Não foi uma simples derrota de Joaquim Barbosa a votação de ontem, no Supremo Tribunal Federal, em que os advogados de defesa conseguiram dobrar, de cinco para dez dias, o prazo para apresentação dos primeiros embargos; o presidente da corte só teve seu único voto, numa divergência aberta pelo ministro Teori Zavascki e seguida por todos os colegas ali presentes; temor dos ministros é configurar, com a pressa de Barbosa, um tribunal arbitrário e refratário ao direito de defesa; jornalistas experientes, como Tereza Cruvinel e Janio de Freitas, já enxergam um novo horizonte para o julgamento
247 - Será que despontaram os primeiros sinais de um novo horizonte para a defesa no julgamento da Ação Penal 470? É o que enxergam experientes analistas da cena política, como os jornalistas Janio de Freitas, colunista da Folha, e Tereza Cruvinel, colunista do Correio Braziliense e ex-presidente da Empresa Brasileira de Comunicação. A constatação ocorreu ontem, no julgamento em que os advogados de defesa conseguiram dobrar o prazo, de cinco para dez dias, para apresentação dos primeiros embargos em defesa dos réus. Joaquim Barbosa, que negava e continuou negando todos os pedidos da defesa, perdeu de goleada e foi derrotado por oito votos a um, numa divergência aberta pelo novato na corte Teori Zavascki, que foi seguido por todos os colegas – Barbosa ficou isolado.
A derrota do presidente da corte, no entanto, foi cavada
por ele próprio. Antes do julgamento em plenário, seus próprios colegas
pediram a ele que concedesse mais prazo, para evitar a percepção de que
Barbosa conduz um julgamento de exceção, num tribunal arbitrário, que
desrespeita direitos consagrados na Constituição. O ministro não ouviu
os conselhos, submeteu a questão ao plenário e levou o que cronistas
esportivos, no futebol, chamam de "chocolate".
Sua pressão tem sido questionada por juízes, como Nelson
Calandra, da Associação de Magistrados do Brasil, que desconfia até que
Barbosa tenha motivações e interesses políticos. Jornalistas mais
experientes começam a enxergar um ponto de inflexão. É o caso de Tereza
Cruvinel, colunista do Correio Braziliense, e Janio de Freitas, da
Folha.
Leia, abaixo, a observação de Cruvinel, em sua coluna de hoje:
Inflexão no STF
Foram oito ministros contra o presidente do STF, Joaquim
Barbosa, a favor da duplicação do prazo de recurso, de 5 para 10 dias,
para os réus do mensalão. O que houve ontem no STF pode refletir o que
andam dizendo alguns advogados de defesa: que a unidade absoluta do dias
do julgamento se trincou. Alguns ministros teriam se dado conta de
falhas e de excessos cometidos.
Com o novo prazo, os advogados poderão formular embargos
declaratórios mais consistentes. Estes são os recursos cabíveis agora.
Depois de julgados é que serão apresentados os embargos infringentes,
cabíveis quando pelo menos quatro ministros não seguiram a maioria na
condenação.
Eles agora estão trabalhando em maior sintonia, mirando as
teses do julgamento e não a defesa individual dos clientes, o que não
deu resultados. Uma das teses, a de que houve desvio de recursos
públicos, será contestada com documentos dos autos que foram
praticamente ignorados. Entre eles, as peças publicitárias e notas
fiscais de veículos de comunicação atestando a veiculação de campanha
dos cartões Ourocard/Banco do Brasil, com recursos do Visanet, pela
agencia DNA, bem como de campanhas da Câmara, executadas pela agencia
SMP&B. A revista Retrato do Brasil publicou cópias desses documentos
em seu número de março. O julgamento dos embargos confirmará, ou não,
se houve mesmo quebra da hegemonia no Supremo, em parte alimentada pelos
antagonismos internos.
E também o comentário de Janio de Freitas, na Folha:
Vozes da divergência
Revela-se, no Supremo, a preocupação sobre a apropriação excessiva do poder por um ministro
A aparente serenidade no Supremo Tribunal Federal dilui-se
e, em seu lugar, apareceram as divergências e os sinais da tensão que
antecede a nova etapa da ação 470, ou julgamento do mensalão.
O surgimento simultâneo ontem, em diferentes publicações,
de revelações de três ministros do STF sobre sua discordância com o
ministro Joaquim Barbosa estava longe de ser apenas coincidência.
Indicava, isso sim, a percepção conjunta da necessidade dessas atitudes
públicas. A concessão, por oito a um, do dobro do prazo para
apresentação dos últimos recursos pelas defesas explica parte das
divergências expostas. Mas ainda há o complemento, com o tratamento a
ser dado aos recursos finais.
Na afirmação, feita pelos três ministros, de que a Joaquim
Barbosa não cabe decidir sozinho um agravo interposto contra ele
próprio, revelava-se a preocupação instalada no STF: a apropriação
excessiva do poder por um ministro, a ponto de até decidir em causa
própria um agravo contra ele, além de relegar atribuições do plenário,
implicaria, provavelmente, em restrição ao pleno direito de defesa.
Ninguém esperava que Joaquim Barbosa concedesse o prazo pedido pelas
defesas, como não concedeu ontem, com seu voto negativo.
Os ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e um
terceiro, que pediu a omissão do nome, não foram os únicos a externar
tal preocupação. O ministro Celso de Mello os precedera, com opinião
similar. Mas é certo que a divergência já incluía ao menos outras duas
vozes do tribunal.
As divergências e a tensão agora constatáveis explicam,
por exemplo, a ansiedade do ministro Gilmar Mendes pela conclusão rápida
da ação 470, com o argumento sem sentido de que "o Brasil não pode
continuar refém desse julgamento". E ainda, como a Folha noticiou ontem,
com sua declaração de que "é no mínimo naífico [ingênuo]" crer que os
recursos das defesas possam mudar decisões do Supremo.
Se não há tal possibilidade, de que serviria o direito
constitucional aos recursos? Pelo visto, só para mostrar que o juiz
Gilmar Mendes já prejulgou as novas defesas. Caso o ilustre ministro
admita esclarecer a plebe a respeito, não precisa fazer cerimônia no uso
do seu patético pedantismo vocabular. A plebe também sabe ir ao
dicionário.
247
Nenhum comentário:
Postar um comentário