Certas perguntas têm a força de mil respostas, e este é um caso.
Verônica Serra
Um título do site Viomundo, trazido ao Diário pelo atilado leitor e comentarista Morus, merece reflexão.
E se o filho de Lula fosse sócio do homem mais rico do Brasil?
Antes do mais: certas perguntas têm mais força que mil repostas, e este é um caso.
Bem, o título se refere a Verônica Serra, filha de Serra. Ela foi
notícia discreta nas seções de negócios recentemente quando foi
publicado que uma empresa de investimentos da qual ela é sócia comprou
por 100 milhões reais 20% de uma sorveteria chamada Diletto.
Os sócios de Verônica são Jorge Paulo Lehman e Marcel Telles. Lehman é
o homem mais rico do Brasil. Daí a pergunta do Viomundo, e Marcel é um
velho amigo e parceiro dele.
Lehman e Marcel, essencialmente, fizeram fortuna com cerveja.
Compraram a envelhecida Brahma, no começo da década de 1980, e depois
não pararam mais de adquirir cervejarias no Brasil e no mundo.
Se um dia o consumo de cerveja for cerceado como o de cigarro, Lehman e Marcel não terão muitas razões para erguer brindes.
Verônica se colocou no caminho de Lehman quando conseguiu dele uma bolsa de estudos para Harvard.
Eu a conheci mais ou menos naquela época. Eu era redator chefe da
Exame, e Verônica durante algum tempo trabalhou na revista numa posição
secundária.
Não tenho elementos para julgar se ela tinha talento para fazer uma carreira tão milionária.
Ela não me chamou a atenção em nenhum momento, e portanto jamais conversei mais detidamente com ela.
Mas ali, na Exame, ela já era um pequeno exemplo das relações
perigosas entre políticos e empresários de mídia. Foi a amizade de Serra
com a Abril que a colocou na Exame.
Depois, Verônica ganhou de Lehman uma bolsa para Harvard. Lehman,
lembro bem de conversas com ele, escolhia em geral gente humilde e
brilhante para, como um mecenas, patrocinar mestrados em negócios na
Harvard, onde estudara.
Não sei se Verônica se encaixava na categoria dos humildes ou dos
brilhantes, ou de nenhuma das duas, ou em ambas. Conhecendo o mundo como
ele é, suponho que ela tenha entrado na cota de exceções por Serra ser quem é, ou melhor, era.
Serra pareceu, no passado, ter grandes possibilidades de se tornar
presidente. Numa coluna antológica na Veja, Diogo Mainardi começou um
texto em janeiro de 2001 mais ou menos assim: “Exatamente daqui a um ano
Serra estará subindo a rampa do Planalto”. (Os jornalistas circularam
durante muito tempo esta coluna, como fonte de piada e escárnio.)
Cotas para excluídos são contestadas pela mídia, mas cotas para
amigos são consideradas absolutamente normais, e portanto não são
notícia.
Todos os filhos de políticos são iguais para a mídia , mas alguns são mais iguais que outros
Bem, Verônica agradou Lehman, a ponto de se tornar, depois de Harvard, sócia dele.
O nome dela apareceu em denúncias – cabalmente rechaçadas por ela – ligadas às privatizações da era tucana.
Tenho para mim que ela não precisaria fazer nada errado, uma vez que
já caíra nas graças de Lehman, mas ainda assim, a vontade da mídia de
investigar as denúncias, como tantas vezes se fez com o filho de Lula,
foi nenhuma.
Verônica é da turma. Essa a explicação. Serra é amigo dos
empresários de mídia. E mesmo Lehman, evidentemente, não ficaria muito
feliz em ver a sócia exposta em denúncias.
Lehman é discreto, exemplarmente ausente dos holofotes. Mas sabe se movimentar quando interessa.
Uma vez, pedi aos editores da Época Negócios um perfil dele depois da
compra de uma grande cervejaria estrangeira. Recomendei que os
repórteres falassem com amigos, uma vez que ele não dá entrevistas.
Rapidamente recebi um telefonema de João Roberto Marinho, o Marinho
que cuida de assuntos editoriais. João queria saber o que estávamos
fazendo.
Lehman ligara a ele desgostoso. Também telefonara a seus amigos mais
próximos recomendando que não falassem com os repórteres da revista.
Ninguém falou, até mais tarde Lehman autorizá-los depois de ver os bons
propósitos da reportagem.
Lehman patrocinou o curso em Harvard para Verônica e depois a fez sócia
A influência de Lehman sobre João Roberto se deve, é verdade, à
admiração que Lehman e seu lendário Grupo Garantia despertavam na
família Marinho.
Mas é óbvio que a verba publicitária das cervejarias de Lehman falam
alto também. Um amigo me conta que em Avenida Brasil os personagens
tomavam cerveja sob qualquer pretexto.
Isto porque as cervejarias de Lehman pagaram um dinheiro especial
pelo chamado ‘product placement’, ou mercham, na linguagem mais vulgar.
O consumidor é submetido a uma propaganda sem saber, abertamente, que
é propaganda. Era como se realmente os personagens tivessem sempre motivos para tomar uma gelada.
Verônica Serra, por tudo isso, esteve sempre sob uma proteção, na
grande mídia, que é para poucos. É para aqueles que ligam e são
atendidos pelos donos das empresas jornalísticas.
O filho de Lula não.
Daí a diferença de tratamento. E daí também a força incômoda, por
mostrar quanto somos uma terra de privilégios, da pergunta do site
Viomundo.
O jornalista Paulo Nogueira, baseado em
Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises
Diário do Centro do Mundo.
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