No dia em que for contada a história verdadeira dos fatos cuja versão
predominante prestou-se ao chamado julgamento do mensalão, entre outros
possíveis personagens novos estará ao menos um que, por si só, muda a
configuração e a essência da história conhecida.
Duas observações urgentes aqui. A primeira é de que não me refiro a Lula, como o personagem de relevância especial.
A outra é a de que não conheço os fatos completos. A partir de duas
inserções breves e bastante sutis, que me foram dirigidas em conversas
diferentes há poucos meses, passei a rever muitas anotações feitas desde
o começo do caso mensalão, interrogatórios, depoimentos e conversas
memorizadas ou com pontos focais por mim registrados. Nada de
excepcional no trabalho de jornalismo.
Como também consigo ser sutil às vezes, foi desse modo que testei minha
constatação com um dos que poderiam derrubá-la. Sobreviveu. E, se não
posso expô-la por motivo legal, basicamente falta de prova objetiva e
firme, posso dizer com convicção: a cada vez que cruzarem a porta de sua
reclusão, José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares estarão levando o
segredo de um nome e de fatos que não quiseram mencionar. Ou, na
linguagem vulgarizada pela ditadura, não quiseram entregar ou dedurar.
Os ministros do Supremo, como todos os juízes, julgaram o que foi
submetido ao seu conhecimento jurídico e, mais ainda, às suas
consciências. O mesmo não pode ser dito sobre a Procuradoria-Geral da
República, que teve a responsabilidade de reunir e passar ao STF as
informações e comprovações apuradas, as conclusões e suas acusações no
caso. Ficou muito por apurar e muito por provar. A quem tiver
curiosidade e paciência, sugiro começar pela leitura dos interrogatórios
da CPI dos Correios, onde se encontra, ligeira e não explorada, uma
pista (a primeira, creio) do que veio a ser um segredo por amizade, ou
por companheirismo, ou por ética pessoal, com os mesmos ônus nas três
hipóteses.
Civilização
Por falar no Supremo, sua sessão da semana passada sobre o mensalão não
foi apenas uma das mais tensas nesse processo de divergências
tensionantes. Voltou a ter ocasiões de hostilidade que desmoralizam o
Judiciário e sobretudo o próprio Supremo. Além de não menos
desmoralizantes posições como a recusa, com o argumento de que "é
preciso acabar com este julgamento", a reexaminar um erro grave: o réu
Jacinto Lamas foi condenado a pena maior do que o chefe dos seus atos,
este também autor de maior número das condenadas lavagens de dinheiro.
Isso pode ser justiça emanada do Supremo? E aquele é à altura de
ministros do Supremo?
Tão grande foi a balbúrdia da sessão do outrora dito "vetusto tribunal"
que ao fim o ministro Joaquim Barbosa não conseguiu dizer o que fora
decidido, e precisou adiar a proclamação. Impossibilidade e causa,
provavelmente, sem ocorrência, jamais, no velho Supremo.
Nada disso sequer motivado por questões relativas a petistas, como em
tantas vezes. Foi só desinteligência mesmo, em qualquer sentido da
palavra. Com os níveis de civilidade, entre a melhor educação e o seu
oposto absoluto.
OLÍMPICA
Uma exibição de eficiência real no Supremo. Na quarta-feira, a ministra
Cármen Lúcia movimentou o processo penal movido contra Fernando Collor,
passando-o ao revisor Dias Toffoli. Era um recorde. Na manhã daquele
dia, o "Globo" publicara a manchete "Collor está próximo de se livrar da
última ação no STF". Isto porque "o processo está parado no gabinete da
ministra Cármen Lúcia desde outubro de 2009 sem qualquer movimentação".
De quatro anos a algumas horas.
Tofolli não precisou de manchete, liberando prontamente o processo para
votação. Mas a verdade é que a sem-cerimônia com que alguns ministros
guardam determinados projetos, bem determinados, só é proporcional à
rapidez com que as manchetes os apressam.
(A manchete do "Globo" por certo contrariou um terceiro ministro).
IMPUNES
Os comentaristas que veem, no caso mensalão, "o fim da impunidade" e
outras maravilhas nacionais poderiam explicar o que se passa, então, com
o mensalão do PSDB, que se espreguiça desde 1998, já com prescrições
havidas e outras iminentes para seus réus. Também serve uma explicação
sobre o jornalismo e aquele processo.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha,
é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com
perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na
versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e
quintas-feiras.
Folha de S.Paulo
Folha de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário