Assim
como na inflação do tomate, há mais um movimento orquestrado nos meios
de comunicação; a moda, agora, é dizer que o PT e a presidente Dilma
atentam contra a democracia; o que parecia apenas uma tomatada
ideológica na revista Veja do fim de semana, já ganhou a adesão de
Ricardo Noblat, de Reinaldo Azevedo e de Dora Kramer, em suas colunas, e
de João Roberto Marinho, em editorial do Globo; no Brasil de hoje, ter
ampla base de apoio parlamentar e exercê-la virou sinônimo de ditadura,
quase um crime; enquanto isso, democrático parece ser recorrer ao
Judiciário para reverter decisões tomadas pela maioria do Congresso
Nacional
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Parecia apenas mais uma tomatada ideológica da revista Veja. No fim de
semana, sob o título "A República Bolivariana do Brasil", a publicação
acusava o PT de tentar esmagar a democracia no Brasil. Tudo porque o
deputado Nazareno Fonteles (PT-PI) havia apresentado, dois anos antes,
uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 33, que amplia o quórum
para que o Supremo Tribunal Federal tome algumas decisões relacionadas a
Ações Diretas de Inconstitucionalidade. O objetivo, em vez de combater a
separação entre os poderes, cláusula pétrea da Constituição Federal, é
justamente fortalecê-la, uma vez que o STF tem sido useiro e vezeiro em
invadir a seara alheia, anulando, muita vezes de forma liminar, decisões
tomadas pela maioria do Parlamento. Por isso mesmo, o projeto, relatado
pelo deputado tucano João Campos (PSDB-GO), foi aprovado na Comissão de
Constituição e Justiça, da Câmara dos Deputados.
No entanto, o que deveria
ser apenas um projeto a mais em tramitação no Congresso Nacional deu
vazão a um discurso histérico contra o PT – e a mais uma agressão
institucional contra o parlamento, cometida pelo ministro Gilmar Mendes,
que, numa liminar, impediu a tramitação de um projeto sobre fidelidade
partidária aprovado pela Câmara dos Deputados. Agindo politicamente,
Gilmar condenou a decisão dos parlamentares, como se, numa democracia,
fosse crime ter maioria parlamentar e exercê-la.
O problema é que a
imprensa tradicional, em vez de criticar a decisão de Gilmar, que poderá
ser corrigida pelo plenário do STF em maio, tem-se concentrado em
espalhar a tese do bolivarianismo. Ontem, Ricardo Noblat, colunista do
Globo, acusou o PT e a própria presidente Dilma Rousseff de patrocinarem
golpes contra a democracia (leia mais aqui).
Hoje, Reinaldo Azevedo afirma que o PT inveja a Bolívia, onde Evo
Morales conseguiu autorização para concorrer a um terceiro mandato (leia
aqui).
E o mais curioso é que nem Lula, nem Dilma jamais mexeram nas regras
eleitorais. Foi FHC quem aprovou a emenda da reeleição e é agora Aécio
Neves quem pretende acabar com ela, porque assim terá condições de
costurar um pacto com Eduardo Campos.
O rótulo "bolivariano"
inspirou também a colunista Dora Kramer, do Estadão, que, a pretexto de
comentar o documentário "O Dia que durou 21 anos", sobre a ditadura
militar, alerta para o risco que o PT hoje representaria para a
democracia. E fez também o jornal O Globo afirmar, em editorial, que o
"bolivariano" Partido dos Trabalhadores tenta arrancar cláusulas pétreas
da Constituição Federal.
Leia abaixo o artigo de Dora:
O Dia que Durou 21 Anos é
um documentário para ser visto e compreendido em duas dimensões, a
explícita e a implícita. Trata da influência do governo dos Estados
Unidos no golpe militar de 1964, mas não é só isso.
Subjacente às urdiduras
norte-americanas no Brasil, o argumento do jornalista Flávio Tavares
confere nitidez à linha tênue que separa as palavras ditas das intenções
pretendidas quando o nome do jogo é Poder.
No filme, Newton Cruz, um
dos mais coléricos personagens do período, diz uma frase que surpreende
pela autoria e deixa patente a diferença entre o discurso de defesa da
democracia que justificou a conspirata para derrubar João Goulart e a
prática que logo revelaria o intuito de instalar uma ditadura militar
longeva no País.
"Disseram que iriam
arrumar a casa, mas ninguém leva 20 anos para arrumar uma casa", aponta o
aposentado general quase ao final dos 77 minutos de projeção. Para além
do relato em si, a constatação convida o pensamento a passear pelo
terreno das razões alegadas e dos métodos utilizados por aqueles com
vocação autoritária.
Gente refratária ao
contraditório, obstinada na perseguição de seus objetivos, convicta de
que seus fins justificam o emprego de quaisquer meios e, sobretudo,
partidária da ideia de que alternância no exercício do poder é
praticamente um crime de lesa-pátria.
