O bom combate
O velho Brizola, numa reunião de campanha eleitoral, em 1989, na casa
de Chico Buarque, quando lhe perguntaram o que faria ao chegar ao
poder, disse naquele estilo desconcertante que o marcava:
- Vou consultar os poetas!
Creio que ali, como em tantas outras vezes, ele fazia uma síntese do
que era dar a um desejo, um sentimento, um amor, a uma crença, a forma
trabalhosa e burilada de um trabalho, de algo que exige ferramentas,
habilidades e suor, sem prescindir jamais do sonho.
A política, para os que crêem nela como forma de materializar o desejo humano, é igualmente assim.
Requer trabalho, esforço, arrependimento, exige riscos e rabiscos para que vá tomando sua forma.
Frequentemente está aquém dos sentimentos imensos que se busca expressar.
Mas está sempre muito, muito além da simples e bruta enunciação de intenções.
Porque – viva o poeta! – há distância entre intenção e gesto.
O gesto político está para a vontade de mudar como o verso está para o sentimento.
É o que conduz, de forma harmônica e inteligível, a mudança, aquilo
que a torna compreensível, o que a permite ser sentida, desejada: é o
que a simboliza e concretiza.
Fizemos aqui, ao longo de quase três anos, o combate no chão raso.
Sempre em movimento, sempre temerário, sempre arriscado e, sobretudo,
sempre abandeirado dos melhores sonhos de liberdade, justiça e
progresso para o Brasil.
E que bom combate, esse!
Dele sai-se, às vezes, em farrapos e com muitos arranhões, mas com os olhos brilhantes e apaixonados.
É do conhecimento de todos que Brizola Neto assume, nesta quinta-feira, o cargo de Ministro do Trabalho.
O combate agora é em outro plano, já não é o raso. É complexo, tem
outras tarefas, e ele explicará tudo aqui no blog, amanhã, antes da
posse.
São novas formas para o mesmo desejo de mudança, novos versos para os mesmos sentimentos.
É a sua sina, com o peso e a responsabilidade do sobrenome que carrega com orgulho e dignidade.
Esse colaborador do guri que vi se transformar em um homem maduro, de
caráter forte e temperamento suave, segue com ele, para carregar a
mochila de experiências e aprendizados que recolhi todos os dias dos
mais de 20 anos que caminhei ao lado de seu avô.
Não é o que queria, mas é o meu dever. E do dever não se foge.
Interromper o Tijolaço é doloroso, mas necessário.
A função pública que ele assume não permitirá que o blog, mesmo
escrito apenas por mim – como já vem sendo feito há tempos – evite que
sobre ela respinguem os reflexos de um espaço que foi e sempre será o
blog do Brizola Neto.
Quem leu destes dois últimos dias sabe que é a ele que se atribui o
que aqui se disse, mesmo quando escrevo e assino os posts. Não se passou
o primeiro dia sem que se revelasse a fúria e o despeito com que vêem
um Brizola, mesmo apenas o neto, sendo parte de um Governo popular e
trabalhista.
Porque, mais do que ele pessoalmente possa representar, o simbolismo
dessa unidade incomoda aos que temem que o passado e o presente se unam
para parir o futuro.
Ele, portanto, está correto, porque agora é sobre o Governo a quem servirá como Ministro que repercutirá o que se fizer aqui.
Mas, na medida em que puder e em outros espaços, este índio velho aqui vai seguir fazendo mais do mesmo que fez a vida inteira.
Teimosia ou ideologia, pouco importa, quem nasce com lado, com lado deve viver, cumprindo a profecia do anjo torto de Drummond.
E enquanto durar a vida, lutar o bom combate, onde a palavra é arma
dos sentimentos. E lembrando os versos de Rafael Alberti, em seu “Poetas
Andaluzes”:
Cante alto, ouvireis que outros ouvidos ouvem
Olhe para o alto, vereis que outros olhos olham
Pulse alto, sabereis que outro sangue pulsa
Não és mais fundo o poeta encarcerado em seu porão
Seu canto ascende ao mais profundo, quando se eleva no ar
E já é o canto de todos os homens.
Viomundo
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