Luis Orlando Carneiro
De
acordo com a manifestação das associações (AMB, Ajufe e Anamatra), o
atual presidente do STF e relator da ação penal do mensalão parte de
"percepções preconcebidas” e do pressuposto "de ser o único detentor da
verdade". Além disso, os juízes consideram “incabível” a comparação das
carreiras da magistratura e a do Ministério Público, já que o MP é a
parte responsável pela acusação no processo penal enquanto os juízes não
têm obrigação nem com a defesa nem com a acusação, mas "a missão
constitucional de ser imparcial", garantindo um processo justo.
É a
seguinte a nota assinada pelos presidentes da AMB (Nelson Calandra), da
Ajufe (Nino Toldo) e da Anamatra (Renato Henry Sant’Anna):
"A
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação dos Juízes
Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho (Anamatra), entidades de classe de âmbito nacional
da magistratura, a propósito de declarações do presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF) em entrevista a jornalistas estrangeiros, na qual
Sua Excelência faz ilações sobre a mentalidade dos magistrados
brasileiros, vêm a público manifestar-se nos seguintes termos:
1.
Causa perplexidade aos juízes brasileiros a forma preconceituosa,
generalista, superficial e, sobretudo, desrespeitosa com que o ministro
Joaquim Barbosa enxerga os membros do Poder Judiciário brasileiro.
2.
Partindo de percepções preconcebidas, o ministro Joaquim Barbosa chega a
conclusões que não se coadunam com a realidade vivida por milhares de
magistrados brasileiros, especialmente aqueles que têm competência em
matéria penal.
3. A comparação entre as carreiras da
magistratura e do Ministério Público, no que toca à “mentalidade”, é
absolutamente incabível, considerando-se que o Ministério Público é
parte no processo penal, encarregado da acusação, enquanto a
magistratura —que não tem compromisso com a acusação nem com a defesa—
tem a missão constitucional de ser imparcial, garantindo o processo
penal justo.
4. A garantia do processo penal justo,
pressuposto da atuação do magistrado na seara penal, é fundamental para a
democracia, estando intimamente ligada à independência judicial, que o
ministro Joaquim Barbosa, como presidente do STF, deveria defender.
5.
Se há impunidade no Brasil, isso decorre de causas mais complexas que a
reducionista ideia de um problema de “mentalidade” dos magistrados. As
distorções —que precisam ser corrigidas— decorrem, dentre outras coisas,
da ausência de estrutura adequada dos órgãos de investigação policial;
de uma legislação processual penal desatualizada, que permite inúmeras
possibilidades de recursos e impugnações, sem se falar no sistema
prisional, que é inadequado para as necessidades do país.
6.
As entidades de classe da magistratura, lamentavelmente, não têm sido
ouvidas pelo presidente do STF. O seu isolacionismo, a parecer que parte
do pressuposto de ser o único detentor da verdade e do conhecimento,
denota prescindir do auxílio e da experiência de quem vivencia as
angústias e as vicissitudes dos aplicadores do direito no Brasil.
7.
A independência funcional da magistratura é corolário do Estado
Democrático de Direito, cabendo aos juízes, por imperativo
constitucional, motivar suas decisões de acordo com a convicção
livremente formada a partir das provas regularmente produzidas. Por
isso, não cabe a nenhum órgão administrativo, muito menos ao Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), a função de tutelar ou corrigir o pensamento e
a convicção dos magistrados brasileiros.
8. A violência
simbólica das palavras do ministro Joaquim Barbosa acendem o aviso de
alerta contra eventuais tentativas de se diminuírem a liberdade e a
independência da magistratura brasileira. A sociedade não pode aceitar
isso. Violar a independência da magistratura é violar a democracia.
9.
As entidades de classe não compactuam com o desvio de finalidade na
condução de processos judiciais e são favoráveis à punição dos
comportamentos ilícitos, quando devidamente provados dentro do devido
processo legal, com garantia do contraditório e da ampla defesa.
Todavia, não admitem que sejam lançadas dúvidas genéricas sobre a lisura
e a integridade dos magistrados brasileiros.
10. A Ajufe,
a AMB e a Anamatra esperam do ministro Joaquim Barbosa comportamento
compatível com o alto cargo que ocupa, bem como tratamento respeitoso
aos magistrados brasileiros, qualquer que seja o grau de jurisdição".
Jornal do Brasil
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