O tipo é bem conhecido. É aquele que anda em bandos para criar brigas
ferozes, não raro mortais, a caminho dos estádios e depois nas
arquibancadas. E arma brigas, não raro mortais, nas casas noturnas da
pesada. E agride gays, e sempre em bando destrói partes de ônibus e de
metrô, arrebenta nas ruas o que puder. A indumentária de todos é igual, o
aspecto de suor e sujeira é igual em todos, a linguagem comum a todos é
um dialeto da pobreza mental. São os exemplares mais completos da falta
de civilidade.
Esses são aos autores dos ataques, a prédios oficiais e outros alvos,
que se diz decorrerem da "insatisfação generalizada" da população. E
exprimirem o repúdio geral aos políticos, aos partidos e aos governos.
Uma semana antes da sociedade aproveitar a rejeição das novas passagens
para mostrar sua "insatisfação generalizada", o Datafolha mostrava Dilma
Rousseff capaz de vencer no primeiro turno qualquer combinação de
adversários, apesar da perda de oito pontos em sua aprovação.
Na véspera
daquela manifestação, o Ibope constatava o mesmo, com igual perda, mas
com maior aprovação.
Que uma das pesquisas errasse, seria admissível. Não as duas, com
indicações tão equivalentes e diferenças cabíveis nas margens de erro.
Nelas não aparece a "insatisfação generalizada", mas cabem ainda os
efeitos do Bolsa Família, dos ganhos do salário mínimo, do desemprego em
um dos níveis mais baixos do mundo (os Estados Unidos comemoram seus
7,6%, aqui é de 5,8% e estabilizado), ganho real na massa de salários, e
outros fatores que fazem uma reviravolta de melhorias em dezenas de
milhões de famílias.
A ideia de "insatisfação generalizada" facilitou aos que, perplexos com a
grandiosidade das manifestações, ainda assim precisávamos dar pretensas
explicações dos fatos. "Análises", dizem. Mas quais são as indicações
convincentes de tamanha e tão disseminada insatisfação, isso não foi
sequer sugerido.
A ser sugestiva de alguma coisa, a variedade temática dos cartazes
(relativamente pouco numerosos) talvez confirme a regra de que não há,
em lugar algum do mundo, classe social que não tenha do que se queixar
ou reivindicar. E aqui temos de sobra, não é o caso de desprezar a
oportunidade oferecida por uma iniciativa simpática e sem atrelamento
partidário.
Generalizante, entre nós, com toda a certeza, é a repulsa aos
congressistas. Mas nem isso faz o ataque ao Congresso ter mais do que as
características, todas, de mera arruaça. Se a baderna dos delinquentes
tivesse sentido político, haveria razões políticas, por exemplo, para o
seu ataque ao Ministério de Relações Exteriores. E não consta que alguém
fizesse o prodígio de encontrar alguma, uma que fosse.
O mesmo se pode dizer da depredação, no Rio, do sambódromo e do
Terreirão do Samba, de quase cem luminosos de trânsito, carros
particulares. Atos semelhantes em tantas cidades, e, em São Paulo, os
saques a que os meios de comunicação preferiram não dar a devida
atenção, exceto a TV Bandeirantes e, em parte, a TV Record. Saquear toda
uma joalheria de bom tamanho, a ponto de não deixar nem uma só peça,
nem é mais baderna desatinada.
A propósito, deve-se às PMs do Rio, de São Paulo e de Brasília que não
ocorresse o inimaginável na noite bárbara de quinta-feira. As três,
apesar de bastante agredidas, foram capazes de manter o autocontrole,
com erros apenas individuais e que não diminuem o mérito.
Em outro plano, mas na mesma linha de maturidade e bom senso, foi a
aliança decisória do governador Geraldo Alckmin e do prefeito Fernando
Haddad. Estão sendo capazes da rara grandeza de situar o interesse
público e situar-se acima do interesse político e partidário. O oposto
do oportunismo barato de Rui Falcão, presidente do PT, ao conclamar à
provocadora partidarização petista da passeata apartidária.
A atribuição desmedida de caráter político às passeatas, feita nos meios
de comunicação e oriundos de universidades, deu forte contribuição às
tensões propagadas e às dificuldades de decisão, antes e agora, dos
poderes públicos. Venha o que vier por aí, nas ruas, seria muito
proveitoso não confundir baderneiros com radicais e falta de civilidade
com protesto político.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha,
é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com
perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na
versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e
quintas-feiras.
Folha de São Paulo
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