foi um flagrante, digamos assim. A lei era
arbitrária, pois proibia uma entidade legítima. Mas a prova existia,
certo?
E aí chegamos ao Supremo, em 2102. Temos penas máximas, contra provas mínimas.
Nenhuma história contra José Dirceu fechou. Até agora estão
investigando o Banco Central para ver se aparece alguma coisa a mais na
atuação de Marcos Valério. Já se passaram sete anos…
Contra José Genoíno, tem-se a dedução de que o pedido de empréstimo
que assinou era fajuto. Mas o empréstimo estava lá, registrado, foi
renovado, mais uma vez, e outra.
Um ministro já comparou os envolvidos no mensalão com o Comando
Vermelho e com o PCC. Outro, falou que eles queriam dar um golpe de
Estado. Mais de uma vez, entre uma sentença e outra, ouviram-se ironias
sobre o Partido dos Trabalhadores, e até insinuações que envolviam Dilma
Rousseff.
Que dosimetria, não?
Paulo Moreira Leite
Revista Época
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