16 de agosto de 2013
Como a estatal paulista ficou refém de gigantes como Siemens e Alstom.
Enquanto a imprensa divulga a formação de cartel para o
fornecimento de equipamentos e serviços para as empresas do chamado
sistema metro-ferroviário do Estado de São Paulo, a estatal paulista
CPTM saiu às compras, com dinheiro do contribuinte.
No dia 3 de julho de 2013, o Diário Oficial do Estado
publicou o aviso de homologação da concorrência número 8085132011. Com
esta publicação, sabe-se que a CPTM comprará de dois consórcios
internacionais 65 trens pelo valor de R$ 1,8 bilhão.
Esta é uma das maiores compras da história da empresa que
nasceu da fusão das estatais Fepasa, paulista, e CBTU, federal, em 1992,
no rastro de um programa que o governo do então presidente Fernando
Collor chamava genericamente de enxugamento da máquina pública.
Ao contrário do que ocorreu com outras empresas públicas, a
CPTM ficou sob controle do governo do Estado. “Não foi privatizada, mas
quem dá as cartas são empresas privadas e, pior, gigantes
estrangeiras”, diz Rogério Centofanti, psicólogo de formação, assessor
do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona
Sorocabana, que atua nesta área há mais de 30 anos.
“É como se o estado fosse o dono da vaca, mas quem mama são
empresas como a Siemens, a Alston e a CAF”, acrescenta Éverson
Craveiro, presidente do Sindicato.
Essa simbiose começou em 1997, quando, sob administração de
Mário Covas, o governo do estado aceitou a doação de 48 trens da Renfe,
a estatal espanhola de trens.
Segundo Craveiro, foi um presente de grego. “Os trens
tinham ar condicionado e música ambiente, mas, para os padrões europeus,
não serviam mais, iriam virar sucata”, conta o presidente do Sindicato.
Mas, como na história de Troia, os inimigos estavam
ocultos. Logo veio a conta. No acordo de doação, o governo do estado
concordou com uma cláusula de exclusividade: a reforma dos trens caberia
à Renfe. E havia necessidade de reforma.
O estado gastou, segundo Craveiro, quase o mesmo que o
valor de um trem novo. E permitiu a entrada de empresas estrangeiras ao
pátio da ferrovia paulista, até então ocupada majoritariamente por
empresas nacionais, entre as quais despontava a Mafersa.
O próprio Craveiro denunciou o caso à Justiça, através de
uma ação popular, que foi arquivada em razão da existência de outro
processo parecido, só que assinada por um deputado, Caldini Crespo, hoje
no DEM.
Caldini Crespo tinha uma ação contra o estado, mas
estranhamente, durante anos, exerceu influência política na CPTM e no
Metrô, nomeando afilhados para a diretoria das duas empresas.
Depois de disputar duas vezes a prefeitura de Sorocaba,
berço da ferrovia, Crespo saiu de cena sem conseguir se eleger, apesar
das campanhas milionárias.
O processo dele contra o estado também deu em nada, assim
uma investigação aberta na época pelo Tribunal de Contas do Estado, que
hoje tem entre seus conselheiros Robson Marinho, ex-chefe da Casa Civil
do governo Covas e denunciado pela justiça suíça como titular de uma
conta usada para receber propinas da Alstom.
“A CPTM se tornou um balcão de negócios do governo tucano”,
diz Centofanti, antes de entrar em detalhas da compra mais recente, a
de R$ 1,8 bilhão. No edital, a CPTM avaliou em R$ 23,7 milhões o preço
de um trem, mas a proposta mais barata foi de R$ 26,2 milhões, oferecido
pelo consórcio IESA/Hyundai.
Era um preço superior ao de referência, mas o menor entre
três propostas apresentadas.
Mesmo assim, o consórcio vendeu apenas
trinta dos 65 trens encomendados pela CPTM.
A maior parte – 35 trens — foi para o consórcio da espanhola CAF com a francesa Alstom, que cobrará R$ 28,9 milhões por trem.
Se não tivesse dividido a licitação em dois lotes, a CPTM —
com dinheiro do contribuinte paulista, repita-se –, compraria todos os
trens por cerca de R$ 1,5 bilhão.
Mas, em razão das estranhas regras do edital, a conta sairá por R$ 1,8 bilhão. Para onde vai essa diferença de R$ 300 milhões?
