Duas sentenças recém saídas relativas à mídia reforçam a imagem de caos, desconexão e incoerência torrencial da justiça brasileira.
Você tem a impressão de que está em dois países distintos, vendo as duas sentenças.
Numa, a Carta Capital e o jornalista Leandro Fortes foram condenados a pagar indenização de 30 mil reais por danos morais a Renato Parente, um assessor de imprensa que já trabalhou para figuras do STF como Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello.
O juiz Júlio Roberto dos Reis, da 25ª Vara Cível de Brasília, afirmou que uma reportagem de Fortes “não economizou no tom ofensivo e subreptício em relação à idoneidade de Parente”.
A reportagem da Carta Capital, a rigor, nem era sobre Parente, mas sobre a Fundação Renato Azeredo. O texto afirma que a fundação “faturou 212,1 milhões de reais de verbas repassadas diretamente do governo de Minas, graças a contratos firmados em gestões tucanas, duas de Aécio Neves e, desde o ano passado, a de Antonio Anastasia”.
A reportagem tenta estabelecer um vínculo entre Parente e a fundação, e o juiz entendeu que não foi apresentado nada conclusivo que provasse algum elo.
“O direito e dever de informar da imprensa (…) encontra limites na vedação do abuso do direito ou do ataque à honra e dignidade de qualquer pessoa, de qualquer posição social, sem lastro em fonte idônea ou sem amparo probatório mínimo”, disse o juiz.
Agora examinemos o segundo caso. Informou o site de notícias judiciais Conjur:
A Justiça de São Paulo rejeitou mais um pedido de indenização do senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL) contra a Editora Abril e o jornalista Augusto Nunes, colunista da revista VEJA.
(…) Collor alegou que foi ofendido em um texto de Augusto Nunes publicado no blog do jornalista. Diz o ex-presidente que os termos “bandido”, “chefe de bando” e “farsante” foram empregados com o intuito de denegrir seu nome.
(…) Na sentença, a juíza Andrea Ferraz Musa, da 2ª Vara Cível do Foro de Pinheiros, disse que, em um estado democrático, o jornalista tem o direito de exercer a crítica, ainda que de forma contundente.
(…) No pedido de indenização, Collor alegou que foi absolvido de todas as acusações de corrupção pelo Supremo Tribunal Federal e que há anos vem sendo perseguido pela Abril.
A juíza, entretanto, considerou irrelevante a decisão do STF. “As ações políticas do homem público estão sempre passíveis de análise por parte da população e da imprensa. O julgamento do STF não proíbe a imprensa ou a população de ter sua opinião pessoal sobre assunto de relevância histórica nacional”, justificou.
Um momento: a juíza decidiu que é irrelevante uma decisão de tamanha gravidade do Supremo? Collor ter sido absolvido não significa nada? Os jornalistas podem então continuar a chamá-lo de “bandido”, como Augusto Nunes?
Reflita.
Entre os juízes do STF que absolveram Collor estava Celso de Mello. O próprio Augusto Nunes, com seu gongorismo caipira de Taquaritinga, escreveu o seguinte sobre Mello quando correu o rumor de que ele se aposentaria.
“No julgamento do mensalão, esse paulista de Tatuí lavou a alma dos brasileiros decentes com votos que não se limitaram a reafirmar que ainda há juízes num país em decomposição moral. O desempenho do ministro mostrou que, enquanto existir um Celso de Mello no Supremo, os liberticidas que lutam pela captura do Estado Democrático de Direito não passarão.”
E então chegamos à seguinte conclusão: Celso de Mello, o maravilhoso Celso de Mello, é bom quando condena os criminosos do mensalão e não vale nada quando absolve, por falta de provas, Collor.
A “grande” mídia brasileira é bisonha e bizarra. Mas a justiça é ainda mais, como se vê neste duplo caso em que ela julgou a mídia e tomou rumos opostos.
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