O procedimento mais
tradicional observado nesses grupos é o uso da força, a truculência sem
ambiguidades, a ilegalidade impudente. Assim foi a partir daquele dia de
março/abril do qual se ouvirá falar muito, junto com Copa e eleições,
em 2014 por ocasião da passagem de seu meio século.
Há, porém, outras
maneiras de o autoritarismo se expressar. Ladinas, sorrateiras, mas
sempre ao abrigo do discurso de defesa de ideais democráticos. Ambas as
formas são perigosas, mas a segunda pode ser mais ruinosa justamente
porque não ataca de frente preferindo comer o mingau pelas beiradas.
Persistentemente,
construindo o cerco à atuação dos adversários, o enfraquecimento das
instituições e a debilitação dos instrumentos de guarda da legalidade,
nos detalhes. Um aqui, outro ali, sem nunca descuidar de distribuir
benesses pontuais e promover uma sensação geral de bem-estar a fim de
que seus propósitos não despertem reações.
E, se despertarem, que
possam ser atribuídas aos invejosos, aos conspiradores, aos
preconceituosos, aos inimigos do povo, aos que não se conformam com o
êxito dos locatários do poder que pretendem dele se tornar
proprietários.
De onde é preciso estar
atento. Não se deixar confundir nem iludir. Nunca menosprezar gestos
aparentemente laterais, insignificantes, pitorescos até.
Nada tem de inocente a
proposta apresentada por um deputado supostamente secundário do PT para
que se derrube o pilar do sistema republicano de equilíbrio entre
Poderes e se submetam decisões da Corte Suprema ao crivo do Legislativo
ou de plebiscitos.
Não houvesse imprensa
livre para denunciar e Judiciário independente para reagir, a proposta
poderia prosperar. Se hoje tivéssemos o conselho de controle e
fiscalização dos meios de comunicação proposto no início do primeiro
mandato de Lula, se os ministros indicados por governos do PT ao STF
tivessem se curvado à lógica de que à indicação deveria corresponder
conduta submissa, talvez a ideia do deputado Nazareno não fosse tratada
como a ignomínia que é.
De onde é preciso prestar
muita atenção à tal de Comissão Especial de Aprimoramento das
Instituições instalada em novembro na Câmara por iniciativa do PT, com a
tarefa de rediscutir os papéis do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Disso já trata a Constituição que, uma vez respeitada, cuida bem de manter afastados do Brasil os males do arbítrio.
Leia ainda o editorial do Globo:
Fúria legiferante do PT passa por cima da boa tradição jurídica, e flerta abertamente com o modelo bolivariano
Temporariamente esfriada a
tensão entre o Congresso e o Supremo, continuam a germinar na beira do
campo propostas que visam a constranger o STF, culpado da ousadia
imperdoável que foi o julgamento do mensalão. Desde julho de 2012,
existe uma entidade criada pelo ex-presidente da Câmara, Marco Maia, que
atende pelo sugestivo nome de Comissão Especial de Aprimoramento das
Instituições Brasileiras. A ela foi entregue, pelo sucessor de Maia — o
deputado Henrique Alves —, o nada modesto projeto de “delimitar o
terreno do Executivo, do Legislativo e do Judiciário”.
Qualquer pessoa de
bom-senso imaginaria que isto é função de uma Assembleia Constituinte.
Mas não há limites para a imaginação de alguns legisladores do PT — como
o deputado Nazareno, que surgiu de capa e espada, dentro da Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara, para alterar os pesos e medidas do
nosso sistema institucional.
Agora temos outro
legislador-mor: é o deputado Rogério Carvalho (PT-SE), relator da
mencionada Comissão de Aprimoramento das Instituições Brasileiras. Para
ele, a fixação de limites e competências dos Poderes é o “debate
central” da comissão (pensava-se que esses limites e competências já
estariam inscritos na letra da Constituição).
A intenção do deputado,
explicada antes mesmo de qualquer debate, é fortalecer os poderes
eleitos (Executivo e Legislativo), sob o argumento de que o julgamento
das urnas proíbe a formação de “instituições absolutistas”. A essa pecha
submete o deputado a antiga ideia de Montesquieu, a do equilíbrio dos
poderes. O que o deputado pretende é exatamente desmanchar esse
equilíbrio recorrendo ao voto popular. Modelo que o chavismo praticou
até arrasar com as instituições venezuelanas.
Sociedades, com certeza,
não são mecanismos estáticos. Pode haver o desejo de adaptar o texto
constitucional a novas necessidades. Mas há limitações para isso,
destinadas a evitar uma deformação contínua do tecido constitucional. O
exemplo extremo é o dos EUA, cujo texto constitucional mantém-se
impávido há 200 anos.
Segundo uma sábia
tradição, o poder de reforma não é o mesmo que o poder constituinte
original. Exemplo disso são as famosas cláusulas pétreas, que não podem
ser modificadas. Sua função é prevenir um processo de erosão da
Constituição. Pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios a cada
momento destruam um projeto duradouro. Assim, diz o artigo 60 da
Constituição brasileira: “Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir a forma federativa, o voto direto, secreto,
universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias
individuais”. Os legistas do PT precisam ler a Constituição.
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