A IESA/Hyundai poderia ter ficado com toda a encomenda, já
que participou da licitação nos dois lotes. Curioso é que em um, o de
trinta trens, ela apresentou um preço mais baixo, e ficou em primeiro
lugar. No outro, o de 35 trens, ela apresentou um preço mais alto do que
a CAF/Alstom, ficando em segundo lugar.
É um indício de que houve acerto entre as empresas, mas a
CPTM, comandada pelo governo do Estado de São Paulo, em vez de suspender
a compra por suspeita de cartel, homologou a licitação assim mesmo.
Escandaloso também é que, há três anos, a CPTM, com
dinheiro do contribuinte paulista, comprou nove trens da Alstom por um
preço ainda mais alto: R$ 31,6 milhões cada um.
Segundo o sindicato, esses trens ainda não rodaram, por não
estarem adaptados para a obsoleta linha férrea da Grande São Paulo.
Estão no pátio da estação Presidente Altino, onde, até alguns meses
atrás, o sindicato ocupava um pequeno prédio. Foi despejado de lá depois
das denúncias feitas por Craveiro.
Entre outras coisas, ele dizia que os trens estrangeiros
que o estado compra não servem para as linhas da CPTM. “É necessário
fazer obras de infraestrutura. Quando colocamos esses trens para rodar, é
como se colocássemos um motor de Ferrari num Fusquinha. Dá pau. Esta é a
razão de tantas panes e acidentes no sistema”, diz Craveiro.
Na última sessão da CPI do Transporte realizada na Câmara
Municipal de São Paulo, uma burocrata do governo do Estado, Rosimeire
Salgado, coordenadora de Transportes Coletivos da Secretaria de
Transportes Metropolitanos, em cujo guarda-chuva se abriga a CPTM,
admitiu que a empresa precisa de maior capacidade de energia para fazer
rodar os trens adequadamente.
Para isso, é necessário fazer obras, mas são obras civis e
de engenharia, atividades fora do catálogo das gigantes Alstom, Siemens e
CAF.
Rosimeire atribuiu à falta de recursos o fato de não terem
sido realizadas essas obras de adaptação das linhas da CPTM – esta é uma
das razões pelas quais os trens aqui sacodem mais do que pipoca na
panela, enquanto na Europa deslizam como patins sobre o gelo.
“São R$ 66 milhões para obras de manutenção”, disse
Rosimeire. Pode ser pouco em relação ao montante que se gasta para
trazer os trens estrangeiros, mas é o suficiente para fazer a alegria de
empresas que andam entre as penas das gigantes.
É o caso da Tejofran, que até a chegada do PSDB ao governo
do estado só fazia serviço de faxina em prédios públicos. Hoje, um de
seus negócios mais prósperos é o de manutenção de trens. Trens da CPTM.
A Tejofran pertence a Antônio Dias Felipe, o Português.
Quando era governador, Covas ficava bravo quando os jornalistas lhe
perguntavam sobre a sua amizade com o Português e a relacionava aos
contratos da Tejofran no governo.
Eram contratos em que a Tejofran entrava com faxineira e
vassoura, e o estado com o dinheiro. Além da limpeza, a Tejofran agora,
depois de quase vinte anos de governo do PSDB, empunha alicate e chave
de fenda, para serviços mais complexos das ferrovias e, portanto, mais
caros.
Mas continua sendo difícil questionar o governo do Estado sobre a
Tejofran.
Na reunião da CPI do Transporte da Câmara Municipal, o
filho de Mário Covas, o vereador Zuzinha, acompanhou tudo. Ele não é
membro da comissão, mas se sentou numa cadeira perto e olhava para os
vereadores encarregados de questionar os burocratas do Estado.
A Tejofran não foi citada uma única vez. Coincidência ou
não, Zuzinha é afilhado do Português. Foi na Tejofran que ele começou
sua carreira profissional, formalmente contratado como advogado.
Português foi padrinho de seu casamento.
“Está na hora de fazer uma faxina nessas relações
promíscuas. Alguém ganha com isso, e não é o passageiro, que paga caro
por um serviço ruim”, diz Centofanti, o Sancho Pança da luta pela
moralização da estatal.
A última da cruzada dele e de Craveiro, o Dom Quixote:
juntaram outros sindicatos para formar a Associação dos Usuários de
Trens de São Paulo. Vem mais denúncia por aí. Mas quem se importa?
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