publicado em 11 de novembro de 2012 às 11:28
Participação no comando do mensalão tem de ser provada, alertou Claus Roxin há duas semanas em seminário no Rio de Janeiro
Jurista alemão repreende STF pelo mau uso de sua “Teoria do Domínio de Fato”
CRISTINA GRILLO
DENISE MENCHEN
DO RIO, na Folha/UOL
Insatisfeito com a jurisprudência alemã –que até meados dos anos 1960
via como participante, e não como autor de um crime, aquele que
ocupando posição de comando dava a ordem para a execução de um delito–, o
jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só
quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e
faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.
Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF
(Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos
fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José
Dirceu.Roxin diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que
haja indícios de que ela possa ter ocorrido.
“Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem.
E isso deve ser provado”, diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas
participando de seminário sobre direito penal.
Folha – O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin - O que me perturbava eram os crimes do
nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado
aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um
delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria
a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas
conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta
militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que
governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados
os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no
estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão,
que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema
do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990
e 2000].
É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um
acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição
hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma
organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem.
Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o
domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever
de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso
do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou
os sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui
também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas
suficientes. O problema é que isso nãocorresponde ao direito. O juiz não
tem que ficar ao lado da opinião pública.
PS do Viomundo: Conversei há pouco com um importante jurista que me lembrou que o ministro Ricardo Lewandowski já tinha alertado o Plenário do STF, durante a condenação de José Dirceu, de que o pensamento de Claus Roxin estava sendo distorcido. “Agora, o próprio Roxin desautorizou o Supremo”, frisou. Conceição Lemes
Viomundo
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