Por que Zé Dirceu é tão odiado pela direita?
Ele é ainda mais odiado que Lula, o que não é pouco.
Tenho minha tese.
De Lula era esperado, mesmo, que estivesse do lado oposto ao da
direita. Operário, nordestino, nove dedos, pouca oportunidade de
estudar.
Seria uma aberração Lula se alinhar ao 1%, para usar a grande terminologia do movimento Ocupe Wall Street.
Mas Dirceu não.
Ele tinha todos os atributos para figurar no 1% que fez o país ser o
que é, um dos campeões mundiais de iniquidade, a terra das poucas
mansões e das tantas favelas.
Articulado, inteligente, dado a leituras. Bem apessoado. Na ótica do
1%, pessoas como Zé Dirceu são catalogadas como traidoras, e devem ser
punidas exemplarmente para que outras do mesmo gênero, ou se preferirem
da mesma classe, não sigam seu exemplo.
Na França revolucionária, a aristocracia entendia que os Marats, os
Desmoullins, os Héberts pregassem a morte do velho regime, mas jamais
conseguiu compreender o que levou o Duque de Orleans a também lutar pela
liberdade, pela igualdade e pela fraternidade.
O 1% brasileiro, na história recente, soube sempre atrair
equivalentes a Dirceu. Carlos Lacerda, por exemplo, era de esquerda na
juventude.
Depois, se tornou um direitista fanático. Segundo relatos de quem o
conheceu, ele se cansou da vida dura reservada aos esquerdistas em seus
dias e foi para onde o dinheiro estava.
O 1% recompensa bem. Nos dias de hoje, se você defende os
privilégios, acaba falando na CBN, aparecendo em entrevistas na
Globonews, tendo coluna em jornais e revistas, dando palestras muito bem
pagas. E, com a carteira abastecida, ainda pode posar de ‘corajoso’
defensor da ‘imprensa livre’.
Dirceu não fez a trajetória de Lacerda. Não abjurou suas crenças.
E então virou o demônio.
Quem o demonizou foram exatamente aqueles que o adulariam se ele se
vendesse. A imagem que a mídia construiu de Zé Dirceu concentrou num
único homem todos os defeitos possíveis: vaidoso, arrogante, corrupto,
inescrupuloso, maquiavélico.
Um monstro, enfim.
Pegou essa imagem? Menos do que o 1% gostaria, provavelmente. Quem
não se lembra de Serra, num debate com Haddad, repetidas vezes tentar
encurralar seu oponente com a acusação de que era “amigo do Dirceu”?
Haddad reconheceu tranquilamente a amizade, e quem terminou eleito não foi Serra.
Na mídia tradicional, a campanha contra Dirceu desconhece limites jornalísticos e, pior que isso, legais.
Um repórter tenta invadir criminosamente o quarto do hotel que ele
ocupa, e ainda assim é Dirceu que aparece como o vilão do caso.
Quem conhece o Dirceu real, com seus defeitos e virtudes, grandezas e
misérias, são aqueles poucos de seu círculo íntimo. Para eles não faz
efeito o noticiário que o sataniza. (Caso interesse a alguém, nunca
votei em Dirceu e não o conheço pessoalmente.)
De resto, esse noticiário – ou propaganda – não é feito para eles,
mas para os chamados ‘inocentes úteis’, aqueles que em outras épocas
acreditaram no “Mar de Lama” de Getúlio Vargas ou no “perigo comunista”
representado por João Goulart.
É a imagem demoníaca de Dirceu construída pela mídia que, nestes
dias, é utilizada pela maioria dos juízes do Supremo no julgamento do
Mensalão.
Não chega a ser surpresa. A justiça brasileira tradicionalmente foi uma extensão do 1%.
Estudiosos já notaram a diferença da atuação da justiça no Brasil e na Argentina na época das duas ditaduras militares.
No Brasil, a justiça foi servil aos militares. Na Argentina, a
justiça desafiou frequentemente os militares ao declarar inocentes
muitos acusados de “subversivos”.
Isso acabou levando os militares argentinos a simplesmente matar milhares de opositores sem que fossem julgados.
Fundamentalmente, Dirceu paga o preço de sua opção teimosa pelo 99%.
Mas quem vai julgá-lo perante a história não é o 1%, representado por
uma mídia que defende seus próprios privilégios e finge se bater pelo
interesse público. E nem uma corte em cuja história a tradição é o
alinhamento alegremente pomposo com o 1%.
Ele deve saber disso, e imagino que isso o conforte em horas duras como esta.
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